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Precisamos de um Candidato de Centro

Este espaço tem ultimamente se esforçado em discutir com os seus leitores os grandes problemas que perseguem a humanidade neste planeta à beira do esgotamento. Falamos da desigualdade social, da polarização política, do livre arbítrio, e no fim das contas fica a pergunta:

Tudo bem que esses problemas existem e precisam de solução, mas como chegarmos a um acordo sobre os enfrentamentos que temos que encarar para  resolvê-los?

Uma resposta que encontrei se encontra no pensamento do escritor polonês Adam Przeworski: "a desigualdade é resultado de erro nas instituições". Ou seja, na medida em que um sociedade não consegue se desviar da sua trajetória de aumento da desigualdade, alguma coisa tem que ser feita nas instituições para se corrigir a essa deformação. 

Os choques que todos os regimes enfrentam levam consigo uma revolta resultante de uma situação de desigualdade social, mas também recentemente, por incrível que pareça, de uma resistência das elites às tentativas de se diminuir essa desigualdade. Nenhum regime escapa desse diagnóstico, e o exemplo mais evidente é a maior democracia do mundo, que recentemente teve a sua catedral, o edifício que abriga os representantes de seu povo e dos seus estados, violada. Os Estados Unidos, que se proclamam o Bastião da Democracia, segundo Przeworski se viram na condição de ver cassada essa auto delegação. 

Há muito tempo se condenam as regras das eleições americanas por sua incoerência atual, que pouco leva em conta as mudanças demográficas e privilegia as classes mais favorecidas. A novidade de agora é o candidato derrotado apoiado pelas elites se recusar a ceder o lugar para aquele que, bem ou mal, é o preferido nos "outsiders". A esse desfecho um dia eles teriam que chegar, e dizer que isso é resultado da polarização extrema a que chegou a sociedade é esconder o real motivo: a desigualdade. Os mais iguais, aqueles que se beneficiam das políticas do Partido Republicano, e que a cada dia se veem como uma parte cada vez menor da sociedade, criam todos os obstáculos possíveis às políticas de inclusão social e resolveram não aceitar o resultado desfavorável a eles. 

Barak Obama, em seu livro recente, deixa isso claro ao descrever os obstáculos que teve que transpor para aprovar o Affordable Care Act, algo como Lei do Atendimento Médico Acessível, em março de 2010. Os Estados Unidos, com toda a sua imensa riqueza, não possuem um sistema universal de saúde nos moldes do nosso SUS, e o chamado Obamacare tornava os planos de saúde mais baratos e mais acessíveis. 

Sai um governo Democrata, entra um Republicano, e todas as conquistas visando o combate à desigualdade são revistas. Em 2017 o Congresso conseguiu revogar a parte da lei que penalizava quem não aderisse a um plano de saúde, o que na prática significou um golpe de morte no programa. O Obamacare é motivo de discussão faz mais de dez anos, e o assunto chegou à Suprema Corte, e é voz corrente que as indicações de Trump para a mesma podem garantir o fim do programa, mesmo com a eleição de Joe Biden.

Só que no meio disso tudo surgiu uma pandemia e a sociedade americana acordou para o fato de estar totalmente despreparada para o seu enfrentamento, o que obrigou Joe Biden a forçar a aprovação de um pacote de estímulo US$ 1,9 trilhões, o que perfaz um total de US$ 5 tri em programas de ajuda econômica. Isso é 25% do PIB americano, e é o maior programa de distribuição de renda da história dos americanos. Biden declarou recentemente que o seu governo enviará 100 milhões de cheques em 10 dias, com pagamentos de US$ 1.400 para os indivíduos que ganham até US$ 75 mil por ano. 

