Pular para o conteúdo principal

Sobre a Guerra

Meu amigo Marcos, que não vejo há mais de 20 anos, me cobrou um Post que abordasse essa guerra infame. Pensei muito antes de me aventurar nessa empreitada porque toda informação a respeito desse assunto caduca em questão de horas. No entanto, como diz outro amigo meu, o Nei, "é mais fácil ser historiador do que profeta", vou me atrever a fazer uma análise do que ocorreu até agora.

Tenho tentado ler as opiniões de jornalistas para chegar a uma conclusão mais abalizada, e aí surge a figura de Anne Applebaum, na minha opinião a pessoa mais bem informada sobre os meandros dessa enorme tragédia que nos atingiu no pior momento possível, após passarmos dois anos lambendo as feridas de uma grande pandemia.

Segundo ela o Departamento de Defesa dos Estados Unidos estava completamente a par do que a Rússia estava planejando. Sabia com detalhes o plano de batalha, que envolvia a tomada de Kiev em no máximo quatro dias, seguida da conquista da Ucrânia até a fronteira com a Polônia. Também já havia artigos prontos celebrando a conquista da Ucrânia e a unificação da Rússia com a Bielorrússia e a Ucrânia, um dos quais chegou a aparecer em um site e foi retirado em seguida.

Então o plano era plenamente conhecido, e a maioria dos analistas americanos concluiu que muito pouco poderia ser feito pera se evitar o seu sucesso. Não passou pela cabeça de nenhum deles a possibilidade de mínima resistência da parte dos ucranianos. Sendo Anne uma grande conhecedora da Europa Oriental, ela chegou a questionar essa possibilidade com um dos analistas do Pentágono, e recebeu a resposta de que "ela era amiga dos ucranianos e se encontrava em uma bolha que não lhe permitia ter uma visão mais abrangente do problema", ao que ela respondeu que "era ele quem se encontrava numa bolha por passar o tempo todo lendo documentos militares russos". 

Ou seja, Putin não levou em conta a possibilidade de uma resistência ucraniana, mas o Ocidente tampouco acreditou nessa resistência. Putin, por entender que a Ucrânia não era de fato um país, que seu povo não iria se defender porque não tinha investido o suficiente para tanto. Já o Ocidente estava dando atenção à diferença de equipamento entre as partes, bem como à diferença entre as populações.

Ninguém deu atenção ao fato de que o exército ucraniano esteve em campo nos últimos 8 anos , é experiente (tem 200 mil soldados ativos, 318 aeronaves, 12.300 veículos de combate). Que esses anos de guerra com a Rússia tinham feito os ucranianos perceber que a ocupação total de seu país iria fazê-los perder tudo o que tinham conquistado com sua incipiente democracia: uma vida e uma imprensa livres, tudo muito melhor do que a Rússia tinha a impor. Sua motivação era muito maior que a dos russos invasores, na sua maioria composto de jovens que não sabiam bem o que estavam fazendo ali.

Outro aspecto analisado por Anne é a corrupção na alta burocracia russa, que afeta a sua economia mas também a sociedade e o funcionamento do Estado, incluindo aqui os militares. Eles estavam mentido quanto ao real tamanho de suas tropas e equipamentos, e como estava a sua manutenção. Muita coisa deve ter dado errado porque eles na verdade não tinham o que diziam ter. Se imaginou que os 150 mil soldados que se encontravam na fronteira prontos para a invasão eram todos profissionais, e isso não era verdade, logo alguém estava mentindo. Isso é o reflexo de um sistema corrupto. Lá onde quer que você esteja, qualquer que seja o seu trabalho, lhe é dado o direito de roubar a ponto de comprar uma casa na Europa Ocidental e se mudar para lá. Toda a sociedade russa pensa assim e isso inclui obviamente os militares. Traçando aqui um paralelo, eu diria que a sociedade russa nunca iria ficar sabendo da compra de 35 mil comprimidos de Viagra e de 60 próteses penianas pelo Exército. Lá não existe essa transparência.

