Campinas:
Município do interior do Estado de São Paulo.
Município do interior do Estado de São Paulo.
Área: 798 km2 - 238 km2 em perímetro urbano.
População: 1.223.237 (IBGE 2021).
Terceiro município do estado em população, 14º do país.
Quinto colocado no Índice das Melhores e Maiores Cidades Brasileiras elaborado pela Delta Economics & Finance.
Produto Interno Bruto (PIB, 2017): R$ 65.928.767.891
PIB per Capita: R$ 53.896,97
Paulínia:
Município do interior do Estado de São Paulo, vizinho de Campinas.
Área: 139 km2.
População: 114.508 (2021, 8,83% da população de Campinas).
Polo Petroquímico centrado na Refinaria de Paulínia.
Produto Interno Bruto (2017): R$ 39.435.463.978
PIB per Capita: R$ 344.390,47 (6,4 vezes o PIB per Capita de Campinas).
Sempre que faço uso deste espaço para falar da desigualdade gerada pelo nosso injusto sistema de tributarmos o consumo, apelo para o domínio causado por ele pelos Estados Imperiais sobre os Estados Vassalos. Desta vez vamos fazer diferente e comparar duas cidades vizinhas. Em particular eu me vejo como isento em fazer essa comparação porque moro em Campinas, a 2 km da fronteira com Paulínia (a Academia que frequento é em Paulínia).
O que vemos na descrição das duas cidades vizinhas mostra que Paulínia deve seu enorme PIB per Capita ao fato de ser o maior polo petroquímico do país. Ele gera faturamento e emprego, que por si só seriam suficientes para dar aos seus cidadãos o padrão de vida invejável que a cidade tem.
Mas tem muito mais. O imposto sobre o consumo do Brasil tem uma incidência em cascata, o que faz com que um caminhão de combustível que parte de Paulínia para abastecer um posto em Campinas inicie o recolhimento do ICMS (Imposto sobre o Consumo de Mercadorias e Serviços) em Paulínia. Vejamos de forma bem simplificada como isso funciona:
- A refinaria em Paulínia, emite uma nota fiscal de venda para a Distribuidora. Nela já consta o ICMS, calculado incluindo o valor da venda mais o transporte até a distribuidora.
- A distribuidora, em geral com sede em Paulínia, emite uma nota fiscal de venda para o posto em Campinas, calculado incluindo o valor da venda mais o serviço de transporte até o posto em Campinas.
- O posto em Campinas emite uma nota fiscal de venda para o consumidor.
Se você não gosta de matemática pode pular os parágrafos em Itálico abaixo e pular direto para as conclusões em seguida:
Vamos supor que a refinaria esteja praticando um preço de R$ 3.00 no litro da gasolina que está vendendo (aditivada com o álcool anidro). O preço total será de R$ 3,00, mais o ICMS hoje fixado digamos em 17%, que será de 3,00 x 0,17= R$ 0,51. Esse valor será recolhido em Paulínia. O Valor da nota fiscal de venda será de 3,00 + 0,51 = R$ 3,51
Suponhamos que distribuidora vai vender esse litro com 10% de lucro. O preço de venda será de 3,00 x 1,1 = R$ 3,30. Ela vai recolher em Paulínia 3,30 x 0,17 = R$ 0,561. Mas esse valor será abatido do que ela já pagou na nota fiscal de compra, ou seja, ela só vai recolher de fato 0.561 - 0,51, Ou R$ 0,051. O valor dessa nota fiscal será de R$ 3,30 + 0,561 = R$ 3,861
O posto em Campinas vai querer um lucro de 10%. Então ele vai cobrar do consumidor (você) o valor de R$ 3,30 x 1,1 = 3,63, adicionado do ICMS que é de 3,63 x 0,17 = R$ 0,6171. Mas ele só vai recolher em Campinas 0,6171 - 0,561 = R$ 0,0561. O valor da nota fiscal será de 3,63 + 0,6171= R$ 4,1461. É o que você irá pagar na bomba
Se você não acompanhou o raciocínio acima, não se estresse. O nosso sistema tributário é assim mesmo, incompreensível. Mas a moral dessa história é que dos R$ 0,6171 recolhidos pelo ICMS, Paulínia fica com R$ 0,561 e Campinas com R$ 0,0561.
Resumindo, Campinas leva 9,09 % de ICMS recolhido na venda do combustível a Paulínia leva 90,9%.
O exemplo acima é claramente ilustrativo. Ele inclusive supõe um ICMS de 17%. Este foi o teto aprovado pelo STF no final de 2022.
Só que o carro vai rodar em Campinas. Campinas é quem vai providenciar as ruas em condições de rodagem para esse carro, a sinalização necessária para um fluxo seguro, etc. A solução para compensar cidades consumidoras de combustível como Campinas por essa sub tributação foi inventar um imposto exclusivo para quem tem carros, o IPVA, uma evidente sobretaxa, porque já estamos sendo taxados pela compra do combustível.
Como resultado dessa aberração temos que em 2022 Paulínia teve uma arrecadação de ICMS maior que Campinas:
- Paulínia: R$ 1.109.985.mil
- Campinas: R$ 1.020.513 mil
Constitucionalmente, 25% desse valor vão para o município que arrecadou, logo, Paulínia e Campinas têm uma receita de ICMS per Capita de:
- Paulínia: 0,25 x 1.109.980.000 / 114.508 = R$ 2.423
- Campinas: 0,25 x 1.020.513.000 / 1.223.237 = R$ 209
Como a prefeitura de uma cidade é uma mera administradora daquilo que arrecada e aplica em prol da sua população, podemos dizer que uma família de 4 pessoas em Paulínia recebe 4 x 2.423 = R$ 9.692 por ano na distribuição do ICMS enquanto em Campinas a mesma família de 4 pessoas recebe apenas R$ 932. A solução que Campinas encontrou para resolver isso foi praticar uma IPTU absurdamente elevado relativamente ao de Paulínia, o que leva as pessoas a escolherem Paulínia para adquirirem seus imóveis, desvalorizando o mercado imobiliário de Campinas. Como Campinas é uma Metrópole com a imensa variedade de opções de compras e gastronomia, e fica bem ali, os moradores de Paulínia podem aproveitar a infraestrutura de Campinas. Ou seja o nosso IPTU vai financiar o lazer dos Paulinenses que nos visitam.
