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Aos meus Amigos Judeus

A vida me levou a conviver com muitas pessoas praticantes de diferentes religiões, e também com céticos e ateus. Há bastante tempo e depois de muito refletir decidi por me manter em cima do muro. Cético é "aquele que não acredita, que duvida ou se apresenta como incrédulo ou descrente". Uma espécie de PSDB da religião. 

Existe no entanto uma religião além daquela na qual eu cresci com a qual eu mantive uma relação de intensa curiosidade. Como na minha infância no interior do Pará. do Maranhão, do Amazonas e de Goiás me levou a me tornar um leitor compulsivo, acabei me deparando com dois livros que despertaram a minha atenção para ela: Exodus e Mila 18. 

Em Exodus Leon Uris me mostrou a criação do Estado de Israel, o refúgio para os judeus que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial e aos horrores do Holocausto. Para ele (e para mim) essa é uma história sem paralelo nos tempos modernos, o ressurgimento de uma nação após dois mil anos de dispersão.

Já Mila 18 se ambienta no Gueto de Varsóvia, em particular no levante que ocorreu durante a Segunda Guerra. Embora não muito aclamado pela crítica. o autor considera Mila 18 sua principal obra, escrita unicamente para contar a história sem visar o sucesso. 

Para me libertar de um futuro nebuloso que me obrigava, como filho de funcionário público, a seguir os seus passos ou procurar uma filha de latifundiário para casar (coisa que quase cheguei a fazer), escolhi, aos 16 anos, fugir para um Brasil diferente. Sem meios de subsistência, escolhi inicialmente tentar o sonho de ser piloto de caça e fui aprovado na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAr) em Barbacena. 

Só que, no fim de 1961, já no Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro, descobriram um problema no meu coração e não me aprovaram no exame de saúde para iniciar o treinamento de pilotagem. O mundo caiu; a muito custo e com a ajuda de um colega paulista que saiu comigo, consegui morar um ano em São Paulo me preparando para ingressar em uma escola de engenharia que me permitisse fugir da Universidade de Goiás, que só oferecia Engenharia Civil.

Dessa vez a sorte me ajudou e me vi em São José dos Campos fazendo parte de um grupo de cerca de 100 colegas, todos homens, onde tive que escolher entre Eletrônica, Mecânica e Aeronáutica. Escolhi Eletrônica, acho que porque o trauma anterior me afastou do meu sonho inicial.

Para surpresa de um brasileiro que não conhecia a diversidade do outro lado do País eu me deparei com uma proporção enorme de descendentes de asiáticos  e de judeus. Entre eles um em particular me chamou a atenção porque eu já o conhecia. Ele era meu concorrente no Curso Anglo Latino nos vestibulares simulados, o Marcos.

Minha vida em SJCampos foi um aprendizado cultural. Meu colega de quarto. o Clóvis, era um catarinense que passava as horas vagas ouvido ópera e fumando. Ele acordava de noite, acendia um cigarro e voltava a dormir. Aprendi muito com ele. Já o Marcos de vez em quando me emprestava um livro que eu lia nos fins de semana em que os paulistas, os cariocas e os ricos sumiam e os "outros" ficavam no alojamento jogando sinuca. 

Um desses livros marcou a minha vida: O Último dos Justos, de Andre Schwarz-Bart. O livro descreve a saga de uma família judia desde os tempos das Cruzadas até as câmaras de gás de Auschwitz. Pelo que entendi, na tradição judaica "existem 36 homens justos cujo papel na vida é justificar a existência da raça humana aos olhos de Deus. Sua identidade é desconhecida e quando uma delas realiza sua missão, morre, e seu lugar é assumido por outra pessoa. Se Deus não encontrar sobre a Terra alguém bom, puro e humilde o suficiente para assumir o lugar do morto o mundo deve acabar".

A esse livro seguiram outros, como O Processo Maurizius de Jakob Wassermann, e eu acabei me tornando um seguidor de tudo  o que dizia respeito à cultura Judaica. A Netflix acabou por contribuir com isso ao me oferecer séries muito bem feitas sobre o assunto. Acabo de assistir "Nada Ortodoxa", uma linda série de 4 capítulos filmada em Berlin, e já assisti a Shtisel, outra grande produção com os mesmos atores da série anterior.

A surpresa no entanto surgiu ao ler o livro "O Coração do Mundo" de Peter Frankopan, que "propõe uma visão diferente da história, e nos encoraja a ver os acontecimentos do presente com um novo olhar". As três religiões monoteístas disputavam sua influência entre as sociedades politeístas vizinhas em meados do século IX. O reino de Casária, ao norte do mar Cáspio, pediu a Constantinopla o envio de sacerdotes para explicar os fundamentos do cristianismo. Ao chegarem à capital cazar, eles participaram de muitas discussões com os rivais que tinham sido convidados para apresentar o islã e o judaísmo. Apesar do brilhantismo com que os cristãos defenderam sua religião, o líder cazar decidiu que o judaísmo era a religião certa para o seu povo (?). 

Um século mais tarde um rabino de Córdoba (Espanha), especulando se as comunidades judaicas a milhares de quilômetros a leste seriam tribos perdidas da antiga Israel, conseguiu entrar em contato com elas. Veio então a confirmação de que os cazares eram judeus, ricos, muito poderosos e com um grande exército. A carta que o Khagan (soberano) enviou sobreviveu e explica como se deu essa conversão. Ela resultou da sabedoria de um de seus predecessores que havia trazido várias delegações para explicar a fé de cada uma delas. Depois de ponderar bastante sobre por qual religião decidir, o governante perguntou à delegação cristã qual religião era melhor, o islã ou o judaísmo, ao que os cristãos responderam que o islã era pior que o judaísmo. Em seguida ele perguntou aos muçulmanos qual seria melhor, o cristianismo ou o judaísmo, e esses condenaram o cristianismo. Nem foi necessário fazer a pergunta aos judeus, eles já tinham dois segundos lugares e não podiam ser alcançados pelos cristãos ou pelos muçulmanos.. 

O Khagan então anunciou ter chegado à conclusão de que a religião dos israelitas era a melhor e escolheu a religião de Abraão para o seu povo. Enviou as delegações de volta pra casa, circuncidou-se e ordenou ao seu povo que fizesse o mesmo.

Essa história eu dedico aos meus colegas judeus da Turma 67; 



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