A PARTICIPAÇÃO DO FUTEBOL NO MEIO SOCIOPOLÍTICO, e vice versa. Parte 2 - A CLASSE TRABALHADORA / A ELITIZAÇÃO DO FUTEBOL e POLITICAGEM NO FUTEBOL / MANIFESTAÇÕES ANTIGOVERNO - Enzo Fontenelle Alfonso
A
CLASSE TRABALHADORA / A ELITIZAÇÃO DO FUTEBOL:
Hoje isso pode parecer até mentira, mas a verdade é que as classes mais baixas sempre estiveram diretamente relacionadas ao futebol. A classe operária, por exemplo, foi responsável não só por popularizar o esporte que conhecemos hoje, mas também pela criação de gigantescos clubes que preenchem a história do mesmo, como por exemplo o Arsenal, River Plate, Corinthians, Manchester United, entre outros.
Por
que eu digo que isso pode parecer mentira? Pois bem, quem vê um time com uma
história tão bonita como a do Manchester United e logo depois o vê torrando
centenas de milhões da Família Glazer (Atuais donos do clube) em jogadores de
gosto duvidoso como se não fosse nada, certamente não vai achar isso normal.
Isso não é um manifesto para dizer
que os times devem continuar pobres, muito pelo contrário! Fato é que a
inserção dos grandes donos do petróleo, marcas de energético ou até mesmo a
promoção de todo um país utilizando a imagem do clube está matando o futebol
como conhecemos. E isso tem sido um grande problema para todos aqueles que amam
o esporte e já não reconhecem mais os clubes para que torcem.
O incentivo de uma maior
capitalização e elitização do futebol já é realidade. Recentemente vimos a
frustrada tentativa de Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, de criar a
Superliga. Apesar de o mesmo não pensar dessa maneira, a Superliga Europeia é
basicamente a elitização do futebol encarnada, pois seria uma competição onde
apenas clubes de ponta da Europa participariam, restringindo o acesso a clubes
de menor porte e de países menores. Pois bem, a parte mais importante é que o torneio
viria para substituir a Champions League, torneio democrático que conta com
representantes de quase todos os países europeus, inclusive com clubes da
Suíça, Bélgica, Romênia, Bulgária, enfim, países com o futebol menos
desenvolvido e que movimenta menos capital.
Felizmente, a possibilidade da criação desse torneio foi descartada, e
os jogadores possuem um papel muito importante nisso, tal como ascensão social
e econômica pela qual muitos passam/passaram. A ascensão econômica desses
atletas os permitiu ocupar a posição que ocupam hoje, posição essa que não lhes
era de costume. Ou seja, eles sabem o que é vir de baixo, conhecem a essência,
pois são os verdadeiros fãs do futebol, não os cartolas e dirigentes desses
clubes bilionários. Afinal, o futebol é um dos poucos esportes no mundo onde a
criança pobre da periferia possui as mesmas chances de se tornar um
profissional que o filho do dono das mais vastas zonas petrolíferas, e isso é
um fato inegável. Os exemplos estão aí para todos verem.
O caso dos brasileiros principalmente,
que estavam acostumados a jogar no barro, no terrão, apenas sonhavam em poder
jogar a Champions League pelos clubes que jogam hoje. A maioria deles,
inclusive pertencentes a classe baixa, a classe trabalhadora, e sabem o quão
importante eles são para a nova geração. Dito isso, o posicionamento deles não
poderia ser diferente, boicotaram o
torneio e junto aos fãs, adiaram a sua realização.
E
novamente, voltando ao papel da ascensão
social, podemos pensar da seguinte maneira: Se a maioria dos jogadores de hoje
não tivessem ascendido tanto economicamente quanto socialmente, tivessem vindo
de famílias ricas, de classe alta, será que eles teriam se posicionado da mesma
maneira? Estariam pensando apenas na enorme capitalização que um torneio como a
Superliga Europeia geraria, assim como os dirigentes de Barcelona, Real Madrid
e Manchester City pensaram? Tudo que posso dizer é que felizmente isso não
ocorreu.
