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"No Brasil até o Passado é Incerto"

A frase acima é de Pedro Malan, um dos brasileiros por quem eu tenho grande admiração. Trata-se de uma constatação triste, quase uma sina, mas ela está sendo comprovada por uma ameaça terrível que paira sobre a cabeça de todos nós, e pode se materializar em 2014 com um julgamento na Suprema Corte. Não contentes em termos que tourear as ameaças presentes e futuras, fomos buscar no passado uma crise de proporções tais que ainda não temos uma noção exata do seu tamanho.

É sabido por todos nós que o governo, nos anos 80 e 90, realizou várias incursões na poupança dos brasileiros, materializadas nos planos Bresser, Verão, e Collor 2, que corrigiram a Caderneta de Poupança bem abaixo da inflação. O resultado disso foi que cerca de 1 milhão de ações individuais e 1000 ações coletivas foram movidas para corrigir essa provável distorção. Nas instâncias iniciais a grande maioria dos juízes deram ganho de causa aos poupadores, e o problema acaba de aterrizar no STF, que dará a palavra final sobre o assunto: as leis que viabilizaram esses planos econômicos eram ou não constitucionais?

Estamos falando de algo em torno de 150 bilhões de Reais. O réu dessas ações é o sistema financeiro nacional. Vamos então tentar mostrar quais seriam as implicações de uma decisão favorável aos poupadores na última instância desses processos:
  • Acordos internacionais definem o nível médio de empréstimos que um banco pode ter em sua carteira, em função do seu capital disponível. Isso para dar ao sistema financeiro mundial uma proteção equilibrada, que venha a evitar situações pelas quais esse sistema já passou. São os chamados Acordos de Basiléia (I, II e III). O Brasil, como signatário desses acordos, se obriga então a que o volume de empréstimos seja diminuído em nove vezes o volume que os bancos teriam que tirar de seu capital disponível para pagar os poupadores. Estamos falando então de 9 x 150 = 1,35 trilhão de Reais. Isso corresponde a metade do crédito disponível atualmente. 
  • Os 150 bilhões de Reais deixariam de ser registrados como lucro, e com isso deixaria de existir o recolhimento de 40% de imposto de renda sobre esse lucro, ou seja, o governo deixaria de recolher 60 bilhões de reais. 
  • A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil respondem por mais da metade dos 150 bilhões de reais. Como se tratam de bancos públicos eles teriam que ser recapitalizados com recursos públicos. Mas e o restante? Está prevista uma crise de grandes proporções, com eventuais quebras de grandes instituições, o que vai exigir uma ação governamental. 
O Governo, na sua habitual incompetência, tem varrido esse problema para debaixo do tapete e só agora resolveu acordar. Os bancos também não se organizaram de forma adequada e julgaram que as ações eram improcedentes e que cedo ou tarde seriam derrubadas. Não foram, e agora chegou a hora da verdade. Os poupadores ganharam em todas as instâncias anteriores, já que os tribunais costumam julgar esse tipo de ação pelo seu lado social: uma luta entre os grandes bancos e os pequenos investidores.

As perguntas que têm que ser respondidas são as seguintes: os bancos podiam ter se recusado a obedecer às leis que criaram os planos? Eles tinham essa alternativa? Se eles o tivessem feito o que aconteceria? O mínimo que poderia acontecer seria uma multa brutal, que poderia chegar até uma suspensão do seu funcionamento. Tem mais: Os recursos investidos na caderneta de poupança têm como destinação investimentos do governo na área de infra-estrutura habitacional, ou seja, os aluguéis e as prestações da casa própria teriam que ser reajustados para cima no mesmo período. 

Caso o STF considere inconstitucionais as leis dos planos econômicos, ele teria que convocar os inquilinos que pagaram aluguéis mais baratos a ressarcir os locadores; quem teve a prestação da casa própria reajustada abaixo da inflação iria ter que pagar a diferença aos bancos. Seria o caos. 

Esse é um exemplo claro de quão perniciosa é a interferência do governo no mercado. O réu desses processos tem que ser ele e só ele. O agente financeiro não fez mais que cumprir a lei; se ela é inconstitucional o problema é de quem a promulgou. Nem mesmo o argumento social prevalece: 2% das cadernetas envolvidas nessas ações respondem por 50% do montante aplicado, o que significa que uma decisão favorável vai beneficiar os muito ricos, às custas de uma crise financeira sem precedentes que vai atingir principalmente os muito pobres. 

Mas o mais surpreendente é o seguinte: não há indenização a ser paga!  Devido à queda da inflação nos meses seguintes àqueles em que os planos foram implantados, os rendimentos reais dos poupadores acabaram por aumentar. Senão vejamos: 

  1. No plano Bresser (jun/87) a inflação medida (IPC) foi de 26,1% e a poupança remunerou "apenas" 18%. Essa perda consta dos processos. Só que entre junho e setembro a inflação foi de 46% e a poupança remunerou 47,8%.
  2. No plano Verão (jan/89) a inflação medida foi de 42,7% e a poupança remunerou 22,4%. Só que entre janeiro e abril a inflação foi de 78,9% e a poupança remunerou 92,5%.
  3. No plano Collor 2 (fev/91) a inflação medida foi de 20,2% e a poupança remunerou 15,8%. Só que entre fevereiro e maio a inflação foi de 50,5% e a poupança remunerou 48,8%. 
Conclusão: Enquanto a a inflação nesses 12 meses considerados foi de:

               ((1,46 x 1,789 x 1,505) - 1) x 100% = 293,1%

a poupança remunerou:

               ((1,478 x 1,925 x 1,488) - 1) x 100% = 321,6%

ou seja, um poupador que tenha mantido a sua aplicação noa 12 meses considerados (jun - set / 87, jan - abr / 89 e fev - mai / 91) teria, em 12 meses, tido um ganho real de:

              ((1 + 321,6%) / (1 + 293.1%) -1) x 100 % = 43,8% 

José Serra, em artigo no Estadão de 28/11 intitulado "Há direito adquirido de quebrar o País?", resume este blablablá da seguinte forma:
  1. "Os banco públicos estão encalacrados;
  2. o Tesouro terá que socorrê-los para que não quebrem;
  3. dinheiro público terá que ressarcir também as instituições privadas;
  4. sobrevirá uma enorme instabilidade econômica;
  5. o conjunto dos brasileiros arcará com os custos de uma visão de "direito adquirido" que desafia a matemática e as regras elementares do funcionamento da economia."
Para finalizar, o impacto de uma decisão favorável aos poupadores, que resultaria em um montante de 150 bilhões de Reais, está sete pontos percentuais acima da perda que os bancos americanos tiveram com a crise do subprime. 

Malan está certo. Nosso passado também é incerto...

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