Soluções como essa só acontecem em países desiguais ao extremo. O fato dos Estados Unidos serem a maior economia do mundo e terem que tomar decisões como essa é o que choca, e nós "down the equator (abaixo do equador)" temos que ver isso tendo o mesmo grau de desigualdade, potencialmente mais ricos que eles, mas tão mal administrados que não conseguimos resolver a equação economia x isolamento social

O que mais impressiona é que atualmente tudo nos Estados Unidos sofre uma mudança de 180 graus toda vez que muda o Partido no poder. Biden ao assumir teve como primeiras medidas correr atrás das desconstruções provocadas por Trump em praticamente todos os campos. Ou seja, não dá mais para acreditar que o próximo governo Republicano, se acontecer, não vai fazer o mesmo que fez o anterior. Temos então duas correntes ideológicas que se alternam na administração da maior economia do mundo (por enquanto), o que nos leva como sociedade global a ficar constantemente no aguardo de uma nova crise provocada por eles. 

Mas vamos deixar de lado o capitalismo e pensar nas alternativas. Afinal, segundo Przeworski o capitalismo foi concebido como um sistema de economia desigual e a democracia, concebida como um sistema de igualdade política, viria a ser uma ameaça ao capitalismo. No fim a realidade provou que esse casamento podia ser viável, embora permaneçam conflitos entre produção e distribuição de renda.

Passemos ao socialismo. Na minha modesta opinião o grande mérito dessa ideologia foi chamar a atenção do capitalismo para que fosse feita uma revisão dos seus conceitos. A sua implantação no século passado na Europa Oriental com a política de centralizar os recursos foi um experimento mal sucedido e cruel. Sua progressão na direção de outros continentes também foi um fracasso, até que surgiu no pais mais populoso do planeta uma diretriz que, pelos seus resultados, não há como negar que tenha sido bem sucedida. 

A China é hoje a maior responsável pela redução da pobreza no mundo. Com 20% da população mundial e só 9% das terras cultiváveis, ela conseguiu em 70 anos tirar da linha da pobreza mais de 850 milhões de pessoas. Só que a China está longe de ser considerada uma democracia, e o chamado "capitalismo de estado" chinês não é mais que uma forma de dizer que se trata de um capitalismo sem democracia, inaceitável para os nossos padrões ocidentais. 

Aqui chegamos a uma verdadeira encruzilhada em que as democracias capitalistas estão tendo problemas com o capitalismo, e uma ditadura socialista optou por um  tipo diferente de capitalismo e pelo jeito está dando certo. Przeworski explica esse paradoxo de forma bem simples; para ele a democracia é um regime de resolução temporária de conflitos através de eleições. Para que ela funcione deve haver um conflito a ser resolvido e alguém vai perder, e isso é muito doloroso. Os vencedores têm a oportunidade de pôr à prova as suas propostas, ou dar continuidade a elas, e no prazo combinado têm a obrigação voltar ao embate e dar a oportunidade de retorno aos que perderam. Se essa oportunidade não é reconhecida esse embate sai das urnas e acontece a convulsão social. Foi o que acabou ocorrendo nos Estados Unidos; eles deixaram de ser democráticos no momento em que aconteceu a invasão do Capitólio. 

Esses conflitos têm ocorrido nos últimos 20 anos em todos os campos, e têm sido explorados com competência pelos "arrivistas". Isso foi verdade lá nos Estados Unidos, na Itália, e aqui. O panorama era sempre o mesmo: as pessoas votavam, provocavam mudanças, e nada melhorava na vida das pessoas, em particular nas classes inferiores. Surgiram então os que poderíamos chamar de "corretores de imóvel na planta", parafraseando Octavio Guedes.

Isso aconteceu com Trump, com o Movimento 5 Estrelas na Itália, e tudo indica que vai ocorrer aqui pela segunda vez, só que com sinal trocado. A polarização aqui atingiu um nível tal que os partidos tradicionais, a partir do PSDB que ganhou as duas eleições nacionais antes de acontecer essa reação em cadeia, estão todos desacreditados. Isso é um problema na medida em que os cidadãos não polarizados, que são maioria, ficam sem ter como recorrer à chamada Terceira Via e acabam pendendo para a esquerda ou para a direita. Foi o que aconteceu nas últimas 4 eleições. 

