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Estatística

Sexta Feira, 15 de Junho. Estou assistindo ao jogo França x Ucrânia e de repente o sinal da Globosat HD sumiu. A solução foi mudar para a Band, também HD, porque a imagem da Sportv é muito ruim. Tive então que aguentar as bobagens que o Neto costuma dizer em seus comentários; e elas não tardaram: o jogo estava 0 x 0, o locutor dizia que a percentagem de posse de bola era de 60 / 40 em favor da França, e foi interrompido pelo Neto, que disse não acreditar em estatísticas, e que o que importa não é a posse de bola, mas sim os chutes a gol, que a essas alturas eram também bastante favoráveis à França: 6:2. Resumindo: na cabeça do Neto, posse de bola é estatística, chute a gol não.

Fiquei me perguntando por que a Bandeirantes coloca uma pessoa tão despreparada para comentar seus programas esportivos, e cheguei a uma conclusão que achei interessante: ele está mais próximo em termos da cultura média do espectador, logo ela está certa em mantê-lo. O Estadão em boa hora percebeu que ele não casava bem com os outros boleiros que fazem a coluna esportiva diária e ele deixou de aparecer. Era difícil ler Nando Reis num dia e Neto no outro.

Mas voltando à estatística, eu entendo que o seu desconhecimento é uma das causas principais das crenças em coisas estranhas. Estou cansado de ouvir, em reuniões sociais, coisas do tipo: "como eu posso acreditar em estatística se uma pessoa que está com a cabeça em uma pedra de gelo e os pés em um balde de água fervente está com a temperatura média de 50 graus e no entanto está morto?", ou "urna e barriga de mulher só se conhece quando se abre (frase sem efeito a partir do ultra-som)".

Benjamin Disraeli, escritor e político britânico de origem italiana e judaica sefardita, que se tornou primeiro ministro, dizia, talvez brincando, que havia três categorias de mentira: mentiras, mentiras sórdidas e estatísticas. Estendo que ele queria se referir ao mau uso que se faz da estatística, mau uso este decorrente da falta de compreensão que a maioria das pessoas tem dela. Resumindo, ela é usada para impingir nas pessoas conceitos falhos; é uma das armas preferidas pelos políticos e pelos falsos profetas.

Voltei então ao meu atual livro de cabeceira, Coisas Estranhas, de Michael Shermer, já citado neste Blog. Em uma visita do autor a uma tal Association for Research and Enlightement (ARE), ele resolveu participar de uma experiência de Percepção Extra Sensorial (ESP em inglês). A experiência era simples: uma máquina ESP, invenção da ARE, mostrava um de cinco símbolos: +, quadrado, estrela, círculo, e ondas. Cabia aos presentes adivinhar qual símbolo seria mostrado. O instrutor disse que entre 3 e 7 respostas certas em 25 tentativas, o resultado era considerado normal; qualquer coisa acima de 7 era evidência de ESP. Questionado por Shermer, ele foi forçado a afirmar que abaixo de 3 evidenciava ESP negativa.

Como foram feitos dois testes e a pessoa que tirou 8 no primeiro não foi a mesma que tirou 9 no segundo, houve uma explicação de que a ESP não era uma característica perene, que esses poderes funcionam algumas vezes e outras não. De tanto questionar o instrutor, o autor acabou por receber um "chega pra lá": "Você deve ser um engenheiro ou algum desses estatísticos ou algo do gênero", para deleite dos presentes.

Um estatístico entenderia o problema de forma diferente: existe uma probabilidade de 20% de você acertar um símbolo, já que eles são 5; um número suficientemente grande de tentativas levaria a média de acertos para cerca 1/5 do número de tentativas. Pode-se provar matematicamente que para 25 tentativas a probabilidade de acerto fica em:

              0 acertos:   0,38%
              1 acerto:     2,38%
              2 acertos:   7,08%
              3 acertos: 13,58%
              4 acertos: 18,67%
              5 acertos: 19,60%
              6 acertos: 16,33%
              7 acertos: 11,08%
              8 acertos:   6,32%
              9 acertos:   2,94%
            10 acertos:   1,08%
                restante:   0,56%, ou seja a probabilidade de mais de 10 acertos é de 0,56%, muito baixa.

O que isso significa? Que a matemática deixa claro que o número de acertos é uma questão de probabilidade, e que entre 3 e 7 acertos estarão muito provavelmente 79,26% das tentativas, e que também provavelmente 10,90% das tentativas se situarão acima de 7 acertos. Dizer que mais de 7 acertos são decorrentes de uma "momentânea" percepção extra sensorial é abusar da ignorância matemática que permeia a nossa sociedade, tornando-a refem de individuos inescrupulosos, ou no mínimo tão mal informados como os seus alvos.

Conta Michael Shermer que, ao sair desse encontro, foi abordado por uma mulher que lhe perguntou:
"
- Você é um desses céticos, não e?
- Sim, sou.
- Bem então como me explica coincidências como a de eu ir até o telefone para ligar para uma amiga e de repente o telefone toca e é ela que está ligando para mim? Isso não é um exemplo de comunicação psíquica?
- Não, não é. É um exemplo de coincidência estatística. Deixe-me perguntar-lhe uma coisa: quantas vezes você vai até o telefone para ligar para uma amiga e não acontece de ela ligar para você? Ou quantas vezes uma amiga liga para você sem que você tenha ido ao telefone com a intenção de ligar para ela?
- Eu só me lembro das vezes em que esses eventos acontecem e esqueço todos aqueles que você sugeriu.
- Isso mesmo. Você entendeu. Trata-se apenas de percepção seletiva.
- Nâo, isso prova apenas que os poderes sensitivos funcionam umas vezes, outras não.
"
Hoje eu resolvi lançar essa questão numa mesa de bar com dois amigos. Um de imediato concordou comigo, que se tratava de um mero problema estatístico eu receber uma ligação de uma pessoa pra quem eu estava para telefonar. O outro me garantiu que isso acontece frequentemente com ele e a esposa. Segundo ele trata-se de uma comunicação por frequencia cerebral. Perguntei quantas vezes por dia ele fala com a esposa. Entre duas e três, disse ele ....

Será que eu estou aquivocado e que esses fenômenos realmente existem? Mas eu não sou Cético?


Comentários

  1. É claro (para mim)que fenômenos aparentemente "transcendentes" são obra do puro acaso. Lembremo-nos quantas dezenas de vezes a mídia convoca astrólogos nos finais de ano para conhecer suas previsões e os acertos são desprezíveis. Se, porém, a coincidência favorecer algum deles, ah! esse vai marketear-se como um grande adivinho. Histórias de acertos e curas são frequentes, mas ninguém inclui nas comprovações das extra-sensorialidades e coisas afins, a quantidade imensa das que não deram certo. Continuo descrente até PROVA em contrário.

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