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Sobre as Religiões

Peço aos meus leitores que vejam com atenção o vídeo abaixo:


Ele com certeza é a declaração mais importante de apelo à união de todos os povos através das religiões para um esforço conjunto pela paz mundial. Talvez seja a primeira vez que um Papa chega tão longe nesse assunto, e essa iniciativa certamente vai encontrar grande resistência interna e externa. Nosso propósito neste Post é discutir essas resistências.

A primeira pergunta ser respondida pelo Papa talvez seja: se todas as religiões são válidas ou têm méritos, qual o sentido da Evangelização? Por que se gastou tanto esforço e se sacrificaram tantos missionários para se trazer para o seio do catolicismo as novas civilizações descobertas pelos navegantes, espanhóis e portugueses? 

A resposta está na evidência de que a religião sempre foi uma ferramenta de submissão das sociedades conquistadas. A adesão à religião do dominador era uma garantia de confiança e fidelidade por parte dos conquistados. Isso não se deu apenas com o Cristianismo. A nação com maior número de adeptos do Islã, a Indonésia, fica a uma imensa distância de Meca, mas aderiu ao Islamismo em função da intensa atividade comercial com os árabes, que dominavam aqueles mares. 

A importância da Indonésia do ponto de vista estratégico era evidente. Tanto que nações vizinhas, como o Vietnã e o Cambodja, que não tinham uma posição importante o tráfego das mercadorias chinesas, não foram evangelizadas. Os portugueses e os espanhóis vieram mais tarde para a região, e visaram as grandes nações asiáticas. O Japão foi um palco importante desse esforço de evangelização católica, e isso está retratado em um filme que está em cartaz mas que ainda não tive a oportunidade de assistir: "O Silêncio", de Martin Scorsese, adaptado do livro do escritor católico japonês Shusaku Endo. 

Comentar um filme que ainda não se viu pode parecer suspeito. Não para quem é leitor assíduo da página de cinema da Veja, assinada pela Isabela Boscov. Em 15/03 ela fez uma resenha desse filme que me impressionou muito. Pelo que li, o filme trata do dilema moral de um jesuíta, o Padre Sebastião, que tem uma dúvida terrível: junto com a salvação ele pode estar trazendo a ruína daquele povo. 

Os missionários não eram recebidos com flores naquelas terras. Estima-se para a Coréia algo em torno de dez mil mártires, dos quais 103 foram beatificados em 1925 e 1962, de de uma só canetada canonizados por João Paulo II em 1984. É provável que a Coréia tenha a maior densidade de santos do planeta. O que nós entendemos como mártires os senhores daquelas terras entendiam como invasores subversivos com uma mensagem altamente perigosa. É isso que o algoz Inoue, o velho samurai inquisidor no filme, tenta explicar a Sebastião, o jovem padre que vai ao Japão à procura do Padre Ferreira, que estava desaparecido. 

Para ele a questão, muito mais que teológica, é ética e moral. O que os padres queriam era fazer com que os camponeses "se tornassem uns párias, extraviados de uma cultura na qual o catolicismo é um corpo estranho". A solução encontrada por Inoue foi a tortura, que só iria parar com a total erradicação do cristianismo no Japão. 

A crise de fé que atinge Sebastião o leva a uma análise profunda das implicações morais da evangelização: existirá caridade em se impingir uma fé numa terra que a tem como inimiga?. Ao finalmente encontrar Ferreira, surge uma solução que Isabela Boscov chama de devastadora, a qual eu farei questão de assistir. Pelo que pude entender trata-se de um martírio no qual os mártires assumem a consciência de sua inutilidade. 

E vem agora a Igreja Católica defender a união das religiões. Melhor dizendo, vem o Papa Francisco fazer esta defesa. A resistência interna a essa mensagem vai ser enorme. As ferramentas que levaram a Igreja a instituir a Inquisição continuam vivas e atuantes. A Congregação para a Doutrina da Fé, com sede no Vaticano, tem em seu regulamento a missão de "promover e tutelar a doutrina sobre a fé e a moral em todo o mundo católico, examinando cuidadosamente os escritos e as opiniões que se mostrem contrários ou perigosos à verdadeira fé, prescrevendo remédios adequados, se julgar oportuno". 

