David Brooks, do New York Times, é um jornalista que eu procuro acompanhar na medida do possível, e vez por outra ele aparece transcrito e bem traduzido no Estadão. No domingo, 15 de Dezembro passado, foi publicado o artigo "A Política da Exaustão", que trouxe um diagnóstico preciso do ambiente que permeia as políticas americana e inglesa, mas que, guardadas as devidas proporções, também se aplica por aqui, já que acabamos de promover uma réplica dos dirigentes de lá.
Segundo Brooks a política de lá pode ser delineada mediante a existência de dois blocos de poder. O primeiro bloco é o Proletariado, formado pelos eleitores da classe operária que votou em Donald Trump nos Estados Unidos e a favor do Brexit no Reino Unido. Para eles o seu mundo está correndo um enorme perigo e isso requer um sujeito duro o suficiente, que lhes devolva o seu mundo.
O segundo bloco ele chamou de Precariado, que é composto de eleitores jovens, com formação superior, que se vêem presos na "armadilha da economia liberal", que só oferece trabalhos temporários que não têm nenhuma segurança. Seus líderes são Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, que vêm com promessas de políticas inclusivas, tais como ensino superior gratuito, internet grátis, creches, etc.
Dada o forma como a nossa sociedade é segmentada, essa divisão também existe aqui, mas o nosso tabuleiro é diferente e as peças não são colocadas nos blocos da mesma forma. O Proletariado de lá é extremamente conservador, enquanto o daqui é o resultado de décadas de doutrinação da ideologia socialista, que grassa em toda a nossa "América Católica", resultado de séculos de uma condução da política por uma elite que foi muito bem definida como "cordial", por não enxergar nada além do que sua vista pode alcançar.
Quem se vê em perigo aqui não é o Proletariado. Esse na verdade sempre esteve no bico do corvo. O perigo aqui é vislumbrado pela elite, a mesma elite que promove a gratuidade do ensino público superior, ao mesmo tempo em que torna impossível o seu acesso por parte do Proletariado, lhe oferecendo um ensino público básico precário. Ela paga a escola pública privada e tem acesso ao ensino superior público gratuito. Ou seja, aqui a divisão não é a mesma, mas ela existe. Com boa vontade a gente a identifica muito bem.
Assim sendo, vamos mudar os denominações desses blocos por aqui. Vamos chamá-los de Bloco D e Bloco E. Essa divisão é obviamente dinâmica e atualmente fortemente influenciada pelos três mandatos e meio de um governo de esquerda que quase inviabilizou o nosso futuro como nação. Enquanto por lá o Proletariado ataca seu inimigo a partir de uma aparente posição de inferioridade social, por aqui, o Bloco D se considera superior socialmente. Mas os ataques são igualmente rancorosos e brutais. Já o Precariado de lá se julga superior, enquanto o Bloco E daqui é evidentemente inferior socialmente, mas em ambos os casos os ataques trazem consigo um desdém que sempre acaba rotulando o Bloco D como Fascista, Liberal, e outros adjetivos para eles depreciativos.
Quem pensa que esses dois Blocos nacionalizados não possuem nada em comum se engana. Ambos são movidos por um medo imenso do futuro, e adotam posições de um ativismo de catástrofe como forma de prevalecer um sobre o outro. Brooks chama isso de "ópio da classe ativista".
Essa coincidência, alimentada pela insegurança econômica e pela evolução tecnológica, traz em comum uma tolerância a qualquer pecado que seu líder venha a cometer, fundamentalismo de um lado, desonestidade de outro, desde que esse líder se disponha a dar sequência à luta que eles estão reivindicando. Para esses Blocos a política não passa de uma forma confusa de se revolverem as diferenças que temos com pessoas com as quais não concordamos. Nas suas mentes a política é hipócrita, a mídia está sempre do outro lado, e isso torna as suas agendas radicais, suas propostas políticas irrealísticas.
Tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido não há muito a fazer a favor da manutenção desses dois contingentes. Suas ideologias estão consolidadas. Mas existe um problema: por lá os percentuais desses grupos ainda estão longe de ser a maioria. Cresceu um terceiro grupo, que constitui cerca de 75% do eleitorado, que está cansado, sem uma ideologia chegada ao radicalismo, refratário à guerra sem fim entre os dois exércitos extremistas.
São os chamados Exaustos, uma força independente da política do século XXI. A tendência desse grupo é votar no candidato, qualquer um, que os canse menos. O que levou à formação dessa linha de pensamento foi uma mistura de frustração com medo. Os Exaustos gostariam que a política retornasse ao seu lugar, onde houvesse entendimento entre as partes no sentido de um bem maior, algo totalmente diferente dessa guera travada no Twitter e intensificada nas campanhas eleitorais.
Não acredito que o contingente dos Exaustos por aqui tenha crescido a ponto de chegar a 75% do eleitorado, Isso acontece principalmente porque a timidez é a característica daqueles que se encontram entre dois grupos que, embora minoritários, possuem suas lideranças, as quais sistematicamente rotulam os Exaustos como simpatizantes do inimigo.
Essas lideranças intimidam a maioria exausta a ponto dela não achar palavras para dizer o que pensa, até porque lhe falta uma liderança equilibrada, já que o equilíbrio não é nos dias de hoje considerado uma qualidade, mas sim um enorme defeito.
A intimidação aos moderados é o recurso usado pelos dois Blocos, o que leva os Exaustos a escolher aquele que o intimidar menos. É esse um fato que deve levar o nosso Bloco D atual a repensar sua estratégia. Hostilizar quem pede reparos na condução da Educação, da Cultura, quem enxerga uma forte tendência a transformar nosso País num Taliban evangélico, pode muito bem levar os Exaustos a considerar se vale a pena continuar votando num Bloco ao qual ele não pertence mas que no fundo o incomoda mais que aquele que o rouba.
Como já coloquei em mensagens que troco com amigos, vai caber aos Exaustos escolher entre aquele que rouba o seu bolso e o que rouba a sua alma.
Para terminar, vamos apresentar uma cena fantástica já comentada na Veja por Roberto Pompeu de Toledo, que é comovente pelo simples fato de, nos dias de hoje, ser inusitada. Como diria o Bloco D, isso a mídia não divulga (mas divulgou timidamente na última página da Veja). Segundo Toledo "falou-se em abundância do desconcertante Chile, da incurável Argentina, da dilacerada Bolívia, do indomável Equador, da reincidente Colômbia, da trágica Venezuela, e quase nada do Uruguai".
Sabe-se que no Uruguai a eleição foi vencida pelo representante do Bloco D por pouco mais de 1% dos votos; Lacalle Pou triunfou sobre Daniel Martinez do Bloco E, o indicado pelo atual presidente Tabaré Vasquez. Martinez julgou desnecessário contestar o resultado e reconheceu a vitória do adversário antes mesmo do fim da contagem, o contrario do que aconteceu por aqui em 2.014 e na Bolívia em 2.019. Essa foi uma atitude patriótica que visou evitar uma situação de conflito prejudicial à nação Uruguaia.
Na posse de Alberto Fernandez como presidente da Argentina o Uruguai se fez representar por dois presidentes: o presidente em exercício Tabaré Vasquez e o eleito Lacalle Pou. Os dois viajaram juntos no jato presidencial e, como Tabaré se encontra em tratamento de um câncer de pulmão, na fila de cumprimentos a Fernandez se amparou no braço de Lacalle, "para espanto das hostes de ódio mundo afora".
Segundo Brooks a política de lá pode ser delineada mediante a existência de dois blocos de poder. O primeiro bloco é o Proletariado, formado pelos eleitores da classe operária que votou em Donald Trump nos Estados Unidos e a favor do Brexit no Reino Unido. Para eles o seu mundo está correndo um enorme perigo e isso requer um sujeito duro o suficiente, que lhes devolva o seu mundo.
