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Juros, Inflação, Aposentadoria

A Sociedade Brasileira se encontra um tanto perdida, tendo que lidar com o novo ambiente financeiro ditado pela redução da taxa Selic. É essa taxa que ajusta os financiamentos dos títulos federais. 

Muito se tem dito a respeito, quase sempre de forma equivocada, o que nos leva a crer que uma economia equilibrada é um obstáculo grave no nosso esforço de planejar o futuro. A página dois do Estadão de 5 de fevereiro dá um exemplo claro do quanto podemos nos iludir com os números criados por daqueles que deviam nos orientar da forma certa.

O articulista tentou ser o mais claro possível e eu vou seguir a sua linha. Para facilitar as coisas ele considerou uma contribuição de 20 anos em um fundo de pensão, seguida de 20 anos de saques. Suas suposições simplificatórias foram:
  1. ausência de capital inicial (começando do zero)
  2. ausência de inflação (???)
  3. ausência de taxa de administração
  4. ausência de tributação
Seria o caso de uma pessoa iniciar a contribuição ao completar 40 anos, e aos 60 anos iniciar os saques até os 80 anos por exemplo. Segundo ele, numa situação de juros nulos (e já que ele se considera em um ambiente sem inflação), para se conseguir uma pensão almejada de R$ 1.000 ele terá que fazer contribuições mensais de R$ 1.000. Ou seja, ele vai contribuir com R 1.000 durante 240 meses e receber os mesmos R$ 1.000 durante os 240 meses de sua pensão.

Em seguida ele simula uma taxa de juros anual de 6% e afirma que a contribuição mensal irá cair para R$ 312, mantendo o valor da pensão em R$ 1.000 mensais. Para uma taxa de 4% ao ano a contribuição seria de R$ 456 e para uma taxa de 2% seria de 673.

Montei uma planilha Excel para verificar esses valores e cheguei a algo muito parecido: R$ 331 para juros de 6%, R$ 475 para juros de 4% e R$ 696 para juros de 2%.

Dentro desse raciocínio temos que:
  • Com juros de 0% você vai pagar 20x12x1000 reais, ou R$ 240.000 para ter dentro de 20 anos um retorno de R$ 240.000 (240 parcelas de R$ 1.000). Elas por elas.
  • Com juros de 2% você vai pagar 20x12x696 reais, ou R$ 167.040 para ter dentro de 20 anos um retorno de R$ 240.000. 
  • Com juros de 4% você vai pagar 20x12x475 reais, ou R$ 114.000 para ter dentro de 20 anos um retorno de R$ 240.000. 
  • Com juros de 6% você vai pagar 20x12x331 reais, ou R$ 79.440 para ter dentro de 20 anos um retorno de R$ 240.000. 
Conclusão do articulista: "os gestores de fundos previdenciários não gostam de explicar aos participantes que com juros menores terão de contribuir mais para obter a mesma renda futura. O fato, porém é que a taxa de desconto de 6% morreu - e o País terá que se curvar a isso. Infelizmente, não há mágica no mundo rígido da matemática financeira".

Como assim? Não bastasse a Reforma Trabalhista e a Previdenciária que me tiraram direitos, mais a Administrativa e e a Tributária que vêm por aí, mais a Tecnologia que está liquidando os empregos, vem você me dizer que planejar o futuro ficou mais caro?

Será que o esforço monumental que o Banco Central está fazendo para baixar o os juros não passa de um artifício para prejudicar ainda mais a nossa pobre classe média já tão prejudicada? Se isso é verdade, como explicar esse discurso que o Brasil, enfim, está se aproximando do grupo das nações civilizadas?

Se com juros de 6% ao ano eu só preciso de pagar ~R$ 79.440 durante vinte anos para garantir uma pensão de ~R$ 240 mil nos vinte anos seguintes, por que baixar os juros?

Não sei se a divulgação de dados como esses são resultado de ignorância ou má fé, mas eles são imensamente prejudiciais ao cair como bombas no meio de uma Sociedade tão avessa aos números. Vou usar o mesmo argumento de ser o mais didático possível para mostrar onde está o furo desse raciocínio.

Como enfatizei grifando de vermelho, o furo consiste em termos como premissa a inflação nula durante 20 mais 20, ou 40 anos. Para isso seria necessário que o poder de compra dos tais R$ 1.000 se mantivesse o mesmo durante os 40 anos. 

Se um governo consegue fazer a inflação se aproximar de zero durante 40 anos, não há por que ele oferecer títulos de dívida com juros elevados. Essa situação não existe, logo, todo o raciocínio não faz sentido. Estamos acompanhando casos de países que oferecem juros negativos (Alemanha, Japão, Suíça), ou seja eles estão cobrando para manter sua poupança guardada com segurança, já que é senso comum que os títulos do governo são os mais seguros. Logo, podem esquecer os números acima: eles só existem no imaginário dos mal informados ou mal intencionados.

Vamos então retirar a hipótese de que em nosso país podemos assumir inflação zero. Sabemos pela experiência de quem já chegou a enfrentar uma inflação de 499,2% em dez anos que isso não existe por aqui. Nossa cultura e nosso comportamento como gestores do nosso futuro não permitem.