Tweet do jogador alemão Mesut Ozil protestando contra a criação da Superliga e ressaltando o sonho de toda a criança em jogar a Liga dos Campeões..Disponível em: https://twitter.com/foxsportsbrasil/.
Torcedores do Africain Club, da Tunísia, expondo uma faixa
com a frase: “Criado pelos pobres, roubado pelos ricos” durante amistoso contra
o PSG. Disponível em: https://twitter.com/brfootball/.
Torcedores do Chelsea protestando contra a criação da
Superliga Europeia, torneio que visa a elitização e a maior capitalização do
futebol. Disponível em: https://www.vox.com/.
Outra grande polêmica relacionada a classe trabalhadora e que gerou a comoção de muitos jogadores recentemente foram as péssimas condições que estão sendo impostas aos trabalhadores imigrantes no Catar, que estão preparando a casa para a próxima Copa do Mundo, em 2022.
Segundo o jornal inglês “The
Guardian”, as péssimas condições de trabalho impostas, além de um intenso calor
que beira os 50ºC, causaram a morte de mais de 6.500 operários responsáveis
pela construção de oito novos estádios de futebol. Os estádios possuem o mais
alto nível de tecnologia e estão sendo construídos às pressas, pois devem estar
prontos até o fim de 2022.
Isso
obviamente gerou a insatisfação não só daqueles que irão consumir o “produto
final” como daqueles encarregados por gerar o entretenimento, os jogadores, que
como vimos anteriormente podem muito bem decidir a realização de um torneio. A
seleção da Noruega foi a primeira a se manifestar sobre o assunto dentro das
quatro linhas. Antes da partida contra Gibraltar em Março deste ano, válida
para as eliminatórias para a Copa do Mundo, os jogadores noruegueses cantaram o
hino usando uma camisa com a frase “Direitos humanos, dentro e fora de campo”.
A Noruega está convicta de seu
posicionamento e cogita seriamente não participar da Copa de 2022 caso as
medidas necessárias não sejam tomadas. O técnico da Noruega, Ståle Solbakken, e
o capitão da seleção norueguesa e atual jogador do Arsenal, Martin Odegaard
fizeram questão de ressaltar o objetivo e a importância dessa manifestação:
“A intenção (Dessa manifestação) é Pressionar a Fifa para ser ainda mais direta, ainda mais firme, perante as autoridades do Catar e impor exigências mais rígidas”
“Muitos jogadores estão interessados no assunto, se preocupam e querem fazer algo para tentar contribuir”
O meia alemão Toni Kroos, que assim como Goretzka é muito
politizado em tudo que faz, foi um dos fortes apoiadores da iniciativa tomada
pelos noruegueses e para defender a causa, decidiu tomar medidas ainda mais
extremas: Se aposentar da seleção. É
isso mesmo que você leu, o lendário Toni Kroos, certamente um dos maiores
meio-campistas da história do futebol decidiu não jogar aquela que seria a
última Copa do Mundo de sua carreira. A derrota por 2x0 para a Inglaterra nas
oitavas de final durante a mesma Eurocopa citada anteriormente, foi a última
partida do meia com a camisa da seleção.
É
uma atitude histórica tanto por parte dos noruegueses quanto por parte do
alemão, já que há muito a se perder, até por que negar a sua participação no
torneio mais importante do mundo não é pra qualquer um. Isso deixa muito claro
que o envolvimento pela causa é dos maiores possíveis. O preço pode ser um
pouco alto, mas nada mais justo do que defender e lutar por aqueles que são
incapazes, por todas as vidas que já foram perdidas, é o mínimo que se pode
fazer. Quando se está em um palco tão importante quanto o mundo do futebol,
ações como essa se fazem necessárias.
Jogadores da Seleção Norueguesa, todos vestindo a camisa com
a frase “Direitos Humanos, dentro e fora de campo”. Disponível em: https://www.jornalcorreiodamanha.com.br/.
