Ultimamente tenho insistido em apresentar a China aos meus poucos leitores, numa tentativa de fornecer insumos para que tenhamos material que nos permita entendê-la melhor. Isso inclui uma descrição isenta de suas potencialidades.
O que estamos vendo para um futuro próximo é que os Estados
Unidos e a China vão permanecer como as duas maiores potências do mundo. A não
ser que essas duas potências sejam capazes de chegar a algum tipo de
convivência, todo o planeta irá polarizado ao enfrentamento dos seus principais desafios,
que vão da inteligência artificial à preservação do meio ambiente, os quais iriam exigir cooperação internacional. Uma guerra total entre essas duas nações rapidamente se tornaria um evento que iria colocar em risco a nossa existência neste planeta.
Um em cada seis humanos são cidadãos chineses, e o que
vemos é que em grande parte o novo candidato a líder mundial, como sempre
acontece, parece estar mais preparado que o seu
oponente. Um erro comum que observamos é que o Ocidente sempre tende a analisar
esse novo candidato a líder de acordo com os seus próprios valores. Uma
eventual proeminência da China, no entender do Ocidente, acabaria por minar os
conceitos de liberdade de opinião e das instituições, assim como a chamada
democracia liberal, e o que temos é uma iniciativa de preservar esses valores
frente ao “perigo chinês”.
O que a meu ver deve ser feita é uma análise do que fez a
China progredir tanto em tão pouco tempo, e colher as informações que tornaram
possível esse milagre, para a partir daí tentar aplicar as potencialidades que
permitiram à China virar motivo de preocupação, e tentar adaptá-las com vistas
a melhorar o que não está funcionando por aqui.
Encontrei no site Persuasion num artigo de 08/08 uma
explicação plausível do que a China possui como ferramentas que propiciaram a
ela crescer de forma tão consistente. As chamadas fontes de poder mais
importantes que ela possui e cultiva
Tamanho
O Produto Interno Bruto (PIB) per Capita é uma medida importante para se avaliar a saúde de uma economia. Vejamos então onde se situa a China neste quesito. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2024 a China de encontrava na posição 66, enquanto os Estados Unidos estavam na posição 6::
Acontece que esses dois países são enormes, e a população da China chega a ser 4 vezes maior que a dos Estados Unidos. Então mesmo com um PIB per capita 6,5 vezes menor que o americano, a China tem um PIB total de US$ 18,5 trilhões, contra US$ 29,2 trilhões dos Estados Unidos. Ou seja, estamos falando das duas maiores economias do planeta.
Uma fato importante nessa corrida é que a taxa de crescimento da China tem sido constantemente maior que a dos Estados Unidos. Então esta diferença US$ 10,7 trilhões (37%) vai desaparecer. Por exemplo, se o PIB per capita da China crescer 58%, passando para US$ 18.500, as duas economias se igualam em US$ 29,2 trilhões. Se o PIB per capita chinês atingir metade do americano, ou 42.697, a economia chinesa será duas vezes maior que a americana, com um PIB de US$ 60,1 trilhões
Há também um argumento de que o tamanho coloca nas mãos do administrador mais dinheiro, e como na China o Estado tem uma participação muito maior na economia (não compra iates que valem bilhões), esse fator sustenta o crescimento econômico. A Malásia tem o mesmo PIB per capita da China, mas devido ao seu tamanho (população) menor tem uma economia que corresponde a 2,5% da chinesa (US$ 454 bilhões contra US$ 18.500 trilhões). Com tanto dinheiro e boa aplicação dele a China se transformou rapidamente numa líder mundial em todas as tecnologias importantes, dos carros elétricos aos trens de alta velocidade.
Existe uma regra que ao dobrarmos o volume da manufatura qualquer produto o seu custo se reduz a 80% do valor inicial. A economia da Malásia é 40 vezes menor que a da China. Então seria de se esperar que enquanto a Malásia constrói 1 quilômetro de ferrovia a China estaria construindo 40 quilômetros. Esse volume maior levaria a China a desenvolver ferramentas que iriam baratear os custos. Se levarmos ao pé da letra a regra acima o custo de uma ferrovia na China seria 38% do custo da mesma ferrovia na Malásia.
Centralização
Além de ser um dos maiores países do mundo, a China tem o poder muito mais centralizado que o dos outros grandes países, e isso inclui os Estados Unidos e a Índia.
