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Sobre as Muletas da Mente

Recebi de uma amiga recentemente uma gravura no Facebook que me deixou ao mesmo tempo animado e desanimado, caso isso seja possível:

Animado porque a gravura segue a linha do Papa Francisco, cujo sonho secreto, para a ira de seus detratores, o chamado fogo amigo, é ver as religiões unificadas em uma só crença, cujo Deus iria ser uma entidade que se adaptasse às características da região onde fosse praticada.

Desanimado porque a situação atual mostra que a religião pode ao mesmo tempo te tornar um ser humano pior. Basta vermos o que ocorre atualmente na Síria e imediações, e os desdobramentos dessa situação por toda a Europa, que passa por uma enorme onda de discriminação religiosa que se estende por todo o planeta.

Depois de umas férias desse Blog, estava me preparando para criar este Post (e essa preparação foi particularmente cuidadosa porque o tema é polêmico), quando me deparei com um artigo do Fernando Gabeira no Estadão de 09/10: "As Fontes da Ira". Claro que o assunto era outro, o PT, mas uma frase do artigo se aplica perfeitamente ao assunto desse Post:

"Não é possível irritar as pessoas ao extremo e, quando reagem, classificá-las como intolerantes".

Tudo teve início com a Contra Reforma. Uma das diretrizes da Igreja, talvez até a mais amena, foi estender a sua crença por todo o mundo, que estava no momento passando por uma fase de descobertas que mais que dobraram o seu tamanho conhecido. Havia um campo enorme a ser conquistado, e era obrigação da Igreja trazer os povos de outras crenças para o seu seio, evitando assim a danação eterna. Foi a chamada evangelização.

Como havia milhões de pessoas no mundo que nunca tinham ouvido falar de Cristo, seria dever da Igreja levar a Sua palavra a esses gentios. Isso gerou nas pessoas um sentimento missionário em que se tornou seu dever propagandear a religião para o seu amigo, o seu vizinho, o seu superior ou subordinado, enfim, para aqueles próximos que estavam se desviando da palavra divina. A religião, que era lugar comum na Europa antes da Reforma, se tornou uma missão pessoal. Deixou se ser uma atividade de foro íntimo para se tornar uma agressiva missão salvadora. 

Isso é claro, na mente se uma pessoa que não participa desse entendimento, pode soar como agressivo e até as irritar, mas se elas reagem, até com gentileza, são elas as intolerantes. E vamos nós receber centenas de mensagens com as quais temos que concordar respondendo Amém ao que foi escrito, porque se discordarmos ou nos omitirmos os intolerantes somos nós. "Curtir" se torna "Amém", e é bom responder assim. 

Eu não sou religioso, é claro, mas se fosse seria adepto a uma religião que aceitasse diferenças com tranquilidade. Só assim a religião deixaria de ser uma muleta. Eu disse muleta? Disse mas não fui original, senão vejamos:
  • "A religião organizada é uma farsa e uma muleta para pessoas de mentes fracas que precisam de força em grupos", Jesse Ventura, ex lutador e ex governador de Minnesota;
  • "Nao há nada de bom que eu possa dizer sobre a religião. As pessoas as usam como uma muleta", Larry Flint, tido como pornógrafo mas defensor de uma sociedade menos ditada pelo fundamentalismo, baleado por um defensor da supremacia branca, inválido desde 1978 (ver o filme "O Povo Contra Larry Flynt");
  • "O Cristianismo é uma religião de perdedores", Ted Turner
Essas declarações no fundo entendem que os religiosos são pessoas emocionalmente frágeis e carentes de um apoio imaginário para tocar a vida, e insinuam que os fortes são eles que não precisam de um suposto Deus para ajudá-los.

Como tudo na vida, a sabedoria a meu ver está no meio, e eu não acho que com esse comportamento radical, tão radical como o dos fundamentalistas religiosos, vamos chegar a lugar algum. A postura do cético deve ser a de respeitar a crença das pessoas e ao mesmo tempo fazer o possível para ver respeitada a sua posição, que no fundo contradiz a gravura acima: A forma de se ser uma pessoa melhor é se convencer que só através do conhecimento empírico podemos alcançar a sabedoria, mas se na falta dela entendermos que através da fé temos um caminho mais curto, tudo bem; apenas respeitem a minha posição.

Vejamos por exemplo o que disse Freud, em todos os parâmetros que imaginarmos sem sombra de dúvida um sábio. Embora fosse ateu, Freud admitia que a fé religiosa proporciona conforto para um número enorme de pessoas, muito embora o conceito de Deus, para ele, fosse ilusório. Segundo Freud, Deus é uma vaga abstração que as pessoas criam para si mesmas, com duas motivações:
  1. as pessoas de fé creem em um deus por terem desejos fortes e esperanças dentro de si mesmas que atuam como conforto contra a dureza da vida;
  2. a ideia de Deus vem da necessidade de uma figura paterna idílica que eclipsa ou um pai inexistente ou um pai imperfeito e real na vida de uma pessoa religiosa. 
Para ele Deus seria então uma projeção psicológica que servia para proteger um indivíduo de uma realidade que ele não queria enfrentar e com a qual não podia lidar sozinho. 

Me causa pena ver uma pessoa na TV, após ver todos os seus bens destruídos por uma catástrofe que poderia ter sido evitada, conseguir forças para dizer que o ocorrido foi vontade de Deus. Nada mais conveniente para o poder público que ter um aliado desses, e esse comportamento casa perfeitamente como conceito de Freud: já que eu não consigo lidar com a catástrofe, e Deus não interveio para me salvar, paciência; o responsável por ter deixado a água inundar a minha casa está protegido e pronto para uma nova eleição. 