Já os americanos, como os russos, acreditavam num desfecho rápido, e isso incluiu a oferta a Zelensky de uma fuga do país, o que o fez responder que e que ele queria era munição. Todo o Ocidente tinha como estratégia causar o máximo de dano aos russos com o mínimo de sofrimento para o povo ucraniano, o que incluía uma guerra rápida. Havia por detrás disso tudo o medo de uma guerra prolongada acarretar uma escalada nuclear. 

 A resistência ucraniana levou os Estados Unidos e a Europa Oriental a mudar sua forma de pensar. Ficou claro para eles que o dano não iria ser pequeno nem acabar tão cedo, que os ucranianos podiam muito bem causar um grande estrago nas tropas invasoras. O medo existente de uma escalada russa não se justificava se ela não cumprisse o que os relatórios definiam. Só que era tarde demais para dar à Ucrânia o suporte que ela bem merecia como defensora não só dela mas de toda a Europa livre.

A solução foi fazer o que era possível no campo militar e impor sanções econômicas de efeito lento, que não irão resolver os problemas imediatos no enfrentamento da guerra. Imaginar uma Ucrânia pós guerra é um exercício muito triste, que não oferece nenhuma expectativa otimista. Os russos estão agindo agora como se sua intenção fosse conquistar o reconhecimento da Criméia, e quem sabe da Ucrânia oriental, mas os ucranianos estão falando que isso só se dará à custa de seus cadáveres, e o comportamento dos russos invasores até que justifica essa forma de pensar.

--------------------------

Thomas Friedman, colunista do New York Times, resumiu muito bem o que pode ocorrer de agora em diante. Cabe aos líderes da Ucrânia decidir se vale a pena negociar com os russos, à custa de uma perda do seu território. Não era bem isso que os russos queriam, mas também não é isso que os ucranianos querem. O importante agora é os líderes ocidentais ajudarem nas negociações, mas também se não houver sucesso nas negociações armar os ucranianos, porque o que eles estão fazendo é muito mais que defender o seu país. Eles estão defendendo uma Europa livre e dizendo que a época dos impérios terminou, que não é mais possível um país simplesmente invadir o outro. Essa mensagem vale não só para a Europa, mas para todo o mundo. 

Para Thomas Friedman o mundo "está cheio de líderes prontos para furar o sinal vermelho de maneira desavergonhada. em plena luz do dia, com um senso absoluto de impunidade". Para além da guerra da Ucrânia, aqui no nosso quintal temos um líder que achou conveniente plagiar seu ídolo Donald Trump e atacar a forma que as nações democráticas definiram para resolver o contraditório do direito de opinião: as eleições. Está certo que as escolhas nacionais para as próximas eleições não são brilhantes, mas da minha parte eu não votarei em quem não assumir o compromisso de aceitar o resultado das urnas. 

Comentários

  1. Essa é uma versão bem plausível. Mas há outras. Uma que parece também provável é a que os EUA lançaram a vara , o Putin mordeu a isca e foi fisgado. Pode não cair, mas seu poder estará bem reduzido. Essa versão explica melhor a insistências dos EUA de "convidar" a Ucrânia a ingressar na OTAN. Com o Putin enfraquecido, os EUA demonstram à Rússia,à China e a todo o mundo que eles são e continuarão a ser por muito tempo, os absolutos donos do poder mundial.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A verdade é que não há inocentes nesta história. Se a tua versão for a certa então os EUA são mais culpados que eu pensava. A isca no caso é o povo ucraniano. A inteligência americana não fez nada além de oferecer uma porta de saída para o Zelensky, e só começou a enviar equipamento quando percebeu que a resistência ucraniana era pra valer.

      Excluir
  2. Começando pelo fim, de acordo, VAI SER DIFICIL VOTAR !!!!
    LADRAO OU INSANO EIS A QUESTAO?
    Quanto à guerra todos achamos que iria ser um passeio...

