"A Biologia permite, a Cultura proíbe".
Tirei esta frase do excelente livro de Yuval Harari, "Sapiens, uma breve História da Humanidade". Segundo ele, o leque de opções que a Biologia nos permite praticar é muito amplo em todos os sentidos, e cabe à Cultura nos definir limites menos amplos para a nossa atuação.
Por exemplo, a Biologia permite que homens pratiquem sexo uns com os outros, e que mulheres façam o mesmo umas com as outras; a Cultura proíbe essa prática (a totalidade das culturas monoteístas). Para tanto a Cultura alega que está proibindo aquilo que não considera natural. Ela está dando à atividade sexual uma conotação meramente reprodutiva, ou sendo mais condescendente, ela está dizendo que o prazer, embora existente, não pode se sobressair à função precípua da relação sexual: a reprodução.
Para a Biologia tudo aquilo que é possível é, por definição, natural. Uma atividade não natural não teria como existir, e consequentemente não precisaria ser proibida. Matar é uma atividade natural, tanto que as duas guerras mundiais mataram cerca de 60 milhões de pessoas, num ambiente bem permissivo quanto às proibições. Caberia então à Cultura colocar freios na atividade natural de matar para que carnificinas como essas não ocorressem.
Vamos convir que um homem matar outro homem, do ponto de vista social, é uma atitude muito mais grave que um homem fazer sexo com outro homem. Melhor dizendo, o homossexualismo é uma prática que não causa nenhum tipo de prejuízo a ninguém, inclusive àqueles que o praticam. De onde vem então a total repulsa encontrada na nossa Cultura, a ponto de os praticantes estarem sob constante risco, inclusive de vida?
A resposta está no fato de os nossos conceitos de "natural" e "não natural" não estarem ligados à Biologia, mas sim à Cultura, mais precisamente à Teologia Cristã. Para os cristãos o conceito de "natural" está ligado ao que "Aquele que criou a Natureza" disse através do seu "Livro Sagrado". Para os teólogos, Deus criou o homem de forma que cada membro e órgão do seu corpo tivesse uma função definida, e esse membro ou órgão não pode ser usado com outra finalidade que não aquela. Se isso for feito, estaremos praticando algo contrário à natureza.
Já a Teoria da Evolução pensa de forma diferente. Os órgãos e os membros evoluíram de acordo com as necessidades do homem e de todos os seres vivos. Se o polegar se distanciou dos outros dedos para proporcionar ao Homem o "efeito pinça", que lhe deu uma enorme vantagem competitiva, isso é um fenômeno perfeitamente natural do ponto de vista evolutivo. A boca surgiu para comer, para levar nutrientes para o corpo, consequentemente o ato de beijar, para a Teologia Cristã, poderia ser considerado, e é considerado sob alguns aspectos, uma atividade não natural. A mão ao praticar a masturbação faz uma atividade que precisa ser comunicada ao confessor para receber o perdão de Deus. E por aí vai.
O sexo evoluiu a partir da sua finalidade de procriação para rituais de galanteio, que não são mais que uma atitude pensada de se avaliar se duas pessoas possuem afinidades que levem à formação da parceria. Minha geração cresceu cumprindo uma série de formalidades que faziam com que a progressão do relacionamento fosse lenta e baseada no consentimento mútuo. Esse consentimento quase que em sua totalidade era restrito à relação entre pessoas de sexos diferentes. Hoje vemos que para muitos é mais fácil e rápido se chegar a um ambiente que proporciona essa aproximação e drogar a pessoa com quem se quer manter uma relação sexual.
A pessoa que pratica esse tipo se estupro em geral é a mesma que agride aquele que pratica o homossexualismo, e ela é menos cobrada pela homofobia que pelo estupro. Há uma razão para isso. Ao agredir o homossexual ela está cumprindo, na sua mente deturpada, a missão divina de punir aqueles que transformam o ato sexual numa atitude não natural. Já ao praticar o estupro ela está acobertada por uma pensamento milenar que diz que a agressão maior está sendo feita ao "dono" da vítima, normalmente o pai ou o marido ou o irmão.