O segundo bloco ele chamou de Precariado, que é composto de eleitores jovens, com formação superior, que se vêem presos na "armadilha da economia liberal", que só oferece trabalhos temporários que não têm nenhuma segurança. Seus líderes são Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, que vêm com promessas de políticas inclusivas, tais como ensino superior gratuito, internet grátis, creches, etc.
Dada o forma como a nossa sociedade é segmentada, essa divisão também existe aqui, mas o nosso tabuleiro é diferente e as peças não são colocadas nos blocos da mesma forma. O Proletariado de lá é extremamente conservador, enquanto o daqui é o resultado de décadas de doutrinação da ideologia socialista, que grassa em toda a nossa "América Católica", resultado de séculos de uma condução da política por uma elite que foi muito bem definida como "cordial", por não enxergar nada além do que sua vista pode alcançar.
Quem se vê em perigo aqui não é o Proletariado. Esse na verdade sempre esteve no bico do corvo. O perigo aqui é vislumbrado pela elite, a mesma elite que promove a gratuidade do ensino público superior, ao mesmo tempo em que torna impossível o seu acesso por parte do Proletariado, lhe oferecendo um ensino público básico precário. Ela paga a escola pública privada e tem acesso ao ensino superior público gratuito. Ou seja, aqui a divisão não é a mesma, mas ela existe. Com boa vontade a gente a identifica muito bem.
Assim sendo, vamos mudar os denominações desses blocos por aqui. Vamos chamá-los de Bloco D e Bloco E. Essa divisão é obviamente dinâmica e atualmente fortemente influenciada pelos três mandatos e meio de um governo de esquerda que quase inviabilizou o nosso futuro como nação. Enquanto por lá o Proletariado ataca seu inimigo a partir de uma aparente posição de inferioridade social, por aqui, o Bloco D se considera superior socialmente. Mas os ataques são igualmente rancorosos e brutais. Já o Precariado de lá se julga superior, enquanto o Bloco E daqui é evidentemente inferior socialmente, mas em ambos os casos os ataques trazem consigo um desdém que sempre acaba rotulando o Bloco D como Fascista, Liberal, e outros adjetivos para eles depreciativos.
Quem pensa que esses dois Blocos nacionalizados não possuem nada em comum se engana. Ambos são movidos por um medo imenso do futuro, e adotam posições de um ativismo de catástrofe como forma de prevalecer um sobre o outro. Brooks chama isso de "ópio da classe ativista".
Essa coincidência, alimentada pela insegurança econômica e pela evolução tecnológica, traz em comum uma tolerância a qualquer pecado que seu líder venha a cometer, fundamentalismo de um lado, desonestidade de outro, desde que esse líder se disponha a dar sequência à luta que eles estão reivindicando. Para esses Blocos a política não passa de uma forma confusa de se revolverem as diferenças que temos com pessoas com as quais não concordamos. Nas suas mentes a política é hipócrita, a mídia está sempre do outro lado, e isso torna as suas agendas radicais, suas propostas políticas irrealísticas.
Tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido não há muito a fazer a favor da manutenção desses dois contingentes. Suas ideologias estão consolidadas. Mas existe um problema: por lá os percentuais desses grupos ainda estão longe de ser a maioria. Cresceu um terceiro grupo, que constitui cerca de 75% do eleitorado, que está cansado, sem uma ideologia chegada ao radicalismo, refratário à guerra sem fim entre os dois exércitos extremistas.
São os chamados Exaustos, uma força independente da política do século XXI. A tendência desse grupo é votar no candidato, qualquer um, que os canse menos. O que levou à formação dessa linha de pensamento foi uma mistura de frustração com medo. Os Exaustos gostariam que a política retornasse ao seu lugar, onde houvesse entendimento entre as partes no sentido de um bem maior, algo totalmente diferente dessa guera travada no Twitter e intensificada nas campanhas eleitorais.
Não acredito que o contingente dos Exaustos por aqui tenha crescido a ponto de chegar a 75% do eleitorado, Isso acontece principalmente porque a timidez é a característica daqueles que se encontram entre dois grupos que, embora minoritários, possuem suas lideranças, as quais sistematicamente rotulam os Exaustos como simpatizantes do inimigo.
