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Meu Idoso Favorito


A foto abaixo é de um pracinha da FEB, tirada em 1.945. Nela está escrita uma dedicatória:

À minha querida Mãe
Ofereço este meu retrato tirado em um logar da Itália
Francisco
13 de fevereiro de 1945


O "logar" não podia ser revelado na carta. É desse personagem que vamos falar nesse Post, mas antes vamos ver como cheguei a ele.

"Se quer vencer na vida, consulte três velhos" 
"Tenha sempre um velho em sua vida. Se não tiver, pegue um na rua"

Os provérbios orientais dão um boa ideia do por que as sociedades de lá estão fadadas a dominar o planeta, a não ser que um maluco ocidental qualquer resolva preferir acabar com ele. 

Digo isso porque na medida em que minha chama começou a bruxulear eu me senti quase que empurrado na direção dos mais idosos do que eu. Poucos anos atrás concretizei essa aproximação pelas mãos de um amigo que me convidou para participar de uma banda que toca em asilos.

O nome da banda é bem significativo: VA-IDOSOS. Seu efetivo varia, mas o mais constante é uma guitarra, um contrabaixo, uma violão, uma bateria, um saxofone (às vezes dois), um pandeiro e um cantor, no caso eu. Ensaiamos todas as terças feiras para nos apresentar na quarta. Na primeira quarta do mês o destino é o Lar dos Velhinhos:


Na segunda quarta feira vamos à Casa da Sabedoria:



Prestem atenção ao senhor de costas vestindo blusa azul. É dele que vamos falar.

Na terceira quarta feira é a vez do Doces Lembranças:

https://www.facebook.com/hospedagemdoceslembrancas/


A quarta quarta feira do mês é dedicada a um lugar diferente. Trata-se de um centro de convivência, não de um asilo. É o Centro Reviver. onde idosos do Distrito passam a tarde em atividades que variam de ginástica a música, passando por palestras. 


A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas a sorrir, pessoas em palco e interiores

Ao todo já conheci oito lugares que de uma forma ou outra recebem idosos, mas também somos requisitados para nos apresentar em eventos onde a renda é dedicada a entidades beneficentes. Um exemplo é o Bom Pastor, entidade que abriga pacientes e familiares sem recursos para tratamento oncológico: Dia 25/04 vamos tocar no aniversário de uma senhora que cobrará ingressos e cuja renda será dedicada ao Bom Pastor. 

E a vida segue com minha esposa Climene se envolvendo nessa atividade, indo toda semana à Casa da Sabedoria tocar teclado e conversar com eles e elas. É claro que seria hipócrita negar que temos nossas preferências entre eles, e no meu caso elas recaem na figura do pracinha mostrado acima. 

Eu já conhecia o Seu Francisco de Assis Rodarte das minhas idas à Frutaria que frequento perto de casa. Com seu Fusca antigo ele é figura conhecida em todo o bairro. Então pra mim foi surpresa encontrá-lo na Casa da Sabedoria. Acontece que ele morava na mesma quadra e resolveu se mudar para ter um atendimento adequado. Afinal ele tem 96 anos e necessita de cuidados. 

As histórias que ele tem pra contar são muitas e interessantes. Por exemplo, estive fim do ano passado em Além Paraíba, MG, e descobri em uma praça um monumento em homenagem aos pracinhas da cidade:



Foram 33, dos quais morreram em batalha acho que 5. Fotografei a placa e minha esposa a mostrou ao Seu Francisco ao voltar a Campinas. Ele ficou revoltado, porque ele era o presidente da Associação dos Expedicionários Campineiros em 1998, quando foi publicado o livro:


onde consta o nome de 328 pracinhas campineiros. Sua revolta vinha do fato de Alem Paraíba ter enviado 1/10 dos pracinhas de Campinas e os ter homenageado, enquanto sua cidade nada tinha feito.

Os personagens que encontro nesses "logares" são incríveis. Tem uma senhora "pole dancer", um senhor que propôs casamento à mãe da dona do asilo na esperança de lá ficar de graça, uma que pede que eu tenha sempre um tango pronto, outra que sempre me pede "I can't stop loving You" porque foi a primeira música que dançou com o seu namorado, uma que sofre de osteoporose e não pode dançar mas dança assim mesmo (exceto quando a chefe está presente), as cuidadoras que sempre pedem um samba ou um sertanejo, e por aí vai. O Lar dos Velhinhos tem uma característica interessante: tem o maior número de dançarinos mas os homens sentam de um lado do salão e as mulheres do outro. 

Lar dos Velhinhos. Homem à esquerda, mulher à direita. A Dama de verde sentada é uma ex bailarina.

Mas voltemos ao meu personagem, o Sr. Francisco. Ele nasceu em Formiga - MG em 04 de outubro de 1922. Foi convocado e se apresentou em São João del Rey, onde ficou cerca de 4 meses, de onde seguiu para o Rio de Janeiro e de lá para a Itália, desembarcando em Nápoles em outubro de 1944. de lá seguindo para Livorno em uma embarcação menor. 