A Bíblia é clara nesse sentido. Em Deutoronômio 22:28,29 ela diz:
28 - Se um homem se encontrar com uma moça sem compromisso de casamento e a violentar, e se eles forem descobertos,
29 - ele pagará ao pai da moça cinquenta peças de prata e terá que casar-se com a moça, pois a violentou. Jamais poderá divorciar-se dela.
Observa-se aqui uma brutal hierarquia de sexo do homem sobre a mulher; a pena se restringe a uma multa e a obrigação de se casar com a vítima, mesmo que isso não seja desejo dela. Qualquer vingança contra o agressor pode resultar em uma pena maior que a dele.
Já com relação ao homossexualismo a Bíblia é implacável. Comecemos pelo primeiro livro. Em Gênesis 9:20-26:
20 - Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar uma vinha.
21- Bebeu do vinho, embriagou-se e ficou nu dentro da sua tenda.
22 - Cam, pai de Canaã, viu a nudez do pai e foi contar aos seus irmãos que estavam do lado de fora.
23 - Mas Sem e Jafé pegaram a capa, levantaram-na sobre os ombros e, andando de costas para não verem a nudez do pai, cobriram-no.
24 - Quando Noé acordou do efeito do vinho e descobriu o que seu filho cacula havia feito,
25 - disse: "Maldito seja Canaã! Escravo de escravos será para os teus irmãos."
26 - Disse ainda: "Bendito seja o Senhor, o Deus de Sem! E seja Canaã seu escravo.
27 - Amplie Deus o território de Jafé; habite ele nas tendas de Sem, e seja Canaã seu escravo".
Vejam que Canaã era filho do filho de Noé que o viu nu, e foi ele quem teve que pagar por isso. A visão do pai nu foi motivo suficiente para essa pena.
Essa fábula poderia ter ficado por aqui, mas ela foi e é usada num sentido ainda mais sórdido. Segundo o mesmo Gênesis os três filhos de Noé e seus netos criaram tribos que de espalharam por diferentes partes conhecidas da Terra naquele início de vida humana, e coube a Cam e seus filhos migrar para o sul, mais precisamente para a África. Um dos locais povoados por sua tribo foi justamente Sodoma e Gomorra, cuja história é bem conhecida e deu origem ao nome "sodomia".
Pois bem; Cam foi para o sul, os africanos são negros. Isso foi motivo suficiente para racistas americanos atribuírem à cor negra a maldição de Noé. Esse mito persiste nos dias de hoje em todo o mundo, inclusive por aqui, senão vejamos:
Resumindo: O simples fato de um filho ter visto um pai nu (esperemos que foi só isso que ele fez) foi motivo suficiente para a demonização de um continente e de uma raça inteiros.
Concordo que ligar a maldição de Noé ao homossexualismo pode ser interpretado como um exagero, mas o simples fato de um filho não poder ver um pai nu, convenhamos, nos leva nessa direção. Vejamos no entanto outras passagens:
A Bíblia é clara nesse sentido. Em Deutoronômio 22:28,29 ela diz:
28 - Se um homem se encontrar com uma moça sem compromisso de casamento e a violentar, e se eles forem descobertos,
29 - ele pagará ao pai da moça cinquenta peças de prata e terá que casar-se com a moça, pois a violentou. Jamais poderá divorciar-se dela.
Observa-se aqui uma brutal hierarquia de sexo do homem sobre a mulher; a pena se restringe a uma multa e a obrigação de se casar com a vítima, mesmo que isso não seja desejo dela. Qualquer vingança contra o agressor pode resultar em uma pena maior que a dele.
Já com relação ao homossexualismo a Bíblia é implacável. Comecemos pelo primeiro livro. Em Gênesis 9:20-26:
20 - Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar uma vinha.
21- Bebeu do vinho, embriagou-se e ficou nu dentro da sua tenda.
22 - Cam, pai de Canaã, viu a nudez do pai e foi contar aos seus irmãos que estavam do lado de fora.
23 - Mas Sem e Jafé pegaram a capa, levantaram-na sobre os ombros e, andando de costas para não verem a nudez do pai, cobriram-no.
24 - Quando Noé acordou do efeito do vinho e descobriu o que seu filho cacula havia feito,
25 - disse: "Maldito seja Canaã! Escravo de escravos será para os teus irmãos."