Seguindo os números dos juros acima, fiz uma simulação que considerei mais realista, que é a seguinte:
  • A inflação define o juro:  juro = inflação/0.9 ou  inflação = juro x 0.9
É claro que poderia estender o assunto gerando uma tabela maior de juros x inflação para calcular as aplicações em um fundo de aposentadoria, mas acho que esses três exemplos são suficientes:
  • juro de 2% é resultado de uma inflação de 1,8% ao ano
  • juro de 4% é resultado de uma inflação de 3,6% ao ano
  • juro de 6% é resultado de uma inflação de 5,4% ao ano
ou seja, na medida em que o governo falha no controle da inflação, ele tem por obrigação tornar mais atrativa a remuneração dos seus títulos. Essa premissa se aplica +/- no caso atual em que temos uma Taxa Selic de 4,25% ao ano e uma inflação prevista para 2.020 de algo como 3,56%. 

Mas vamos trabalhar com essas 3 hipóteses e ver o que podemos concluir sobre esse assunto. 
  • Com uma inflação anual de 1,8 % o poder de compra de R$ 1.000 cai para R$ 484 em 40 anos. Ou seja, em 2.060 você, com R$ 1.000, comprará o equivalente ao que você compraria com R$ 484 hoje
  • Com a inflação de 3,6% esse poder de compra em 2.060 cai para R$ 231
  • Com a inflação de 5,4,% ele cai para R$ 109
Resumindo, com inflação de 5,4% em 2.060, com R$ 1.000, você só vai conseguir comprar o que você compraria hoje com R$ 109. Logo, um raciocínio correto terá que levar em conta o fato que a inflação existe, e em existindo será necessário em nosso planejamento que a levemos em conta, tanto na correção das contribuições nos primeiros 20 anos como na correção das pensões nos últimos 20 anos. Como o articulista não fez uma coisa nem outra os números dele não servem pra nada.

Tem mais, mesmo que cheguemos à conclusão que vamos ter que investir um pouco mais na medida em que a remuneração dos investimentos chegar mais perto da inflação, como é o caso presente, os benefícios que o controle da inflação trazem compensam esse fato, e isso não é motivo para demonizar o novo ambiente financeiro.

Dito isso vamos analisar a tabela  abaixo:
Na primeira coluna temos o caso utópico já visto de inflação e juro nulos durante 40 anos, onde todas as 240 contribuições (20 anos x 12) são de R$ 1.000, e todos os 240 saques nos 20 anos subsequentes também. 

Na segunda coluna consideramos juro de 2% para uma inflação de 1,8%. Nesse caso teremos que a contribuição do primeiro ano seria de R$ 979, e a cada ano essa contribuição seria corrigida com a inflação de 1,8%, até o ano 20, onde ela seria de R$1.374. Já os saques pra manterem o poder de compra dos R$ 1.000 em 2.020, seriam de R$ 1,454 no ano 21 até R$ 2.041 no ano 40.

Na terceira coluna consideramos juro de 4% para uma inflação de 3,6%. Nesse caso teremos que a contribuição do primeiro ano seria de R$ 959, e a cada ano essa contribuição seria corrigida com a inflação de 3,6%, até o ano 20, onde ela seria de R$1.878. Já os saques pra manterem o poder de compra dos R$ 1.000 em 2.020, seriam de R$ 2.102 no ano 21 até R$ 4.115 no ano 40.

Na quarta coluna consideramos juro de 6% para uma inflação de 5,4%. Nesse caso teremos que a contribuição do primeiro ano seria de R$ 941, e a cada ano essa contribuição seria corrigida com a inflação de 5,4%, até o ano 20, onde ela seria de R$ 2.556. Já os saques pra manterem o poder de compra dos R$ 1.000 em 2.020, seriam de R$ 3.018 no ano 21 até R$ 8.196 no ano 40.

Conclusões:

- Fizemos a inflação variar de 0% a 5,4% (juro de 0% a 6%) no intervalo de 40 anos e a contribuição do primeiro ano variou de R$ 1.000 a R$ 941, uma leve queda de 5,9%. reparem que segundo o artigo do Estadão, com o juro de 6% e inflação nula o autor chega a uma contribuição perene nos 20 anos de R$ 311. 

- Se considerarmos que o juro de 6% só pode ser resultado de uma inflação perto de 5,4%. o que vamos receber de pensão vira pó, e teremos grande dificuldade de sobreviver dentro do raciocínio do artigo.

- O controle da inflação com a conseguente queda do juro é salutar em todos os sentidos, e isso inclui o nosso planejamento para a aposentadoria.

- É claro que um cálculo preciso teria que levar em conta a taxa de administração dos fundos de previdência disponíveis, bem como a mordida do Leão. As Fintechs estão oferecendo esse serviço com taxa zero. Já o Imposto de Renda só incide sobre o valor recebido no resgate, com alíquota variando de zero a 27,5%, algo parecido com a mordida que recebemos nesse país onde salário é tido como renda. Ou seja, não considerar esses dois fatores é válido, salvo se os saques forem planejados para uma valor muito elevado.

Espero ter esclarecido uma dúvida que comecei a ter, o que me levou a estudá-la e apresentar as minhas conclusões aqui. Espero que elas estejam certas e aguardo os reparos da parte dos que se dispuserem a ler esses rascunhos. Os interessados em saber como cheguei a esses números podem se identificar nos comentários. Assim eu poderei enviar a planilha Excel simples que eu usei para chegar a eles.




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