A comparação com os Estados Unidos evidencia bem esta vantagem chinesa. Uma democracia tem os chamados freios e contrapesos, e assim sendo uma lei federal para se tornar efetiva precisa esclarecer um grande número de pontos questionáveis. O poder também é disperso regionalmente estre seus 50 estados, um volume enorme em comparação com outras federações como a Alemanha (16 estados), sendo que os estados americanos têm o poder de cobrar impostos e julgar crimes de acordo com suas próprias leis.
Com a Índia acontece algo semelhante. O poder político foi ultimamente concentrado em um nível elevado na Índia, o que teve como resultado uma erosão real dos freios e contrapesos e com a submissão da
Corte Suprema ao poder político. Isso resultou numa maior centralização do poder, mas a sociedade indiana é muito dividida pela religião, pela casta, os grupos étnicos e o idioma, o que torna difícil para os legisladores na
capital impor sua vontade ao restante do país.
A China também possui diferenças
de idiomas e culturas significativas. Mas Pequim enfrenta obstáculos muito menores que os de Washington ou Delhi. A autoridade do Partido Comunista Chinês (PCC) é muito grande. As cortes, os jornais e as empresas estão sempre alinhadas com as diretrizes
políticas. Os agentes locais do PCC estão autorizados a inovar, o que torna as províncias chinesas "laboratórios" de teste de eventuais mudanças. Mas quando vem uma ordem de
Pequim, eles obedecem, ou são removidos. E a população
chinesa é muito mais homogênea que a de qualquer país de tamanho comparável,
com mais de 90 por cento pertencente à etnia Han e o Mandarim servindo como o
idioma principal para o ensino em virtualmente todo seu território.
Essa grande homogeneização possibilita à China definir com maior possibilidade de êxito seus objetivos. Isso se torna visível na sua política industrial, onde o foco nos carros elétricos está ligado à implantação de uma infraestrutura nacional de ferrovias de alta velocidade. Poucos chineses se sentem motivados a pegar as rodovias dada a facilidade de viajar em alta velocidade nos trens, o que viabiliza o uso dos carros elétricos apenas nos deslocamentos urbanos. A aviação regional também se mostra desnecessária para deslocamentos menores de 1.000 km.
Infraestrutura
Em termos de infraestrutura, tudo na China é novo, uma prova do enorme progresso pelo qual ela passou nas últimas décadas. Poucas décadas atrás, a China não possuía um único quilômetro de ferrovias de alta velocidade. Hoje, bem mais que a metade dos quilômetros de ferrovias de alta velocidade do planeta estão localizadas na China. Assim sendo as estações são todas novas e os trens são rápidos e pontuais, não apenas nas grandes metrópoles mas também nas cidades menores.
Os Estados Unidos hoje não possuem um só quilômetro de ferrovias de alta velocidade. As ferrovias alemãs também se encontram numa grave crise de infraestrutura e pontualidade, com um índice de atrasos superior a 30%.
As grandes cidades da China possuem enormes redes de
transporte. A maioria dos aeroportos do país são novos, espaçosos
e eficientes. Existe um cuidado muito grande em tornar todas as cidades chinesas, não apenas as mais importantes, habitáveis e bonitas, com bairros residenciais ocupando o espaço das áreas rurais próximas'
Ética do Trabalho
Muitas das diferenças entre a China e os outros países provavelmente
têm mais a ver com seus estágios de desenvolvimento econômico. Mas em se tratando de ética é evidente que a maioria das
pessoas na China não muito mais trabalhadoras que a maioria das pessoas nos
Estados Unidos e na Europa.
As exigências das maioria das empresas
chinesas são sumarizadas com o número ""996": trabalho de 9 da manhã a 9 da noite, de segunda a
sábado. Os feriados também são muito limitados. Por lei, um empregado que tenha
trabalhado numa empresa por 5 anos tem direito a 5 dias de licença remunerada a
cada 12 meses; quem tenha trabalhado numa empresa por 15 anos, a 10 dias. Para
muitos cidadãos, o Novo Ano Chinês é a única oportunidade de se tirar uma folga
do trabalho e visitar a família ou passear.
O sistema educacional também é extremamente competitivo. Os
estudantes do ensino médio americanos vão para a escola em média das 8 às
15 horas, de segunda a sexta; se forem aplicados, eles chegam a fazer duas horas
de deveres de casa todos os dias. Os estudantes ensino médio chineses estão na
escola das 7 às 17/18 horas; para eles é usual ter de três a
quatro horas de deveres de casa todos os dias. E embora não haja usualmente instrução
formal nos fins de semana, eles comparecem a seções de estudos, ou vão para cursos preparatórios privados, nos sábados e domingos.
Como resultado, o exame de conclusão da escola secundária é
muito mais difícil e muito mais intenso que qualquer equivalente americano.