26 - Disse ainda: "Bendito seja o Senhor, o Deus de Sem! E seja Canaã seu escravo.
27 - Amplie Deus o território de Jafé; habite ele nas tendas de Sem, e seja Canaã seu escravo".
Vejam que Canaã era filho do filho de Noé que o viu nu, e foi ele quem teve que pagar por isso. A visão do pai nu foi motivo suficiente para essa pena.
Essa fábula poderia ter ficado por aqui, mas ela foi e é usada num sentido ainda mais sórdido. Segundo o mesmo Gênesis os três filhos de Noé e seus netos criaram tribos que de espalharam por diferentes partes conhecidas da Terra naquele início de vida humana, e coube a Cam e seus filhos migrar para o sul, mais precisamente para a África. Um dos locais povoados por sua tribo foi justamente Sodoma e Gomorra, cuja história é bem conhecida e deu origem ao nome "sodomia".
Pois bem; Cam foi para o sul, os africanos são negros. Isso foi motivo suficiente para racistas americanos atribuírem à cor negra a maldição de Noé. Esse mito persiste nos dias de hoje em todo o mundo, inclusive por aqui, senão vejamos:
Concordo que ligar a maldição de Noé ao homossexualismo pode ser interpretado como um exagero, mas o simples fato de um filho não poder ver um pai nu, convenhamos, nos leva nessa direção. Vejamos no entanto outras passagens:
- Gênesis 2:24 - "Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tronarão uma só carne" - aqui fica clara a exclusividade da relação hétero.
- Gênesis 19:5-7 - "Chamaram Ló e lhe disseram: "Onde estão os homens que vieram à sua casa esta noite? Traga-os para nós aqui fora para que tenhamos relações com eles". Ló saiu da casa, fechou a porta atrás de si e lhes disse: "Não, meus amigos! Não façam essa perversidade!".
- Juízes 19:22-23 - "Quando estavam entretidos, alguns vadios da cidade cercaram a casa. Esmurrando a porta, gritaram para o homem idoso, dono da casa: "Traga para fora o homem que entrou em sua casa para que tenhamos relações com ele!" O dono da casa saiu e lhes disse: "Não sejam tão perversos, meus amigos. Já que esse homem é meu hóspede, não cometam essa loucura."
- Levítico 18:22 - "Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante".
- 1 Coríntios 6:18 - "Fujam da imoralidade sexual. Todos os outros pecados que alguém comete, fora do corpo os comete; mas quem peca sexualmente, peca contra o seu próprio corpo" .
Vou me abster de comentar com a mesma ênfase como se comporta o Corão a respeito do homossexualismo, até porque as histórias são as mesmas. As execuções do Exército Islamita de homens acusados de homossexualismo estão baseadas na punição dada por Alá (Deus em árabe é Alá, por lá o Deus cristão também é chamado de Alá) aos habitantes de Sodoma. Essa história está no Corão de forma idêntica à da Bíblia, e a diferença entre as interpretações dessas duas religiões monoteístas pode ser atribuída à diferença de idade delas. Como o Iluminismo não "iluminou" o Islã, podemos dizer que por lá a Cultura ainda se encontra na Idade Média. Com isso em mente o Irã pode se arvorar em dizer que por lá não existe homossexualismo.
Execuções públicas de homossexuais no Irã
A grande prova de onde nos situamos nesse assunto é dada no instante em que a "água bate na bunda", com o perdão da expressão. É naquele instante em que uma pessoa chegada a você lhe convida para almoçar, pois tem uma coisa muito importante para lhe dizer. No decorrer do almoço lhe comunica ser homossexual, e você percebe que a forma como você vai reagir a isso vai ser de grande importância para ela. Nesse momento todas aquelas piadinhas que você patrocinou estão na cabeça dela, ansioso para que você lhe diga que aquilo era coisa da menor importância, que o realmente importante é que sua escolha de gênero não muda em nada a afeição que você tem por ela.
Para tanto recomendo, se ainda lhes sobrar tempo, assistir ao excelente filme estrelado por Sigourney Weaver abaixo:
Orações para Bobby
caso o tempo esteja curto, veja apenas o desfecho:
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