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Populismo e Democracia

Em Maio apresentamos os três desafios com os quais o nosso Planeta está tendo que lidar: o Nuclear, o Ecológico e o Tecnológico. Hoje vamos tentar mostrar a ferramenta que está sendo usada para inviabilizar o sucesso nessas três empreitadas: o Populismo. 

Existe enraizada na mentalidade das pessoas a ilusão de que a democracia é uma conquista que já está concretizada. Isso não é verdade. O que acontece é que as armas usadas pelos inimigos da democracia mudaram, e ela se viu despreparada para lidar com a nova estratégia inimiga. 

Nosso continente Latino Americano é um exemplo claro dessa nova realidade. Até recentemente o que se via eram desafios que nos levavam a lutar contra inimigos explícitos, que deixavam claro o seu objetivo de destruir a democracia, atacando-a tanto pela direita como pela esquerda. Hoje tudo mudou, e o que se vê é a democracia sendo usada para, através dos seus próprios critérios, deixar que floresçam líderes que se dizem os representantes legítimos do povo, e o levam a se voltar contra o sistema político vigente. 

Ser populista nos dias de hoje é saber usar a frustrações do cidadão comum com uma linguagem que leva em conta o fato de seu entendimento das coisas ser limitado. Tudo começa com o convencimento de que ele, o populista, não pertence ao sistema político vigente, isso mesmo que ele esteja imerso nesse sistema por décadas. Os políticos tradicionais permitiram o surgimento desse personagem no instante em que não deram a devida atenção ao imenso potencial que a nova mídia colocou à sua disposição, e eles não a souberam usar. 

É aí que o populista se coloca, com um custo irrisório, como uma alternativa rápida de derrubar o status quo e destruir aquilo que ele chama de velha política. Nesse mundo globalizado surge todo tipo de estudiosos desse assunto, e me chamou a atenção um alemão filho de mãe judia polonesa de nome Yasha Mounk, que foi entrevistado nas Páginas Amarelas da Veja de 17 de abril. Mounk é professor da Universidade Johns Hokpins e é autor do livro "O Povo contra a Democracia" (Companhia das Letras). Sua tese é a de que a estreita relação entre democracia e liberalismo deixou de existir, o que está resultando em risco à estabilidade e ao progresso do mundo ocidental. 



O acordo entre  liberalismo e a democracia resultou na garantia de que todo indivíduo tem a liberdade de decidir o que quer falar, de escolher sua religião, e de fazer de sua vida privada o que bem entender. Esses conceitos foram gerados da Revolução Inglesa e adotados pelos fundadores da nação americana, e nos defendem contra os abusos de eventuais tiranos, inclusive os eleitos, além de proteger as minorias. 

O controle desse processo se dá através do voto, que em princípio irá impedir que ditadores tomem decisões por nós. No entanto esse equilíbrio se rompe na medida em que os eleitores começam a dar atenção a populistas; quando esses trazem a mensagem que, para resolver nossos problemas, se torna necessário ignorar as salvaguardas mostradas acima. A sociedade se vê dona da opção de liberar os seus instintos destrutivos através do voto, já que se libertou dos chamados contrapesos institucionais, e passa a impor o modo de pensar da maioria cooptada.

O nacionalismo é um dos instrumentos que o populista usa com grande eficiência. Ele deve ser tratado como uma entidade que pode retornar ao seu estado selvagem se não for devidamente cultivado. No caso brasileiro a direção certa de lidarmos com o nacionalismo é claramente descrita na sua Constituição, que nos propõe uma democracia multiétnica com igualdade total de raça, crença, e mais recentemente de gênero no seu sentido mais amplo (Segundo decisão do STF deste mês de junho, que considerou a homofobia uma forma de racismo, na ausência de pronunciamento do Legislativo a respeito). 

Seguindo nessa linha o anti globalismo é um dos motores do populismo. O ressentimento contra a ideia de que estão drenando recursos de nosso país é muito fácil de ser aceso, e a globalização é facilmente levada à condição de grande culpada pela superioridade social daquelas nações que souberam fazer o dever de casa que nós não fizemos. Por outro lado aqueles que, como eu na minha insignificância, acreditam que o globalismo é a solução, devem sempre ter em mente que o fim dos Estados é uma utopia. É necessário um ponto de equilíbrio nessa relação globalismo - nacionalismo, e é aí que surgem figuras como Trump e vários outros, que conduzem as suas políticas no sentido de desqualificar as ações necessárias a manter a integridade do planeta. 

