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Sobre os Nossos Políticos

Uma coisa que sempre me chamou a atenção foi o fato de que os nossos Políticos "de rua" em geral não têm expressão no cenário nacional. É claro que existem exceções, sendo maior delas o Lula que, a parte os seus problemas de caráter, é inegavelmente dono de um carisma sem par, que leva as ruas a votar nele em massa. 

Vejamos no entanto um exemplo de político que não é de rua e tem grande influência atualmente: Michel Temer. A melhor definição de Temer foi dada por Delfim Neto no Centro Ruth Cardoso em maio de 2016, antes dele assumir a Presidência: 

"Temer é capaz de fazer tricô com quatro agulhas

Políticos como Temer, Sarney, Tancredo e Ulysses sabem que é preciso constituir uma maioria política para sustentar qualquer programa. 

O Temer é treinado e sabe que só o político pode salvar o economista. Assim, poderá fazer alguns ajustes durante dois anos para convencer a sociedade de que o equilíbrio voltará em 3 ou 4 anos. Se aproveitar essa chance e conseguir fazer isso, poderá se transformar num estadista. Se não for possível, ele terá de dizer que não é possível, ou que administrar talvez seja possível, mas inútil, como disse Mussolini na Itália.

O trabalhador não consome porque tem medo de perder o emprego. O empresário não investe porque o trabalhador não vai consumir. E o banqueiro, quando vê o consumidor assalariado e o empresário sem gastar, vai buscar dinheiro dos dois para salvar sua liquidez. Os três estão líquidos e vão morrer afundados na liquidez.

É por isso que eu acredito que o Temer poderá ajudar, porque ele entendeu um fato importante: não há nenhuma dificuldade de diagnóstico. Não se trata de um problema econômico, e sim de um problema político que requer um político treinado como o Temer. Se não expandirmos o investimento e as exportações, não vai voltar o crescimento. E no momento em que tivermos 1% de crescimento, tudo mudará de cara, e o equilíbrio fiscal virá por gravidade". 

Palavras de Delfim. Como eu considero o Delfim um cara esperto, fico a pensar por que ele falhou na sua profecia. Cheguei a algumas conclusões.

A principal foi aquela constatação de Temer não é "de rua". Depois de 8 anos de populismo explícito e mais 5 de uma pau mandado do populista, um político "de salão" (seria indelicado chamar Temer um político "de curral", essa pecha não cabe em São Paulo) não teria a menor chance de mudar a forma de pensar dos brasileiros, anestesiados pelas benesses distribuídas paras os pobres e as facilidades outorgadas aos muito ricos, com a classe média assistindo a essa estratégia sem ter a quem recorrer. 

É bom lembrar que a maioria de nós humanos temos uma parte sonhadora que se sobrepõe à parte pragmática. Nossos conceitos em geral não contam com as leis da física para modelar o que acontece com um sistema tão complexo como a gestão de uma nação de 200 milhões de habitantes. Por exemplo, se um governo é deposto por incompetência, inépcia ou corrupção, no dia seguinte à mudança as coisas já deveriam começar a melhorar. Inércia para nós tem pouco a ver com a Primeira Lei de Newton, que diz que inércia é a capacidade de um corpo resistir à mudança de movimento. 

Um avião em queda livre precisa de alguns quilômetros adicionais de queda para voltar a subir. Exigir desse avião uma subida instantânea após a troca de comando é inviável; o resultado disso seria a destruição do avião. O Brasil é um enorme avião e em princípio a decisão de focar na Economia foi perfeita, mas ela precisa de tempo, e tempo é uma coisa que o brasileiro não está disposto a conceder a quem ele mal conhece, que não é "de rua".

Tirei a expressão "de rua" da coluna da Dora Kramer na Veja de 09 de maio. Segundo ela Temer, "tido como bamba na arte da política de bastidores, não entende nada de rua. Nunca foi a especialidade dele, conforme demonstrado por suas votações para deputado. Temer erra até quando acerta" nesse quesito. A sua presença do Largo do Paissandú em solidariedade aos desabrigados pela tragédia só poderia ser suplantada se ele resolvesse visitar os acampados de Curitiba. 

Temer em 2006, último ano em que concorreu a deputado, recebeu 99,046 votos, o que correspondeu a 0,48% do total. Foi o 54° mais votado. Paulo Maluf, o mais votado, recebeu 739.827 votos, 3,56% do total. Pela ordem tivemos em seguida Celso Russomano, Clodovil, Eneas, Emanuel (?), Paulinho da Força, Edson Aparecido (?), Carlos Sampaio, Marcio França e Thame (?), que juntos perfizeram 17,91% dos votos. Temer foi o último candidato do PMDB a ser eleito. Paulo Lima, 57°, não conseguiu se eleger com 92.854 votos. 

O que faz um político como esse galgar posições importantes na Babel política chamada Brasília? É bom notar que a reputação de Washington D.C. junto ao eleitorado americano não fica muito a dever à nossa Brasília. O ódio pela politicagem de Washington elegeu Trump. Aí entra outro conceito da física que se aplicado à política explicaria muito bem o que ocorre quando juntamos nossos representantes em Brasília ou Washington.

Trata-se do conceito de Grandeza Física. As grandezas físicas são classificadas em duas categorias: escalares e vetoriais. Grandezas escalaras são expressas por meio de um número (peso, tamanho), e grandezas vetoriais juntam a esse número uma orientação (direção ou sentido). Uma bola parada é uma grandeza escalar, e uma bola em movimento é uma grandeza vetorial, já que tem uma direção. Trazendo esse conceito para Brasília,  representantes não são grandezas escalares, já que suas atividades possuem, ou deveriam possuir, uma orientação explícita: o bem estar dos representados. 