POLITICAGEM
NO FUTEBOL / MANIFESTAÇÕES ANTIGOVERNO:
Como dito anteriormente, o meio futebolístico sempre foi de maioria conservadora, infelizmente. Justamente pelo fato de haver uma exagerada manutenção de princípios considerados tradicionais por parte da torcida e também daqueles que administram os clubes, o futebol sempre acabou servindo de braço político ou até mesmo holofote para “governos” (se é que assim podemos chamar) que compartilham dos mesmos ideais, normalmente governos de Direita/Extrema Direita. Há exceções.
Existem
diversos casos que comprovam essa relação, como por exemplo Getúlio Vargas e o
São Paulo, Pinochet e o Colo-Colo, Francisco Franco e o Real Madrid, enfim. Até
mesmo Hitler utilizou do futebol como tentativa de forçar ainda mais a ideia de
Eugenia quando teve a chance. Porém, há uma relação mais recente do que as
anteriores e que por incrível que pareça não tem sido tão ressaltada quanto
deveria, talvez por razões muito óbvias, que é o caso do Governo Bolsonaro com
o Clube de Regatas Flamengo.
Desde
que chegou ao poder, o atual presidente do Brasil tentou promover sua imagem no
meio futebolístico de todas as maneiras possíveis. Foi com o Palmeiras em 2018,
após o clube se consagrar o vencedor do campeonato brasileiro, com o Botafogo,
ao qual já declarou inúmeras vezes torcer, com o Brusque, clube de seu aliado
político Luciano Hang, o dono da Havan, etc. É bem capaz que deva existir uma
foto dele com cada camisa de clube brasileiro.
Porém, o Presidente parece ter
encontrado a mina de ouro que ele tanto buscava dentro do clube do litoral carioca.
É um dos clubes com a maior torcida do mundo, briga constantemente por títulos
e tem o apoio da direção do clube, ou seja, é perfeito para que ele possa fazer
sua propaganda de governo sem que aqueles que discordam possam receber a devida
atenção.
Para deixar ainda mais claro, quando
se é um político, principalmente daqueles que tem como objetivo manipular as
massas, deve sempre se associar àqueles em maior quantidade ou que estão em
maior destaque, como é o caso do Flamengo e de sua torcida. Logo aparecerá
outro clube em melhor fase e com mais destaque para que ele possa se escorar.
O Bolsonaro fez exatamente o mesmo
com o Palmeiras, chegou até a levantar taças junto ao time da capital paulista,
que felizmente tinha uma torcida mais politizada e que não aprovou essa
relação. Ou seja, não há paixão, não há real comprometimento com o clube, isso
é apenas um jogo político do mais antiquado e sujo, já que não há nenhum
exemplo de que isso tenha sido usado para uma boa causa, apesar de boa parte
dos políticos fazerem. É uma estratégia que trata-se apenas de alienar.
Vale lembrar que isso não é uma
crítica pessoal ao clube do Flamengo, afinal o Flamengo é mais um daqueles
clubes do povo que foram perdendo sua identidade ao longo do tempo devido a
atitude daqueles que o dirigem, tema abordado anteriormente. Abaixo estão
algumas imagens que mostram como o
governo Bolsonaro tem usado do atual campeão brasileiro para se
autopromover.
Bolsonaro
dá agasalho do Flamengo ao presidente da China Xi Jinping. Disponível em: https://veja.abril.com.br/.
Presidente
Jair Bolsonaro e Ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro assistindo a um jogo do Flamengo.
Disponível em: https://veja.abril.com.br/.
Porém, se no Brasil existem clubes
que estão diretamente associados a influências de seres políticos, há também
aqueles que se opõem aos que comandam o país, afinal, o trabalho é sobre isso,
manifestações e protestos. E quando se trata deste assunto não tem como não
citar o caso conhecido como “Democracia Corinthiana”, onde diferentemente do
Flamengo, o Corinthians se mostrou totalmente oposto a essas ideias
preconceituosas e opressoras pregadas pelos líderes do país, inclusive sob
circunstâncias bem piores.
