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Os Candidatos e as Reformas

Se tem assunto que Candidato evita são aqueles que podem lhe tirar votos. Para minha surpresa no entanto parece que aqueles candidatos que não se situam no lado esquerdo do espectro político já vêm admitindo a necessidade de uma reforma radical na Previdência Social. 

Para minha maior surpresa e do Celso Ming em sua coluna de 20/07, o Candidato que mais deu a cara pra bater nesse assunto foi Ciro Gomes, candidato do PDT, que não deixa por isso de ser considerado um terror para o Mercado. Isso é surpreendente porque o mais comum na nossa esquerda política é se aproveitar de opiniões controversas dos adversários da direita ou do centro para transformá-las em memes. Que o digam os Candidatos que ousaram falar em privatização da Petrobrás no passado. 

A posição da esquerda nesse assunto é hipócrita; ela chega ao cúmulo de negar a existência de déficit e alega que basta cobrar as contribuições em atraso que o problema está resolvido. A verdade é que o atual sistema não tem salvação: com a queda da natalidade, o aumento da expectativa de vida e a diminuição da oferta de emprego o sistema está chegando a uma situação tal que ou mexemos nele ou nos condenamos ao atraso sem retorno. 

Para entendermos o atual sistema precisamos entrar em detalhes do seu funcionamento. Ele é chamado de Sistema de Repartição, e nele o trabalhador na ativa cobre as despesas de quem já se aposentou. Para ele funcionar a contento se presume que o mercado de trabalho esteja sempre em crescimento e que o tempo de vida do aposentado não aumente. Está acontecendo exatamente o contrário, porque os avanços tecnológicos estão dispensando mão de obra tanto no setor produtivo como no de serviços, e a expectativa de vida não para de crescer. 

Quando isso ocorre se torna necessária uma Reforma, caso contrário o déficit terá que ser coberto pelo poder público, que ao fazer isso retira recursos de setores importantes, o que em geral prejudica principalmente os menos favorecidos. O déficit atual na nossa Previdência se aproxima velozmente de R$ 300 bilhões por ano. 

Vou aqui fazer uma declaração negativa de voto: não votarei em Ciro Gomes, pelo simples fato de acreditar no Mercado e verificar que ele é o candidato que mais causa arrepios nesse entidade pouco entendida pelos ideólogos não produtivos. Porém tenho que me vergar ao fato de que ele foi o único que pôs o dedo na ferida nesse assunto. Ele propõe um sistema misto baseado em três pilares:
  • Um programa de renda mínima para quem não contribui para o INSS. Esse programa poderia ser de algo em torno de dois salários mínimos. Com o fim gradual das colocações no mercado de trabalho é fundamental que se comece a considerar programas de renda mínima para manter a sociedade com padrões razoáveis de subsistência
  • A manutenção do atual sistema para quem ganha de dois salários mínimos até um valor a ser estipulado. Para entendermos melhor vamos supor 5 salários mínimos.
  • O terceiro pilar seria o chamado Sistema de Capitalização. O trabalhador abriria uma conta para a qual iria contribuir com um determinado valor, e possivelmente haveria também a contribuição do empregador. A aposentadoria adicional sairia do saldo dessa conta individual, devidamente engordado pelo rendimento obtido em aplicações financeiras. 
O Sistema de Capitalização tem a vantagem de desenvolver o mercado de capitais onde seriam aplicadas as contribuições. Ele é individual para o contribuinte. O contribuinte pode considerar esse Sistema como algo parecido com um fundo VGBL atual. Ele poderia mudar de administradora para evitar desvios ou incompetência.

Beleza. Caso esse sistema não tivesse que ter um início, por exemplo caso ele fosse um avião que está no ar desde o início dos tempos, tudo bem. As atribuições de cada pilar estariam devidamente estabilizadas. Só que o avião ainda não decolou. Trocando em miúdos, é preciso ver quem vai pagar as aposentadorias de quem já está aposentado pelo sistema atual. Observa-se aqui que o mérito de ter apresentado uma proposta está maculado pelo fato dela não ser precisa nos detalhes. 

Passemos agora à candidata Marina Silva. Em entrevista à Veja de 27/06, ao ser defrontada com duas perguntas que punham à prova sua condição de evangélica, a descriminalização do aborto e da maconha, defendeu que esses assuntos devem ser resolvidos por meio de plebiscito. Minha opinião é que quem defende essa saída é mal intencionada, mas mesmo assim está correndo risco. Agora mesmo está acontecendo na Internet a consulta pública do Senado sobre a legalização do aborto, e no momento em que estou escrevendo esse Post o placar está 312 mil a favor e 305 mil contra. 

https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=119431

Fico a imaginar: se a pergunta fosse sobre a Reforma Previdenciária será que ela proporia também um plebiscito? O nome disso é "sair pela tangente", como todos eles fazem. 