Essas lideranças intimidam a maioria exausta a ponto dela não achar palavras para dizer o que pensa, até porque lhe falta uma liderança equilibrada, já que o equilíbrio não é nos dias de hoje considerado uma qualidade, mas sim um enorme defeito.
A intimidação aos moderados é o recurso usado pelos dois Blocos, o que leva os Exaustos a escolher aquele que o intimidar menos. É esse um fato que deve levar o nosso Bloco D atual a repensar sua estratégia. Hostilizar quem pede reparos na condução da Educação, da Cultura, quem enxerga uma forte tendência a transformar nosso País num Taliban evangélico, pode muito bem levar os Exaustos a considerar se vale a pena continuar votando num Bloco ao qual ele não pertence mas que no fundo o incomoda mais que aquele que o rouba.
Como já coloquei em mensagens que troco com amigos, vai caber aos Exaustos escolher entre aquele que rouba o seu bolso e o que rouba a sua alma.
Para terminar, vamos apresentar uma cena fantástica já comentada na Veja por Roberto Pompeu de Toledo, que é comovente pelo simples fato de, nos dias de hoje, ser inusitada. Como diria o Bloco D, isso a mídia não divulga (mas divulgou timidamente na última página da Veja). Segundo Toledo "falou-se em abundância do desconcertante Chile, da incurável Argentina, da dilacerada Bolívia, do indomável Equador, da reincidente Colômbia, da trágica Venezuela, e quase nada do Uruguai".
Sabe-se que no Uruguai a eleição foi vencida pelo representante do Bloco D por pouco mais de 1% dos votos; Lacalle Pou triunfou sobre Daniel Martinez do Bloco E, o indicado pelo atual presidente Tabaré Vasquez. Martinez julgou desnecessário contestar o resultado e reconheceu a vitória do adversário antes mesmo do fim da contagem, o contrario do que aconteceu por aqui em 2.014 e na Bolívia em 2.019. Essa foi uma atitude patriótica que visou evitar uma situação de conflito prejudicial à nação Uruguaia.
Na posse de Alberto Fernandez como presidente da Argentina o Uruguai se fez representar por dois presidentes: o presidente em exercício Tabaré Vasquez e o eleito Lacalle Pou. Os dois viajaram juntos no jato presidencial e, como Tabaré se encontra em tratamento de um câncer de pulmão, na fila de cumprimentos a Fernandez se amparou no braço de Lacalle, "para espanto das hostes de ódio mundo afora".
Esse é o tipo de comportamento que os Exaustos anseiam dos nossos líderes, e o pequeno Uruguai mais uma vez nos brinda com esse exemplo maravilhoso.
Estou repassando este blog para os amigos. Caiu como uma luva para descrever como lhe sinto: exausto de ficar checando as ameaças do desastre de que fala um extremo e dos abismos de que nos alerta o outro. Lendo este texto, fiquei mais resignado e "sem culpa" por estar no centrão..
ResponderExcluirComentário do meu amigo Vasco, morador nos Estados Unidos:
ResponderExcluirCaro Fontenelle , obrigado por mais um blog muito pertinente e interessante. Vivendo pessoalmente esse clima politico posso garantir que estou exausto, não suporto mais essa guerra de baixarias e mentiras. Ledo engano a minha visão que neste país ainda há integridade, respeito e outros atributos de uma civilização digna. Não, isso tudo faz parte do passado. Para os idealistas esse clima não só é exaustivo mas gera uma profunda tristeza acompanhada de alienação e conformação com o mundo de hoje. Muito triste mesmo.
Comentário da minha amiga Monica:
ResponderExcluirExausta también estoy yo, mi caro amigo! Identifico-me totalmente com essa “maioria exausta” que você tão bem descreveu, que não encontra palavras para dizer o que pensa, “até porque lhe falta uma liderança equilibrada, já que o equilíbrio não é nos dias de hoje considerado uma qualidade, mas sim um enorme defeito”. Excelente o seu blog de hoje, Fonte! Obrigada por me fazer sentir menos sozinha no nosso eleitorado.