Acontece que, ao se juntarem em Brasília, os nossos representados adquirem outras preocupações, e a elas eles deram o falso nome de "política". Trata-se da política pequena que eles têm que praticar até para que seus projetos tenham o suporte de seus pares. A intensidade com que eles praticam essa política acaba por distanciá-los dos seus representados. A orientação muda, os vetores se voltam na direção horizontal, e eles acabam por não levar em conta aqueles que estão abaixo, nós os eleitores que os colocamos lá em cima. 

Na minha atividade de voluntário da Fundação Lemann tive a oportunidade de revisar a história do Egito Antigo. Aprendi que essa sociedade se iniciou a partir de vilas isoladas ao longo do rio Nilo, que acabaram por se aglutinar em duas regiões, o  Alto Egito e o Baixo Egito na foz. O primeiro faraó, Narmer, reuniu essas duas regiões e a civilização se desenvolveu por 3 milênios. 

Muito bem, enquanto no período arcaico, aqueles com meios suficientes eram enterrados em estruturas que levavam o nome de mastabas:



A arquitetura mudou junto com a expansão do império, até porque os faraós fizeram intenso uso da religião para se firmar como líderes, a ponto de se consagrarem eles mesmos como deuses. Uma mastaba não era imponente o bastante para transmitir a ideia de que um Deus estava enterrado ali. Surgiram assim as pirâmides:


É nítida a percepção de que, na medida em que o império crescia, crescia também a altura dos monumentos que homenageavam seus governantes. A mesma coisa acontece em Brasília, onde evidentemente não temos pirâmides, mas a distância entre a classe dominante, representada pela parte da pirâmide central da figura acima, aquela parte que não perdeu o acabamento com o tempo, e a sua base, que nos representa, se tornou enorme. 

Entre o topo da pirâmide política brasileira a a base existe uma infinidade de níveis, que são compostos por aqueles cujo voto tem o mesmo valor do nosso, mas os nossos políticos não pensam assim. Além da força do seu voto o brasileiro tem que possuir as ferramentas que ajudem os nossos políticos a permanecerem onde estão por outros meios. O vetor dos políticos toma uma orientação que não é aquela que constava nos seus comícios eleitorais. Mas aí surge a pergunta: não seria assim em todas as democracias?

É verdade, é assim em todas elas, mas tudo depende do povo que os elegeu: o brasileiro cordial, na definição precisa de Sérgio Buarque de Holanda. Surge então um paradoxo: a pirâmide ou a mastaba para se manter intacta, para durar milênios, deve ser feita de um material que a suporte, e esse material é o seu povo. Todas as benesses que criticamos, que os políticos aprovaram para si, não são mais que aquela atitude cordial que é a marca registrada do nosso povo, aquela visão míope que enxerga a sociedade na qual vive em um entorno pequeno, composto por aqueles poucos que conhece e com os quais troca favores. 

Essa pirâmide que virou uma Babel é o ambiente ideal para o surgimento do Populista. É claro que o Populista existe em todo lugar; está se tornando figurinha fácil tanto na América do Norte como na Europa, onde estão as grandes democracias, mas aqui a tarefa do Populista é muito mais fácil, e o cimento da nossa pirâmide é fraco o suficiente para que ele surja com maior frequência. Ser Populista de qualquer ideologia é condição necessária para se vencer uma eleição, haja visto o perfil dos principais candidatos que temos agora. 

Na minha concepção física a nossa pirâmide política tem que levar em conta a qualidade do material de que é feita. A medida necessária para tanto seria diminuir a sua altura, o que corresponde a tornar a sua classe política menor. Suas atribuições teriam que ser transferidas para a sociedade em todas aquelas atividades produtivas. Mas vá convencer os eleitores de que esse é o caminho num ambiente onde grassa aquela mentalidade onde falar em privatizar a Petrobras é uma maldição.

A Argentina há pouco tempo ensaiou um movimento no sentido de mudar esse estado de coisas, elegendo um Presidente avesso ao clientelismo. Não deu certo por um motivo bem simples, que se repete aqui: não houve suporte por parte do Legislativo. O MDB de lá não deixou que as coisas acontecessem a contento. Como disse acima o Delfim, ele não teve a habilidade para formar uma maioria no Congresso. 

Voltando à Dora Kramer na coluna desta semana, o MDB, na figura de Temer, acaba de lançar um candidato próprio que seria o nosso Mauricio Macri. Feito isso ele vai sentar numa sombra e ficar "comendo umas goiabas" pra ver o resultado disso. Essa estratégia é antiga e tem até um nome, cristianização, e se refere à candidatura de Cristiano Machado pelo PSD, o qual foi abandonado pelo partido que preferiu prestigiar Getúlio Vargas. 

Enquanto tivermos MDBs não vamos sair dessa. Há 24 anos esse partido funciona como uma enorme bússola que o presidente eleito tem que carregar nas costas se pretende fazer alguma coisa. Acho que só um Estadista seria capaz de nos tirar desse buraco, mas esse produto anda meio escasso tanto aqui como lá fora. 

Voltando ao conceito de Grandeza Física, tive um professor que me ensinou que a burrice é uma grandeza escalar: dois burros sempre serão duplamente burros se juntados. Já a inteligência é vetorial: se juntarmos dois inteligentes o resultado pode ser nulo se seus vetores forem opostos.

Deu pra entender agora?

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