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O Modelo Americano, uma Alternativa para a "Maldição Nordestina"

Este é um exercício que cedo ou tarde vai acabar sendo proposto pelos Estados que podemos chamar de Imperialistas neste nosso Brasil, o qual é um modelo de desigualdade. Ele foi sugerido recentemente em reportagem do Estado de São Paulo: o uso do Modelo Americano de se computarem os votos para Presidente e assim escapar da "Maldição Nordestina".

Para tanto vamos investigar como funciona o Modelo Americano (é complicado). Cada Partido se prepara para a disputa realizando Primárias em todos os Estados. Os eleitores registrados no Partido participam das suas Primárias votando nos chamados Pré-candidatos, e elegem seus representantes para a Convenção que definirá, entre os Pré-candidatos, o Candidato Oficial do Partido. 

Na eleição para Presidente será formado um Colégio Eleitoral composto de 537 delegados, distribuídos de forma proporcional á população de cada estado. Para facilitar vamos dar um exemplo: O estado da Califórnia, o mais populoso tem garantidos 55 delegados nessa eleição indireta, por ser o mais populoso, ao passo que Montana por exemplo tem apenas 3 delegados, de um total de 537. Para vencer a eleição o candidato tem que amealhar a 50% + 1 dos votos dos delegados, o que corresponde a 270 dos 537 votos.

Esse chamado Colégio Eleitoral de delegados estava presente na primeira Constituição, a de 1787, e eu acredito que mudar esse formato é uma impossibilidade política. As antigas colônias que formaram os primeiros estados eram razoavelmente independentes e, para que fosse evitado o domínio das colônias mais ricas e populosas, essa foi a solução encontrada, solução que deu o nome aos Estados Unidos da América.

Havia um problema que dizia respeito à escravidão. Os estados do sul possuíam uma população escrava muito maior em relação à dos colonos, e os escravos não tinham o direito do voto. Então numa eleição direta como a nossa eles nunca iriam conseguir eleger um presidente. Assim então ficou estabelecido que um escravo para efeito de formação do Colégio Eleitoral, embora não votasse, equivaleria a 3/5 de um homem livre para definição do número de seus delegados. Ou seja, tínhamos um democracia com escravos.

A ideia por trás do Colégio Eleitoral é clara: o Candidato que ganha num Estado leva consigo todos os delegados do Estado para o Colégio Eleitoral, ok? Pero no mucho. O mapa abaixo dá o resultado da eleição de Donald Trump contra Hillary Clintom em 2.016. Nos Estados azuis são Democratas e os Republicanos são vermelhos. Assim vemos que os Democratas venceram na Califórnia e levaram seus 55 votos; os Republicanos venceram em Montana e levaram 3. 

Porém vemos que além de Clinton e Trump, 5 Candidatos nanicos também tiveram Delegados no Colégio, em Washington, Maine, Texas e Hawai, que juntos amealharam 8 Delegados. Desafio você a encontrar na rua um Americano que explique o porque disso. Então vemos deixar pra lá, mas é bom notar que para atingir os 270 votos dos Delegados Hillary e Trump só tiveram de 537 - 6 = 531 votos. O resultado foi a vitória de Trump por 304 x 227.




O exercício que proponho é de criarmos um Colégio Eleitoral aqui com a demografia que possuímos e verificarmos quem seria o ganhador com base no primeiro turno da eleição de 2022. Primeiramente vamos formar o nosso colégio eleitoral com base na população dos dois países:

  • Os Estados Unidos têm 331.449.281 habitantes (já sem os escravos, censo oficial 2020)
  • O Brasil tem 215.851.765 Habitantes (estimativa oficial IBGE 2022)
Uma representação de delegados equivalente no Brasil seria de:

537 x (216/331) = 351 delegados

A primeira dificuldade surgiria em função do enorme número de partidos que possuímos. É verdade que Lula e Bolsonaro não deram chance para que outro candidato ganhasse em nenhum Estado em 2022, mas isso poderia ter acontecido, e assim a regra dos 50% + 1 votos necessários teria que ser ignorada. Por exemplo, em 2014 Marina Silva ganhou no seu  Acre e em Pernambuco e assim levaria os seus Delegados, o que levaria Dilma a ser eleita com menos de 50% + 1 dos votos dos Delegados. 

Mas vamos para facilitar as coisas definir que o mais votado por aqui levaria todos os Delegados desse estado. Assim sendo vamos ver como seria a distribuição dos 351 delegados entre os 26 estados, mais o Distrito Federal, em 2022. A tabela abaixo dá essa distribuição com base na sua população:




Feito isso bastaria verificar em que estados Lula e Bolsonaro ganharam, e assim teríamos o resultado abaixo:



E assim teríamos Bolsonaro eleito com os votos de 195 delegados (55,6%), contra os 156 conseguidos por Lula (44,4%), embora os votos dos cidadãos tivessem um resultado bem diferente: 



Por curiosidade fiz o mesmo exercício computando em vez da demografia (população) o número de eleitores e o resultado praticamente não mudou: 



São Paulo (2), Minas Gerais (2), Bahia (1) e Piauí (1) têm proporcionalmente mais eleitores, em detrimento de Maranhão (-1), Goiás (-1), Amazonas (-1), Paraíba (-1), Alagoas (-1) e Tocantins.(-1). No fim os candidatos teriam a mesma representação de delegados, mas com uma ressalva: os estados do Nordeste possuiriam representação da população pela contagem dos eleitores prejudicada (o Piauí é um caso à parte que merece uma investigação). 