Livorno fica nas proximidades de Piza e Nápoles fica bem ao sul da "bota". Ou seja a guerra já estava quase no fim. Seu Francisco visitou a famosa torre, que havia sido poupada pela destruição em volta, e seguiu para a zona de combate, acampando em Porreta Terme, ao norte de Pistoia, entre Piza e Bolonha, onde ficou por 4 meses até a tomada de Monte Castelo em 21 de fevereiro de 1945.

Após e término da guerra seu regimento foi deslocado para Alessandria, ao norte de Gênova, onde ele se envolveu em um acidente entre seu jipe e um caminhão, em que morreu um companheiro seu e ele e outro soldado ficaram feridos. Foi hospitalizado em Gênova, seguindo para Milão e depois para Nápoles, onde ficou internado por 45 dias, seguindo de avião de volta para o Brasil. 

Segundo ele o benefício que recebeu por essa aventura foi aposentadoria integral aos 25 anos de trabalho, mas reclama que a pensão militar só passou a ser paga em 1982. 

Tirei essas informações de uma autobiografia que ele me deu de presente. São muitas histórias, mas a que mais me impressionou foi um episódio vivido por ele em Barbacena, MG:

"Certa vez estava em Barbacena tomando café e mencionei durante a conversa que era Expedicionário, e um dos presentes à mesa disse que teve um cunhado que foi à Itália na guerra como motorista de jeep. A colocação me chamou a atenção e contei sobre o acidente que tive voltando de Gênova com mais três militares como eu. Ao citar o nome do motorista, Clower, a pessoa me contou ser o seu cunhado. Disse ainda que a família nunca soube dos detalhes do acidente, e me agradeceu dizendo "muito obrigado Cabo Rodarte"". 

Outra parte de sua história que me impressionou foi parte de uma palestra que ele fez em 1998:

"Gostaria de citar o exemplo de um soldado brasileiro que talvez falasse melhor o alemão que o português. Filho de alemães, foi conosco para a Itália lutar. Apresentou-se como voluntário, era viúvo e pai de duas meninas. Seu nome: Max Wolf Filho.
Lutou como o melhor de todos os soldados, sempre à frente e como voluntário se oferecia para patrulhas. Ele não defendeu somente a nossa Pátria, mas sobretudo foi em busca da liberdade e da democracia.
Sua vida terminou numa casamata alemã"



Max Wolf Filho

Toda vez que posso canto pra ele a música que parece ter sido feita sob medida pra esse personagem: 


Na última vez que cantei essa música ele a achou linda e disse que não a conhecia. Mas tem uma que ele aprendeu na Itália e sabe de cor, e sempre canta. Ainda vou descobrir o motivo pelo qual ele gosta tanto dessa música:


Quando alegre partiste, tu me deste uma rosa, que hoje pálida e triste, lembra o meu padecer!

Eu banhei-a de pranto, pra lhe dar nova vida, mas só tu tens o encanto, que a fará reviver!


Escreve-me, porque assim me condenas, uma linda frase apenas, levaria a minha dor! 
Se o adeus da partida, não valeu por toda a vida, escreve-me, não me mates de amor!

Eu chorando, esperando, tu és feita de gelo, vão os dias passando, sem o amor que eu perdi,
Eu chorando e pensando, que outro beija-te agora, é quem te ama e te adora, soluçando por ti!

Escreve-me,...

Tudo bem, meu querido, meu velho, meu amigo. Sua memória continua intacta para as coisas que valem e fizeram a sua existência tão bela e intensa. 


FRANCISCO DE ASSIS RODARTE
04/10/1922

Comentários

  1. Meu prezado amigo: fiquei impactado com seu belo e carinhoso texto. Que trabalho admirável junto a esses idosos cheios de vida! O "cabo" Rodarte provavelmente conheceu meu pai, Sinval Pinheiro, ainda Tenente e que também esteve na Itália integrando um regimento de infantaria sediado em São João del Rei.Meu pai também ficou hispitalizado após a queda de um jeep em uma ribanceira. Certamente era um perigo só andar de jeep naquelas estradas rurais cobertas neve. Avise-me assim que houver uma vaquinha para se contruir uma estátua em homenagem aos pracinhas de Campinas. Roberto Gadelha

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  2. Vou perguntar a ele se conheceu o seu pai. Quanto à estátua acho que está um pouco tarde. Vamos ver.

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  3. Olá meu caro Fontenelle, boa noite.É adimiravel vc e tua Crimene com suas ações de carinho e solidariedade para com os ser humano e principalmente com as pessoas tão frágeis,carentes como os idosos.Entendo que somente o ser humano de boa índole e de alma nobre, consiga praticar estas bondades, sem qualquer interesse.Penso que o Criador ou Criadores estão assistindo a tudo isto...e quem sabe a consequência deste amor ao semelhante, será de muita felicidade....

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  4. No dia 28/09/2020, Sr. Francisco de Assis Rodarte nós deixou. Dá minha parte só tenho a agradecer os breves momentos que pude ouvir suas histórias da FEB em seus meses na Itália, nós trouxe muitas informações a respeito da vida dos pracinhas naqueles meses de batalha. Lembro-me da carta que ele tinha achado com um pracinha morto em batalha, estava no bolso dele, então ele recolhe ela e guarda como lembrança daquele jovem soldado Brasileiro. Muito obrigado Sr Francisco Rodarte. Agora o senhor foi descansar eternamente. A cobra vai sempre fumar!!!

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