Talvez o exemplo mais evidente é o exame mandatório de linguagem inglesa. Nos
Estados Unidos, o Conselho Universitário anunciou recentemente que irá reduzir
drasticamente o tamanho das provas de leitura; em vez de dar aos estudantes os
textos SAT (Scholastic Assessment Test) que têm o tamanho de cerca de 600
palavras, e fazer algumas perguntas a respeito deles, eles irão doravante apresentar
textos de cerca de 150 palavras, e será feita apenas uma pergunta sobre o
texto.
Isso significa que os estudantes do ensino médio chineses fazendo
seus exames de inglês agora enfrentam um teste mais desafiador em uma língua estrangeira
que os americanos fazendo o SAT na sua língua nativa. A prova disso é esta página do exame do ano passado:
Tecnologia
Durante uma recente onda de calor na Europa, morreram
milhares de pessoas, em boa parte porque seus apartamentos não tinham ar
condicionado. O
problema não está na idade de muitos edifícios, ou na falta de
investimento público; ele é ideológico. Apesar da crescente evidência de que a
falta de ar condicionado tem consequências adversas sérias, de uma severa queda
na qualidade do sono a uma produtividade significantemente menor, muitos
europeus o rejeitam como sendo
prejudicial ao meio ambiente.
Na China a aceitação das novas tecnologias num tão curto espaço de tempo, foi aceita com tranquilidade. Existe aquela confiança de que as ferramentas que são oferecidas trazem consigo vantagens para a sociedade. A convicção antigo do
Ocidente da que apenas as democracias podem promover a pesquisa científica ou
as indústrias com vistas ao bem social mostrou nos últimos anos ser equivocada. A China é hoje
uma líder mundial em áreas como a energia solar e na manufatura de baterias, é muito competitiva no domínio da inteligência artificial, e tem universidades que
se incluem entre as melhores do mundo.
Mas o que impressiona é a velocidade com que as novas
tecnologias estão sendo integradas no dia a dia. Mesmo as lojas
familiares operam agora quase exclusivamente através de pagamentos eletrônicos.
A maioria dos restaurantes permite que os clientes peçam e paguem através de
código QR. Você pode usar o mesmo aplicativo para acessar o
transporte público em praticamente todas as maiores cidades. Aplicativos de transporte
privado e de entrega estão em toda parte. E se o seu celular ficar sem bateria,
você pode alugar um carregador e
devolvê-lo quando quiser.
Mesmo as grandes transformações tecnológicas encontram
rápida aceitação. A maioria dos taxis em Xangai agora são elétricos. Ao
contrário da relutância dos taxistas das grandes cidades do Ocidente em aceitar mudanças, praticamente todos os taxistas de Xangai estão entusiasmados
com a mudança.
Alta Modernidade
A Alta Modermidade é um movimento que tem raízes na crença inabalável de que apenas a ciência e a tecnologia são capazes de reordenar tanto a sociedade como o mundo natural. Esse movimento nasceu como resultado do crescimento do capitalismo nas sociedade ocidentais, e consequentemente da industrialização
A China é provavelmente o último grande país do mundo que conserva o espírito da Alta Modernidade de ordenar os recursos do estado para racionalizar aspectos chave da sociedade ou da economia. Isso a levou a ser criticada em função de falhas que ocorreram nas iniciativas para melhorar a condição dos chineses. A Alta Modernidade mostrou ser capaz de trazer perigos para o desenvolvimento da economia, como quando as ordens de Pequim impuseram que grandes recursos fossem aplicados em indústrias específicas, como a de construção. Mas o reconhecimento das muitas armadilhas da Alta Modernidade não evitou que se reconhecesse que ela também permitiu ao país atingir feitos superlativos.
O idioma é um bom exemplo. A variedade e idiomas e
dialetos locais na China é imensa. Até poucas décadas atrás,
havia uma boa probabilidade de que dois cidadãos chineses selecionados ao
acaso não forem capazes de se comunicar.
Isso tem mudado e, com poucas exceções, o
idioma principal de instrução para quase toda criança que atualmente frequenta a
escola na China é o Mandarim. Na maioria das províncias, os estudantes são
proibidos de falar idiomas ou dialetos locais na escola, ou mesmo entre si.
Como resultado. Pequim está, pelo menos para os seus cidadãos mais jovens,
criando algo para o país que milhares de anos de história chinesa não foram
capazes de estabelecer: uma língua única.