Essa enorme distorção enche Paulínia de dinheiro e o resultado é que a cidade tem portais em todas as suas entradas, um enorme teatro, um polo cinematográfico (uma iniciativa de transformá-la numa Hollywood tupiniquim), um Jardim Zoológico. uma prefeitura que é talvez a mais bonita do estado, uma cemitério com suas paredes cheias de vitrais em pleno centro da cidade, etc. O vídeo abaixo dá uma mostra da monumentalidade da cidade.
Theatro Municipal de Paulínia
O que a imaginação do administrador consegue fazer com dinheiro abundante no caixa extrapola a mais fértil imaginação. Senão vejamos:
Pirâmide de Paulínia - Manto de Cristal
Contratada em 2004 com orçamento de R$ 96 milhões, esta obra foi embargada pela Justiça em 2005 por conta da denúncia da ONG AMA PAULÍNIA ao Ministério Público local. Mesmo assim a obra seguiu em frente, e entre 2004 e 2008 consumiu R$ 115 milhões. Nunca foi concluída como previu o projeto original
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Mas Paulínia é apenas um caso entre vários no país. Vejamos por exemplo Presidente Kennedy, um município de 11.741 (2021) habitantes situado no extremo sul do Espírito Santo. Ele tem um dos maiores PIBs per capita do Brasil: 301.474,89. Só que o salário médio mensal dos trabalhadores formais não passa de 2,2 salários mínimos.
De onde vem tanto dinheiro? Por que esse contraste? A cidade fica a 16 km do litoral, e é de lá que vem o dinheiro, dos royalties do petróleo. Mas acredite se quiser, a prefeitura vive em dificuldades para fechar suas contas.
Desde 1999 o município recebe os tais royalties, e já acumula mais de R$ 1,1 bilhão em caixa, mas não pode gastar esse dinheiro livremente. Isso porque a lei dos royalties prevê que o recurso proveniente dele só pode ser utilizado em investimentos que tenham interesse público, e proíbe expressamente o seu uso para pagamento de pessoal. Temos assim um município de 11 mil habitantes com R$ 1 bilhão em caixa e salário médio mensal de 2,2 salários mínimos.
Surge então a pergunta: qual o interesse em investir num município assim, longe dos centros de consumo mas com R$ 50 milhões no Fundo de Desenvolvimento do Espírito Santo, para abertura de linhas de créditos?
Então vem outra pergunta: Esse critério de distribuição de royalties faz sentido? A exemplo do ICMS na origem ele concentra em um município pequeno, por estar em frente a um campo de exploração de petróleo, um caminhão de dinheiro. Não seria mais justo para todos os mais de 5 mil municípios deste país que esse dinheiro fosse destinado a todos eles, com uma destinação predefinida, por exemplo a Educação?
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Mas vamos ver o que está sendo feito para se dar uma solução a esse estado de coisas. Recebi de um amigo uma reportagem que mostra a reforma tributária que esta sendo feita no que diz respeito ao ICMS. A ideia é eliminar a cumulatividade mostrada anteriormente. O Congresso aprovou por ampla maioria duas Leis Complementares especificamente para o ICMS dos combustíveis:
- A LC 192/22 regulamenta a "monofasia" do ICMS, ou seja, a incidência do imposto uma única vez no início da cadeia, ou seja, no produtor ou importador do derivado fóssil ou biocombustível, com alíquotas específicas em R$ por litro e uniformes em todo o território nacional.
- Já a LC 194/22 reconhece a relevância dos combustíveis para todos os setores da economia, e coloca um limite nessa alíquota.
O que eu entendi foi que o ICMS passou a ter um valor fixo, e não depender mais das oscilações do custo do referido combustível. Independentemente do preço X que o produtor definir, o valor do ICMS é Y. Ou seja, se o combustível subir 10% o ICMS permanece inalterado. Isso é um bom sinal. Só que o erro de origem permanece e é ampliado. Dessa forma Paulínia passará a recolher 100% do ICMS e Campinas, por não ter refinarias ou usinas de etanol, fica com zero.
O que se vê foi que a única preocupação do legislador foi combater a sonegação que existe na cadeia de recolhimento do ICMS. Ninguém se preocupou com o fato que o Imposto sobre o Consumo deve ser recolhido onde o produto é consumido. Se este critério for estendido além do combustível teremos então uma inversão total do processo de recolhimento do imposto sobre o consumo.
Vamos imaginar então um estado importador de bens, por exemplo o Maranhão. Se ele importar o bem de um estado produtor, esse bem será consumido no Maranhão e 100% do imposto de consumo irá para o estado produtor. Então para ele será mais fácil importar este produto de outro país, por exemplo a China, que certamente em vez de taxar a exportação (como faz o estado brasileiro produtor) dá incentivos para que o produto seja exportado.
Canso de dizer que o mal maior do nosso país se chama ICMS na origem. Resolver essa grande injustiça é o maior desafio que temos em termos de economia.
Luiz, beleza de texto; muito elucidativo. Parabens
ResponderExcluirParabéns nossas regras fiscais são demolidorasvda iniciativa privada
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