Tudo
começa no início da década de 80, o Brasil ainda passava por um longo e duro
período de Ditadura militar, ou seja, havia uma fortíssima repressão a
opositores e uma grande deficiência nas questões sociais e políticas, como por
exemplo o direito de votar. Logo, considerando o que vimos anteriormente,
sabemos que o futebol é na verdade um reflexo da nossa sociedade, aliás, o
futebol é uma parte vital da nossa sociedade, e nesse caso não foi diferente:
Boa parte dos clubes ou eram omissos com medo de graves consequências ou eram
aliados dessa tirania que reinava no país.
O
Corinthians, entretanto, decidiu adotar uma postura um tanto quanto diferente
do contexto brasileiro na época. Como dito anteriormente, neste período
ditatorial a população não tinha direito ao voto, a escolha era feita por
aqueles que estavam no poder. No alvinegro da capital paulista, o sistema se
assemelhava mais com algo conhecido como democracia, coisa que o brasileiro não
testemunhava desde 1964.
Essa tal “Democracia” funcionava da
seguinte maneira: Todas as escolhas tomadas dentro do clube ou em relação ao
clube deveriam passar por uma votação antes, votação essa que ia desde os
jogadores e os dirigentes do clube até os roupeiros e faxineiros, sendo que
todos poderiam votar apenas uma vez, e pasmem, o voto dos dirigentes do clube
tinham o mesmo valor decisório dos funcionários e empregados.
A iniciativa foi aceita por todos,
mas foi encabeçada principalmente pelo dirigente de futebol do clube Adílson
Monteiro Alves e os jogadores Sócrates e Wladimir, jogadores muito politizados
e que não estavam nem um pouco contentes com a situação do país, afinal, quem é
que estaria, não é mesmo?
O objetivo dessa iniciativa era que
assim como no clube houvesse justamente o direito ao voto para todos, para que
o cidadão brasileiro pudesse finalmente escolher alguém que o representasse.
Antes do jogo, faixas com frases como “EU QUERO VOTAR PRA PRESIDENTE” e
“DIRETAS JÁ” se tornaram cada vez mais comuns. Além de se mostrar grande no posicionamento,
essa foi uma época muito vitoriosa para o Corinthians, que se mostrou grande
dentro de campo também, ganhando os títulos paulistas de 1982 e 1983 além de
chegar à semifinal do campeonato brasileiro. de 1984.
O Movimento teve seu fim após a saída
do craque Sócrates e a criação do Clubes dos 13, em 1985 e 1987,
respectivamente. No entanto, ele foi um marco muito importante para a história
do Corinthians, pois criou fortes raízes dentro das filosofias do clube, além
do mais, fez com que o Corinthians criasse uma forte identificação com o povo
brasileiro, e vice-versa, o que trouxe ainda mais torcedores para o clube
paulistano. Torcedores esses que se fazem presentes onde quer que o Corinthians
esteja e que sempre foram peça fundamental em todas as suas conquistas.
Esse talvez tenha sido um dos maiores acontecimentos não só do futebol brasileiro, mas sim do esporte mundialmente falando, pois nos proporcionou algo visto muito dificilmente dentro do âmbito esportivo, ainda mais devido às circunstâncias da época. Além do mais, o modelo adotado dentro do clube, a “Democracia Corinthiana” é algo que até hoje não se vê constantemente dentro do futebol. É incrível como atos tão simples e lógicos vindo por parte de entidades normalmente acostumadas a se manterem as mesmas, ou até mesmo negar a mudança, impactam a nossa sociedade. É por esse e outros momentos mágicos que o famoso “Football”, “Calcio”, “Fútbol” ou “Futebol” é considerado por muitos o melhor esporte do mundo.
Jogadores
do Corinthians exibindo uma faixa com a seguinte frase “GANHAR OU PERDER, MAS
SEMPRE COM DEMOCRACIA” , durante a fase da Democracia Corinthiana. Disponível
em: https://twitter.com/
Eis uma visão que combina história com verdade e o espírito do esporte da multidões.
ResponderExcluirÓtimo texto.
Parabéns ao autor e ao vovô coruja! Realmente o futebol é uma referência histórica importante para entender o país.
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