O candidato Jair Bolsonaro o faz com o que ele chama de "humildade". Nas matérias de economia ele afirma que busca ajuda dos especialistas, e diz que está tentando aderir às ideias ultraliberais. Seu guru Paulo Guedes, que ele chama de Doutor Paulo nas palestras que faz, segundo ele elabora planos perfeitos que não vão ser aprovados na Câmara e no Senado. Se um candidato comete a gafe de dizer que só vai apresentar propostas que o Legislativo vai aprovar, ele tem necessariamente que ser ignorado pelo eleitor. O que Bolsonaro está dizendo nas entrelinhas é que ele não assume compromisso algum com nada. 

Vejamos o que propuseram os candidatos no encontro com cerca de dois mil empresários ocorrido em Brasília em 04/07:
  • Jair Bolsonaro: Rediscutir a reforma da Previdência, reduzir o número de ministérios para 15, reduzir o prazo para emissão de licenças ambientais.
  • Geraldo Alckmin: Reduzir o imposto de renda das empresas, criar o imposto sobre dividendos, substituir IPI, PIS/Cofins, ISS e ICMS por um único imposto.
  • Marina Silva: Câmbio flutuante, superávit primário e meta de inflação, reverter a reforma Trabalhista, e tornar as agências reguladoras independentes.
  • Henrique Meirelles: Reforma Tributária, ampliar concorrência bancária, melhorar produtividade. 
  • Ciro Gomes: Controlar preço do dólar e juros, recriar taxa juro de longo prazo, nova reforma Trabalhista.
  • Alvaro Dias: Rediscutir a reforma da Previdência, nova reforma Trabalhista, competição na exploração e distribuição de combustível. 
Em Post anterior citei uma madame que em um aniversário me brindou com um neologismo que eu não deixo de empregar: disse ela que "era uma pessoa de muitas iniciativas e poucas 'acabativas'". Está certo que se tratava de um encontro com empresários e que era conveniente dizer coisas que são caras a eles. Também não sou nem nunca fui empresário, não podendo portanto estar presente em encontros como esses, mas pelo que li na mídia houve uma debandada geral dos assuntos que perseguem a sociedade brasileira de forma atroz. O empresário é alem de tudo um cidadão, e deveria formular perguntas que levassem os candidatos para longe da zona de conforto que seria falar apenas sobre coisas que afetam o dia a dia de suas empresas. Por exemplo:

O candidato possui na sua equipe um quadro que esteja tratando da elaboração:
  • de um plano para a Segurança.
  • de um plano para a Educação
  • de um plano para a Saúde
  • de uma Reforma Previdenciária
  • de um plano para as grandes áreas urbanas deterioradas
  • ...
Será que eu estou sendo um pouco utópico ao esperar que o candidato a gerir uma sociedade de 210 milhões de pessoas deve se preparar a esse ponto? Ou será que esses milhões de desassistidos possuem o discernimento de exigir essa qualidade dos seus dirigentes? 

Yuval Harari definiu as ideologias atuais como religiões humanistas: o humanismo liberal, o humanismo socialista e o humanismo evolutivo. Pra mim está claro que todos nós temos, talvez até sem perceber, alguma percentagem dessas 3 religiões na nossa formação. O que me preocupa e que o humanismo evolutivo, que foi adulterado e causou a maior chaga na evolução humana, esteja ressuscitando sob uma forma moderna, com o auxílio da tecnologia. Na medida em que os menos favorecidos foram perdendo lugar no mercado de trabalho, o que percebo é que, nas sociedades menos desenvolvidas como a nossa, a preocupação com as necessidades básicas foi sendo deixada de lado. Por isso considero a Reforma Previdenciária a de maior prioridade, nem tanto pelo seu impacto na economia, mas muito mais por entender que ela, para ser bem feita, tem que levar em conta a necessidade de uma política de renda mínima. 

Em função desse meu entendimento, mesmo declarando meu voto contra Ciro Gomes, tiro meu chapéu para a sua iniciativa de defender uma renda mínima numa reforma Previdenciária. É talvez reflexo do meu lado socialista que eu desconhecia. 

Comentários

  1. Para compensar, declaro meu voto para Ciro Gomes.

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    1. Acho interessante que, alem deste ingênuo autor, os outros leitores saibam quem é o vamplayer28.

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  2. Excelente análise mas parece recomendar que se vote no Ciro considerando-se ser o único candidato que apresenta proposta para a crítica reforma da Previdência apesar de se declarar no texto que nele não se votaria.

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    1. Caro Umknown
      Grato pelo comentário. O fato que quis enfatizar, talvez sem sucesso, foi que a proposta, além do mérito de incluir a renda mínima, possui o grave defeito de, com as ideias complementares do candidato a respeito da Economia, ser infactível.
      Espero continuar contando com as suas contribuições, de preferência se identificando. São os comentários que mantêm o Blog vivo.

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