O que quero dizer com isso é que o Nordeste, se contada a sua representação pelo número de eleitores é prejudicado agora. A sua população é maior proporcionalmente aos eleitores que ele tem.

Bem, está resolvido, migramos o nosso Modelo para o (quase) Americano e tudo resolvido; mas há alguns senões. 
  • Os Estados Unidos são hipócritas ao se apresentarem como modelo de democracia. A meu ver, ao elegerem um líder executivo oriundo de um universo de representantes de estados eles cometem uma enorme injustiça. Donald Trump em 2.016 recebeu 62.894.825 votos contra 65.853.516 para Hillary Clinton (46,1% x 48,2%), uma diferença de quase 2,9 milhões de votos a favor de Hillary, mas ganhou de lavada no Colégio Eleitoral (304 x 227). 
  • O seja, a injustiça que vemos acontecer frequentemente nos Estados Unidos seria repetida aqui, com o Colégio Eleitoral ignorando o voto popular
  • Só que lá isso ocorre com a mão trocada. O equivalente ao Nordeste de lá, mais pobre, se vale do Colégio Eleitoral para compensar a desigualdade, e aqui os Estados Imperialistas iriam se valer do Colégio Eleitoral para aumentá-la.
Para terminar quero lembrar que uma Emenda Constitucional desse tamanho por aqui também não tem a menor possibilidade de acontecer. A divisão dos representantes do povo no Congresso é feita da forma mais injusta possível, prejudicando principalmente o estado de São Paulo. Com isso por exemplo:
  • São Paulo tem 46.649.132  habitantes e uma representação de 70 deputados, ou 1 deputado para cada 666.416 habitantes
  • Roraima tem 652.713 habitantes e uma representação de 8 deputados, ou um deputado para cada 81.589 habitantes.
A tabela abaixo mostra a participação dos Deputados e dos Senadores. Uma Emenda Constitucional precisa de 3/5 (60%) dos 513 votos na Câmara e 81 no Senado. Seriam então no mínimo 308 Deputados e 49 no Senado. 

O Norte e o Nordeste possuem 216 (42%) Deputados e 48 (59%) Senadores. Esquece.




Comentários

  1. Uma análise muito interessante.
    A mim interessaria uma análise do regime presidencialista versus parlamentarista.
    No que pese a desmoralização recente dos regimes parlamentaristas europeus, notadamente a Monarquia parlamentarista britânica, que já era bem estabelecida quando do nascimento da República Presidencialista dos EEUU, no final do Século 19, euainda acho a transição de poder mais racional no Parlamentarismo.

    Tá indo bem, fique, até que um voto de desconfiança te derrube.

    Infelizmente nossa cultura política é presidencialista.

    Eu me pergunto se os regimes parlamentaristas escandinavos deveriam ser estudados.

    Numa primeira análise; dão certo.

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  2. Caro Desconhecido
    No meu Post de 12/08/22: "Os Estados Unidos, um modelo Populista imitado por nós....ou vice versa". eu fiz uma breve comparação estre o Regime Presidencialista e o Parlamentarista:
    https://ceticocampinas.blogspot.com/2022/08/os-estados-unidos-um-modelo-populista.html
    Já que o assunto te interessa, em 02/09/20 há uma descrição do Sistema Chinês:
    https://ceticocampinas.blogspot.com/2020/11/o-sistema-politico-chines.html
    Um abraço e obrigado por me comentar, no lugar certo.

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  3. Interessante ver os números por estado e por região. Os 3 senadores por estado deveriam ser o suficiente para contrabalancear os estados mais populosos.
    Em relação às primárias existem fechadas e abertas. A que você descreve são as fechadas. Nas primárias abertas você não precisa ser registrado no partido parA votar naquele candidato. Em alguns estados tem um caucus que é uma reunião onde os votos são contados levantando a mão ou por cabeça, ou seja, não é secreto.

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  4. Com 48 partidos nanicos, na há democracia ou parlamentarismo q de jeito.
    A eleição majoritária é descolada da eleição proporcional, assim quem ganha na majoritária não tem a maioria no parlamento NUNCA, daí a força do Centrão. Sem compor com os Valdemares e outros não há governo!

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    Respostas
    1. Eleição tem que ser preferencial. Você mata muitos coelhos com uma só "caixa d'água".

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  5. Fontenelle, excelente análise e comparações. Você também mostrou as dificuldades de mudar o modelo. Tem que ter muito debate. Parabéns.

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  6. Amigo Fontenelle, realmente foi elaborado um estudo minucioso da distribuição de eleitores no Brasil, além de uma proposta teoricamente viável para uma distribuição demográfica dos votos. Devido ao grande número de partidos, será difícil alterar nosso processo eleitoral para um modelo mais democrático e demográfico. Valeu a análise sempre abrangente de sua parte.

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