    ResponderExcluir
  3. Como sempre um grande blog atual e instigante. Estamos em um momento histórico, muita coisa pode mudar no planeta, como se não bastassem as crises climáticas e econômicas e as tragédias locais. Para entender esta guerra infame pode ser interessante ver e pensar sobre o documentário do Oliver Stone > "Ukraine on fire", para começar apenas.

    ResponderExcluir
  4. Mestre Fontenelle, agradeço a antiga amizade e deferência à minha pessoa. Faço minhas as palavras do Constantino sobre as próximas eleições. Além do mais, a ameaça da OTAN nas redondezas e a cogitada origem russa por parte dos ucranianos, provocou a insanidade do Putin. Agora a grande dúvida: será utilizada arma nuclear no conflit? o que provocará uma revolta e perplexidade da União Europeia, do Vaticano e do restante do mundo politizado. Quem vai profetizar o final desse embate? Quanta insanidade e ambição pelo poder e domínio territorial com lembranças da URSS!...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A Europa Islâmica

É irreversível. A Europa, o berço da Civilização Ocidental, como a conhecemos, está com seus dias contados. Os netos dos nossos netos irão viver em um mundo, se ele ainda existir, no qual toda a Europa será dominada pelo Islamismo. Toda essa mudança se dará em função da diminuição da população nativa. Haverá revoltas localizadas, mas o agente maior dessa mudança responde por um nome que os sociólogos têm usado para alertar para esse desfecho: a Demografia. Vamos iniciar este Post com um exercício simples. Suponhamos uma comunidade de 10.000 pessoas, 5.000 homens e 5.000 mulheres, vivendo de forma isolada. Desse total metade (2.500 homens e 2.500 mulheres) já cumpriu sua função procriadora, e a outra metade a está cumprindo ou vai cumprir. Aqui vamos definir dois grupos, o velho não procriador e o novo procriador. Se os 2.500 casais procriadores atingirem uma meta de cada um ter e criar 2 filhos, teremos como resultado que, quando esta geração envelhecer (se tornar não procriadora), a c

Sobre os Políticos

Há tempos estou à procura de uma fonte que me desse conteúdo a respeito desse personagem tão importante para as nossas vidas, mas que tudo indica estar cada vez mais distanciado de nós. Finalmente encontrei um local que me forneceu as opiniões que abasteceram a minha limitada profundidade no assunto: Uma entrevista no site Persuation, de Yascha Mounk, com o escritor, diplomata e político Rory Stewart.  Ex-secretário de Estado para o Desenvolvimento Internacional no Reino Unido, Rory Stewart é hoje presidente de uma instituição de caridade global de alívio à pobreza, a GiveDirectly (DêDiretamente em tradução Livre) e autor do recente livro How not to be a Politician, a Memoir (algo como "Como não ser um Político, um livro de Memórias"). A entrevista é longa e eu me impressionei com ela a ponto de me atrever a fazer um resumo. Pelo que entendi, com o livro Stewart faz uma descrição de suas experiências na política do Reino Unido. Ele inicia a entrevista falando da brutalidade

Sobre o Agronegócio

A nossa sociedade, a nível global, está passando por um processo desafiador a respeito do nosso comportamento, onde as ferramentas, que foram criadas para melhor nos informar, nos desinformam. Uma das questões que se apresentam é: por que discutimos?  Vamos concordar que se não discutíssemos o mundo seria diferente, mas não tenho muita certeza se ele seria melhor. A discussão é uma forma de vendermos o nosso entendimento das coisas, na esperança de arrebanhar adeptos para ele. Para tanto lançamos a nossa opinião sobre um assunto e aguardamos o efeito que ela faz. Hoje em dia isso está se tornando uma missão quase impossível, porque se tornou lugar comum sermos impedidos de levar o nosso raciocínio em frente, com interrupções constantes, que são a arma utilizada para nos desqualificar de antemão, nesse ambiente tóxico que estamos vivendo. O ideal a meu ver seria voltarmos à velha fórmula de comunicação via rádio, em que nossas falas terminariam com a palavra "câmbio", a qual s