Como se vê, foi exatamente com base nessas diretrizes que atuou o Santo Ofício. proporcionado todas a atrocidades cometidas pela Inquisição. Desde os seus primórdios a Igreja se colocou na obrigação de propagar a "boa nova", mas também de combater aqueles que agissem de modo contrário a ela. Durante o primeiro milênio ela se dedicou quase que exclusivamente à evangelização, a propagar a boa nova, mas essa estratégia mudou radicalmente com as Cruzadas. 

A primeira, conclamada pelo Papa Urbano em 1096, estabeleceu um reinado cristão em Jerusalém. Cerca de um século depois, instituiu-se a licença para matar em nome de Deus e da Fé. Só que os inimigos não eram mais os muçulmanos, mas si os cátaros, cristãos que pregavam uma religião puramente espiritual, divergindo de Roma. Esse grupo cresceu a ponto de superar o número de católicos no sul da França. Inocêncio III decidiu cortar o mal pela raiz e patrocinou o que é considerado um dos maiores extermínios já patrocinados em nome da Fé.

A transição da Idade Média para a Modernidade se deu no fim do século XV. Os fenômenos naturais aos poucos foram deixando de ser vistos como parte da grande obra divina. As bases do Iluminismo foram lançadas, contradizendo boa parte da doutrina duramente construída e preservada a ferro, sangue e fogo. Coube à Inquisição o papel de combater essas novas ideias, com os resultados que conhecemos e que levaram as nações de maioria católica a ficar para trás em termos de desenvolvimento. 

Qualquer pessoa que tivesse o atrevimento de dizer que todas as religiões são válidas naquela época seria punida da forma mais cruel possível. E agora temos um Papa dizendo exatamente isso. É claro que a burocracia do Vaticano não compactua com essas ideias, que ao fim e ao cabo são a negação de tudo o que prega a Congregação da Doutrina da Fé. A reação não se atém apenas ao assunto macro da aceitação das demais religiões. O Papa recebeu recentemente uma carta assinada por 4 Cardeais questionando a epístola "Amoris Laeticia (A Alegria do Amor)", sugerindo que pontos dela vão contra os ensinamento da Bíblia e do magistério de Papas anteriores, por exemplo o acesso dos católicos divorciados que voltaram a se casar civilmente aos sacramentos. A acusação mais grave, aquela jogada para a platéia, é a de que Francisco esta "protestanizando" a Igreja Católica. Prova disso seria sua viagem à Suécia para comemorar 500 anos da Reforma Protestante. 

Na cabeça do Papa, segundo o Cardal Kurt Koch, presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, "Lutero não queria dividir a Igreja; queria reformar a Igreja Católica, mas naquele momento isso não era possível, e deu lugar à divisão dos cristãos e a terríveis guerras de religião". O secretário geral da Federação Luterana Mundial, Martin Junge, na mesma conferência de imprensa, disse que "é muito gratificante contar com a presença do Papa Francisco na Suécia, dando continuidade ao caminho ecumênico empreendido pelos seus predecessores". 

As nações se encontram nesse momento da História no duro dever de se modernizar, que adequar suas leis às mudanças patrocinadas pelos avanços tecnológicos, com implicações graves na pirâmide etária e nas oportunidades de emprego. O que temos visto por enquanto é o nascimento de Messias despreparados para o enfrentamento desses desafios. Com as Igrejas não vai ser diferente. Cabe a nós, melhor dizendo a vocês, o dever de defender posições que não acirrem ainda mais as divisões que durante séculos prevaleceram. Uma boa iniciativa seria pensar 10 vezes antes de compartilhar na Internet notícias que são evidentemente falsas e tendenciosas. 





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