É aqui que chegamos ao papel das instituições em todo esse processo. Você é um desvalido em países enormes como o Brasil ou o México e, vendo esse processo interminável de empobrecimento social, se pergunta onde estava o ordenamento democrático para deixar que tudo isso ocorresse. Para sairmos dessa sinuca em que nos encontramos vai ser preciso em primeiro lugar ressuscitar o ordenamento político. Os chamados partidos de centro precisam parar de aderir ao mandatário da vez e abrir caminho para uma alternativa que enfrente os 20 a 25% das extremas direita e esquerda e produza um candidato que consiga chegar ao segundo turno. 

Caso essa proeza seja alcançada esse candidato será imbatível. As providências são simples de serem tomadas e para tanto basta reunirmos numa mesa os seguintes protagonistas:

  • João Dória - a meu ver o mais preparado, principalmente pelo fato de tratar essa pandemia com competência. Tem uma característica negativa a sua ambição e o fato de ser paulista. Dória já admitiu abrir mão de se candidatar e disputar a reeleição ao governo paulista. Acho que isso tem a ver com os 4% de intenção de voto em levantamento recente, após o tsunami provocado por Edson Fachin.
  • Sérgio Moro - concorrente importante até semanas atrás. Tem contra si a suspeição se ter usado expedientes escusos na sua corrida em direção à arena política, além da sua voz monocórdia que incomoda; falta carisma. Tem até então 10% de intenção de voto mas entendo que em rota decrescente. 
  • Luciano Huck - a meu ver importante como cabo eleitoral por ser figura conhecida na mídia, mas como ele ainda não decidiu enfrentar o touro pelo chifre, acho que deve se limitar a apoiar a iniciativa. Tem 7% de intenção no momento.
  • Ciro Gomes - De centro não tem nada, mas devemos levar em conta que foi o terceiro colocado no primeiro turno de 2018, com mais de 13 milhões de votos (12,47% dos votos válidos) e dificilmente conseguirá se tornar o candidato de Lula. Hoje conta com 9% de intenção de voto. 
Dessa reunião deve sair um único candidato, que pode não ser nenhum dos acima, com o apoio incondicional dos outros. Foi assim que se consolidou a vitória de Joe Biden ano passado, quando Bernie Sanders, o Ciro Gomes de lá, perdeu as primárias e, junto com Elizabeth Warren, Michael Bloomberg, Pete Buttigieg e Amy Klobuchar formaram um frente que derrotou a extrema direita. 

Eduardo Leite, Álvaro Dias, Geraldo Alkmin, Rodrigo Maia, João Amoedo, Henrique Meirelles, Marina Silva, enfim, todos os políticos que contam com credibilidade junto ao eleitorado devem se juntar a a esse esforço de mudar a instituição que, em um regime democrático, é a única via capaz de, com muito esforço, consolidar na sociedade um grau de confiança que permita que as outras instituições caminhem no sentido de tornar nosso país menos desigual.

A hora chegou. Podem me chamar de ingênuo e dizer que com os nossos políticos isso nunca vai ocorrer. Só que eles também morrem de Covid, até numa proporção maior que a nossa. Então a pandemia pode até vir a nos ajudar a sair dessa. 

Comentários

  1. Sem querer conspurcar a análise perfeitamente balanceada do amigo gostaria de fazer notar que o único ficha limpa dos principais candidatos, que tem um projeto claro de PND e com uma experiência administrativa impecável em seu currículo é o Ciro. Apesar de sua indignação quase incontrolável em certos momentos, é , a meu ver, a melhor opção para o centro e retomada do desenvolvimento do país. Deve negociar com os conservadores como sempre fez para ter a chance de disputar o segundo turno. Suspeito que será contra Lula.

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  2. Pois é, amigo estamos ansiosos em ver nosso país retomando o crescimento com uma liderança mais competente e apaziguadora. Nem em sonhos descansamos. Há duas noites sonhei que o Haddad saía da sombra do Lula e do PT e se filiava ao PSDB. Sonho besta, eu sei, mas revelador de insatisfação com o presente e com as perspectivas de futuro.

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