O meu conceito, por não possuir essa muleta, é o de que, se a catástrofe pode ser evitada, alguém aqui na Terra é que deve ser cobrado, não Deus. A falta de água na região de Campinas, onde moro, por exemplo, é resultado da incúria das autoridades responsáveis, que nada fizeram no estado mais rico da nação para planejar o abastecimento. Deus, se existir, deve ficar fora disso. Em 1968 eu viajava de São José dos Campos para Campinas pela Dom Pedro e ouvi o Paulo Maluf dizer que as represas que eu estava cruzando iriam garantir o abastecimento de água para a região até o ano 2.000. Estamos em 2.015 e nada mais foi feito no sentido de abastecer a grande São Paulo.

A canonização de Madre Teresa levará em conta um milagre que ela realizou em uma indiana que foi curada de um tumor no estômago. O Dr. Rajan Mustafi, que tratou Monica Besra, disse que tumor se tratava de um cisto comum e não de um câncer. O marido de Mônica garantiu que ela foi curada pelos médicos e não por um milagre. Da minha parte, ao descobrir que tinha um câncer de próstata em estado inicial, tratei imediatamente de encontrar a pessoa certa para resolver meu problema, e a encontrei na figura do Dr. Miguel Srougi, o meu deus particular para esse problema que ele conseguiu resolver (acho que sou politeísta).

Onde quero então chegar? A um mundo que compreenda que a recusa em participar desse delírio coletivo não deve nos tornar objeto de desprezo. Estamos em pleno século XXI, a época da inquisição já passou, pelo menos no universo cristão. É possível se ser uma pessoa boa, útil à sociedade, sem que seja necessário acreditar em Deus. Estima-se que dois milhões de mulheres foram queimadas vivas sob a acusação de bruxaria, mas isso foi há muito tempo, e o que elas faziam não era mais que usar seus conhecimentos para curar as pessoas sem recorrer às escrituras; elas eram empíricas. 

Comentários

  1. Este texto está no blog: theodianobastos.blogspot.com

    AS RELIGIÕES E A MÚSICA
    Theodiano Bastos

    O terrorismo do fundamentalismo islâmico desencadeou a 3ª Guerra Mundial. Não se encontra no Alcorão, — as revelações de Deus, Alá, ao profeta Maomé (570-632) — nada que justifique a matança de inocentes em 11de setembro de 2001 nos EUA, agora na Espanha, ou homens-bombas em toda parte do mundo; como não se justifica o uso da Bíblia e o nome de Cristo para que os católicos promovessem a Inquisição e as Cruzadas, ou que Ariel Sharon use a Torá e o Talmude para que Israel use o nome de Jeová, Javé, para fazer o que faz com os palestinos. Não se justifica matar em nome de Deus. Cristianismo, judaísmo e islamismo têm origem comum. As três religiões surgiram no mesmo lugar. Moisés e Jesus são aceitos como profetas no islamismo. Abraão, por exemplo, é patriarca dos cristãos, judeus e muçulmanos.

    Diz Dom Hélder Câmara em seu livro “Revolução Dentro da Paz”: “Quando eu nasci, meu pai era maçom convicto, não se interessava por religião. Meu pai me ajudou a ver que é possível ser bom, sem ser religioso. Mais tarde, eu mesmo compreendi como é possível ser católico praticante e ser egoísta”. No mesmo livro, Dom Hélder (Hélder quer dizer céu limpo) conta que um prolongado temporal interditou completamente todas as estradas de chão que ligavam um vilarejo. Velhos, mulheres e crianças já não tinham o que comer. Duas carroças foram mandadas aonde tinham víveres. Na volta, as carroças ficaram atoladas. Um dos carroceiros era devoto e ali mesmo na lama e embaixo de chuva ajoelhou-se pedindo ajuda de Deus. O outro, arranjou um pedaço de pau que colocava embaixo da roda e tentava levantá-lo com o outro; e aconteceu o milagre: Um anjo veio do Céu e foi direto ao carroceiro que xingava, batia no burro e tentava desatolar a carroça. O carroceiro perplexo disse: “É ele que é devoto”. Não, respondeu o anjo: “Deus ajuda a quem trabalha. Faz por ti que eu te ajudarei”.

    Recebi a Graça da Fé; Vivenciei o dogma da Cruz: a redenção que sucede ao sofrimento e conheci a Ressurreição em vida. Creio na existência do Criador, o Panteísmo que considera e vê Deus em tudo e que só o homem, por seus próprios meios, pode despertar de suas ilusões. Precisamos, sim, de uma filosofia ou religião para suportar as vicissitudes da vida, até mesmo na música clássica: Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Dvorák, Brahms, Haendel, o Adágio de Tomaso Albinoni etc. “A música tem o poder de dissolver as tensões do coração e a violência de emoções sombrias, ensina o I Ching. É também a companheira na alegria, o bálsamo nas dores e serve como refúgio, consolo e deleite. A música oferece, mais que simples entretenimento, a oportunidade de experimentar sensações profundas e mergulhar na introspecção. Música é vida interior. E quem tem vida interior, jamais padece de solidão”.

    Jung, no livro “Psicologia e Religião”, alerta para os perigos da alma, para temer as forças impessoais que se acham ocultas em seu inconsciente, pois quando as pessoas se reúnem em grande número, elas se transformam em turba desordenada, desencadeando-se as feras e demônios que dormitam no fundo de cada indivíduo. Um homem afável pode tornar-se um louco varrido ou uma fera selvagem. Na realidade, vivemos sempre como que em cima de um vulcão, e a humanidade não dispõe de recursos preventivos contra uma possível erupção que aniquilaria todas as pessoas ao seu alcance, quando nele irrompem as forças coletivas (a epidemia psíquica)...

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  2. " We are all hunting for rational reasons for believing in the absurd" L.Durrell as Balthazar.

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