A pergunta que surge é: uma vez no poder, o que faz o populista tomar decisões nitidamente contrárias à vontade popular? Aí entram as redes sociais com seu poder avassalador de tornar "maioria" as promessas do populista. Vejamos três exemplos:
  • "Grande parte dos evangélicos são favoráveis à mudança da capital. Então, nós estamos atendendo um anseio de grande parte da população, não é da minha cabeça, não é algo pessoal meu" (Jair Bolsonaro)
    Grande parte no caso não é mais que uma pressão de Silas Malafaia, seu importante cabo eleitoral e amigo pessoal, e que promove excursões aos lugares sagrados do cristianismo. O brasileiro mediano sequer sabe que a capital de Israel não é Jerusalém; para ele essa questão tem uma prioridade insignificante, e a comunidade israelense, que certamente é a favor da mudança, deve ser bem informada a ponto de reconhecer que existem implicações econômicas importantes nessa decisão.
    Existe ainda o fato de que essa pressão pela mudança nos Estados Unidos também foi liderada pelos evangélicos, o que de certa forma incentiva o nosso Trump a tomar medida semelhante, sem antes ver que consequência essa promessa de campanha traria para a nossa economia.
  • Segundo o Ibope, 73% dos brasileiros são contra a flexibilização do porte de armas e 26% são a favor.
    37% são favoráveis às novas regras para possuir armas de fogo em casa; 61% são contrários.
    Em cinco meses de governo, Bolsonaro cumpriu a promessa de campanha e editou três decretos sobre posse de armas. Isso sem levar em conta que 51% da população discorda da afirmação de que o aumento de pessoas armadas torna a sociedade mais segura.
    A CCJ do Congresso, seguindo a vontade popular, derrubou o decreto que flexibiliza o porte de armas por 15 votos a 9, ou 63%, o que mostra que pelo menos nesse caso a sociedade foi bem representada.
    "A CCJ do Senado decidiu revogar nossos decretos sobre CACs e posse de armas de fogo. Na terça (18), o PL será votado no plenário. Caso aprovado, perdem os CACs e os bons cidadãos, que dificilmente terão direito de comprar legalmente suas armas. Cobrem os senadores do seu Estado." (Jair Bolsonaro)
    Isso levou o Presidente do Senado a prometer providências contra o que ele chamou de "Intimidação".
    Pois bem, enquanto escrevo esta Post fico sabendo que o Senado aprovou, por 47 votos a 28, o parecer da CCJ. Ou seja, 63% dos nossos representantes agiram do acordo com a vontade dos seus representados.
Esse fato me leva a interromper o meu arrazoado para tentar convencer o meu leitor de algo muito importante: Nossos representantes são legítimos, no sentido que eles são um raio X daquilo que pensamos e queremos. É claro que individualmente você  pode dizer que eu estou redondamente enganado, que VOCÊ não é representado em Brasília de forma alguma. 

É verdade, VOCÊ não é, mas a SOCIEDADE BRASILEIRA pensa e age exatamente como agem seus representantes. Só há uma maneira de melhorarmos esse estado de coisas, e eu entendo que esta mudança já começou a acontecer: precisamos colocar em Brasília mais Kataguiris, mais van Hattens, mais Tábatas. O fato desses jovens estarem aterrissando em Brasília não é mais que o resultado de nós como SOCIEDADE estarmos mudando o que até hoje entendemos como responsabilidade  política. Estamos deixando de ser cordiais para nos tornarmos sociais.
  • O assunto agora é cadeirinha, limite de pontos, etc.
    O uso de assento para crianças ajudou a reduzir em 74% as mortes para essa faixa etária no trânsito em Santa Catarina, de acordo com a mídia local. Imaginamos que, como esse estado tem um alto grau de desenvolvimento humano (IDH), esse coeficiente não é nacional, mas é importante, e diz muito da necessidade da obrigatoriedade desse equipamento.
    Já o caso do limite de pontos existe uma posição majoritária dos especialistas em que algo pode ser feito para que se melhore o procedimento. Como dois terços das multas são de 5 a 7 pontos, 20 pontos são uma numeração baixa. Na minha opinião deveria ser feita uma diferenciação entre o motorista que usa o veículo para locomoção pessoal e o que usa como instrumento de trabalho. Só isso. Aqui o que acontece é que a sociedade também é contrária a esse projeto de lei da forma como ele foi apresentado. Não é segredo para ninguém que as nossas estatísticas em termos de trânsito são uma vergonha, e os especialistas dizem que um aumento do limite de pontos desse porte vai gerar mais mortes. Ou seja, para atender a classe dos caminhoneiros foi apresentado um projeto de lei que pelo visto não contou com a consulta aos órgãos responsáveis por fiscalizar o trânsito.
Então o que nós, vis mortais, podemos fazer para tornar mais civilizada a convivência com as pessoas que não pensam exatamente como nós? Contar a até dez antes de postar qualquer opinião agressiva não deixa de ser uma sugestão interessante. Ver se a sua opinião conta com o apoio da maioria da sociedade ou é algo jogado pelo Populista para criar um grupo que ele pode manipular com facilidade. 

Baseado no que você se sente autorizado a chamar de traidor um senador ou uma senadora que votaram contra o decreto das armas? Pense que na pior das hipóteses eles estariam representando uma imensa maioria de pessoas que acham o decreto uma aberração num país violento como o nosso. Na melhor das hipóteses ele votou com convicção. O tema é polemico e não é porque o Populista gosta de atirar que você deve concordar com ele. 

Boa sorte para todos nós. Os desafios são imensos e esse pobre País precisa de harmonia a tranquilidade. 


Comentários

  1. Assino em baixo, só acrescentaria que a nossas esperanças de dias melhores passam pelos Kataguiris, van Hattens, Tábatas e também pelos Moros e Dallagnois. Muito bem escrito e concatenado.

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  2. É, caro Amigo, parece que esse é o único caminho. Pelo menos é o que eu consigo ver. Seria bom que o outro lado, a esquerda, também desse a sua contribuição de renovação, senão a ideologia do outro lado não se renova. Um forte abraço.

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  3. Faz um bom tempo que não consigo ver nada que possa criticar ou polarizar nos teus blogs Luis! Muito bons e bem fundamentados. Queria comentar apenas que, face a um executivo no mínimo bizarro, o Congresso com Maia a frente assume um protagonismo bem vindo na condução das reformas e do país. Aparentemente colocam o fisiologismo de lado e passam a trabalhar seriamente que é o que deveria ser a norma, não a exceção. A dialética funcionando.

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  4. Quanto a esquerda, o Ciro e sua equipe tem uma proposta de reforma da previdência muito bem estruturada e mais justa, uma séria contribuição que deveria ser melhor discutida. Ocorre que ele é colocado em um limbo midiático porque ataca sem dó o sistema financeiro e os bancos e isto é imperdoável para o tal sistema.

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