Os mesmos princípios da alta modernidade estão sendo usados para anular qualquer aspiração
separatista nas províncias remotas como o Tibet. Há boas razões para se ser
incomodado moralmente por algumas destas táticas, mas é inegável que elas só são possíveis pelo fato de se reconhecer que o poder que as impõe é genuíno.
Orgulho Nacional
Os americanos estão muito divididos a respeito do papel do patriotismo. Muitos europeus ainda acreditam que o
nacionalismo é uma filosofia retrógrada que foi abandonada no século XX. Os
indianos estão tão divididos por suas identidades que uma questão a respeito de casta ou religião muitas vezes tem precedência sobre o orgulho nacional.
A maioria dos chineses não tem tais dúvidas ou divisões. Eles são muito gratos
à sua cultura antiga, profundamente ressentidos por seu país ter se submetido a
uma série de humilhações nas mãos de estrangeiros, ocidentais e japoneses, nos
séculos XIX e XX, abertamente orgulhosos de estarem agora ascendendo ao
seu lugar merecido a nível global.
Para eles o exército chinês pode facilmente bater qualquer
força armada mundial, e o motivo seria que os chineses são Han, são um povo, ao
passo que os americanos para eles não são uma nação verdadeira.
Tal nacionalismo pode ser equivocado, certamente há um
exagero a respeito do poder do exército chinês, e uma baixa avaliação do exército americano, que é eficiente, apesar da diversidade de suas pessoas. Mas esse orgulho muito
difundido na nação faz com que o chinês médio esteja disposto a fazer
sacrifícios por sua nação. Uma pesquisa recente nos Estados Unidos sugeriu que
a maioria dos americanos não estaria disposta a arriscar suas vidas por sua
nação em caso de guerra. Esta pesquisa na China certamente teria resultado
diferente.
Segurança
A China é extremamente segura. Esse fato se estende a todo o país. Com a vigilância onipresente e a polícia virtualmente em todo lugar, o crime simplesmente não compensa. Mas a explicação para esse fato é também cultural: todo e leste da Ásia tem baixos níveis de crimes violentos.
Mas qualquer que seja o motivo, a realidade é incontestável.
Mesmo um turista estrangeiro pode se mover livremente nas grandes cidades sem
qualquer preocupação sobre se tornar uma vítima de um crime. E
enquanto têm havido alguns incidentes chocantes de assassinatos em massa no
estilo dos tiroteios nas escolas americanas, o fato de que é virtualmente impossível
se obter um revólver limitou a taxa de mortalidade dos chineses.
Pragmatismo
O sistema chinês é muito mais pragmático do
parece. A China é sem dúvida um país autoritário no qual o poder é altamente
concentrado. Mas será um erro pensar nela como um país totalitário onde a
iniciativa local é completamente desencorajada, e qualquer forma de crítica é
imediatamente anulada.
Das elites altamente educadas aos motoristas de taxi, os
chineses falam abertamente a respeito de problemas reais, como o custo de vida
elevado ou a dificuldade de se encontrar empregos bem remunerados. Existe até
uma tradição antiga de protestos políticos. Quando um cidadão individual sofre alguma
injustiça flagrante nas mãos do estado, ou um funcionário local é reconhecido como
corrupto, os cidadãos muitas vezes vão às ruas para chamar atenção aos seus dramas.
Contanto que eles evitem desafiar diretamente a autoridade do Partido
Comunista, e evitem tópicos especialmente sensíveis como o Tibet, seus
protestos têm probabilidade de sucesso. Parece que o Partido Comunista Chinês monitora
assiduamente tais expressões de descontentamento para identificar, e eventualmente punir, os
funcionários mais ineptos.
Cultura
Este é o aspecto mais evidente dessa lista. A China é uma
civilização antiga com recursos culturais profundos que costumam acompanhar sua
rica história.
Os restaurantes chineses, dos refinados às barracas de
macarrão, estão entre os melhores do mundo. Existe uma longa e vívida tradição
da poesia e da caligrafia chinesas. As belas artes estão florescendo. As
apresentações de música clássica nas grandes cidades rivalizam com as de
qualquer cidade ocidental. E dado o tamanho do país, ele é cada vez mais um
participante em todos os campos da cultura. Xangai possui algumas das mais
refinadas cafeterias, e as mais sofisticadas marcas da moda.
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Essas características são reais e significativas. À luz das
muitas coisas que a China está desenvolvendo, é uma tolice subestimá-la.
Quem ainda entende que países autoritários são incapazes de inovar, ou que o
crescimento do país vai provar ser uma quimera, está de recusando a atualizar
suas opiniões à luz de evidências muito fortes
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