Na minha infância longínqua na longínqua Abaetetuba, Pa, tinha uma vida que hoje está sendo replicada pelos meus netos em Guapé, Mg. Ia para a escola de bicicleta, jogava bola na saída da escola, tomava banho no rio, vendia as verduras da horta da minha mãe em uma bacia de alumínio, mas o que mais me encantava era ver a minha mãe matar peru em dias de festa.
Dizia ela que embebedar o peru tornava a sua carne mais macia, e tome cachaça goela abaixo. O bicho ficava bêbado e começava a girar. Aí eu riscava com carvão um círculo, e pra minha surpresa o peru nunca passava dessa linha. A melhor explicação que tive desse fenômeno foi que o peru ainda mantinha uma visão bidimensional, oriunda dos tempos em que voava, e para ele, bêbado, aquela linha no chão era um obstáculo.
Lembrando desse fato, tentei desenvolver na minha fase adulta, quando possível, uma postura de analisar as situações em que a minha profissão me jogava, tentando analisá-las "de longe", numa visão bidimensional, onde eu tinha maior percepção do entorno onde se inseria a situação.
Trazendo esse raciocínio para o ocaso da minha vida, só me resta tentar trazer esse conceito para as situações que eu tenho o (des)prazer de ler na mídia, e convenhamos que a Petrobrás é um prato cheio: Como estarão os gringos vendo a enrascada em que ela se meteu? É importante que acompanhemos essa visão exterior, até porque os gringos estão em plena condição de tornar ainda mais infernal a situação da Petrobrás.
Nada melhor nesse caso que recorrer a uma publicação séria, que eu acompanho de perto: The Economist. Em 4 de fevereiro ela publicou uma reportagem que descreve de forma avassaladora o enrosco em que estamos metidos:
A Petrobrás costumava impressionar o mundo com a sua capacidade de encontrar o petróleo milhares de metros abaixo do leito do oceano. Agora o mastodonte brasileiro é melhor conhecido por explorar um tipo de profundidade diferente: está emaranhada em um escândalo de pagamento de propinas, atolada em dívidas e valendo um terço dos 405 bilhões de reais (US$ 250 bilhões na época) que valia antes da oferta pública inicial (IPO) de 2010. Em 3 de fevereiro a predidente do Brasil, Dilma Rousseff, cujo governo possui uma participação majoritária na companhia, finalmente sucumbiu à pressão e decidiu substituir sua sitiada patroa, Maria das Graças Foster.
Os investidores se rejubilaram: as ações da Petrobrás, que afundaram 17% semana passada, subiram 10% imediatamente. Muito embora a maioria dos infortúnios da Petrobrás não seja culpa da Senhora Foster. O governo toma quase todas das decisões na empresa. Isso inclui obrigar a companhia a comprar equipamentos do ineficiente setor de serviços local, o que levou a atrasos e sobrepreços imensos; construir caríssimas refinarias no pobre nordeste em nome do desenvolvimento local, e ser a única operadora principal nos enormes, ultra profundos campos de pré-sal descobertos em 2006 na costa brasileira.
Pior de tudo, desde 2006 o governo congelou os preços do petróleo para refrear a inflação. Incapaz de atender a crescente demanda doméstica com a sua produção, a Petrobrás teve que importar petróleo e diesel, revendendo com prejuízo. De 2011 a 2013 isso custou em torno de 48 bilhões de Reais. O Ministro da Fazenda da Senhora Rousseff está empenhado em encontrar um substituto para a Senhora Foster. Seu sucessor vai encontrar um mar de desafios. Com o preço do óleo em torno de US 59 o barril, boa parte do óleo do pré-sal se torna inviável. Apesar do investimento dependente de endividamento de US$ 40 bilhões por ano, a produção patina em torno de 2 milhões de barris por dia nos últimos 4 anos, e deve crescer apenas 4,5% em 2015. A previsão do ano passado de dobrar a produção em 2020 parece fantasiosa, especialmente com a decisão de cortar os investimentos em cerca de 7 a 9 US$ bilhões, anunciada semana passada.
E existe o espectro da corrupção. Ele veio à toma em março último, quando a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, que comandava a área de refino da companhia de 2004 a 2012, com a acusação de lavagem de dinheiro. Com o instrumento da delação premiada o Senhor Costa confessou o desvio de 3% dos contratos assinados em sua divisão para fundos secretos de políticos. A promotoria pública identificou pelo menos 2,1 bilhões de Reais em pagamentos suspeitos. Investidores estrangeiros lesados entraram com várias ações contra a companhia em Nova York, onde suas ações são negociadas.
A Petrobrás está tentando calcular o custo dos contatos inflados. Esperava-se que eles fossem apresentados nas depreciações relacionadas aos subornos no seu balanço do terceiro trimestre - originalmente previsto para novembro mas adiado duas vezes, para dar tempo para que se chegasse a um número. Em vez disso, ele veio com dois, nenhum dos quais agradou a Senhora Foster. Aplicando a comissão de 3% do Senhor Costa aos vendedores desonestos temos 4 bilhões de Reais. Marcando os ativos duvidosos a mercado sugere-se que eles agora valem 89 bilhões de Reais menos que o seu valor contábil. Alguns outros ativos parecem subvalorizados em 27 bilhões de Reais, mas a lei brasileira permite que os ativos sejam apenas desvalorizados, não que sejam valorizados.
O valor menor provavelmente subestima o problema, que deve se estender além das comissões do Senhor Costa; a soma maior equivalente a 15% dos ativos da Petrobrás, quase certamente o exagera, uma vez que avaliar cada ativo independentemente dos outros impede a contabilidade para economias de escala. E parte das desvalorizações se deveu a má gestão, não à corrupção.
Sem um balaço confiável, o auditor da companhia, a PwC, se recusou a aprovar o relatório (como ela deixou de ver os ativos sobrevalorizados anteriores é um mistério). Semana passada a Petrobrás o publicou mesmo assim, já que ela tinha de fazê-lo antes de março para evitar um default técnico. Entretanto, se ela deixar de apresentar um balanço anual auditado em julho, os credores podem solicitar um pagamento imediato de US$ 54 bilhões. Como os números apresentados são muito complicados, isso não pode ser descartado. Com apenas US$ 25 bilhões em caixa, 16 a 18 US$ bilhões a pagar e o pagamento de dividendos devidos para este ano, e acesso limitados a novos financiamentos devido à ausência de balanços auditados, atender a essas obrigações poderá requerer um aporte do governo.
Enfrentar esses problemas vai requerer um talento enorme. Mas a tarefa mais importante no novo chefe da Petrobrás vai ser a de resistir à interferência estatal. A interferência do governo a transformou na grande petroleira menos lucrativa do mundo, de acordo com o relatório publicado ano passado pelo Credit Suisse. Mas o banco também entendeu que onde a ingerência é mínima, tal como encontrar óleo e o tirar do subsolo, a Petrobrás é quase a melhor. Felizmente a Senhora Rousseff também teve essa compreensão, finalmente.
Dificilmente uma análise feita de dentro seria mais precisa, com exceção do erro final. A Dilma não teve essa compreensão e nomeou o segundo pior candidato (perdia apenas pro Luciano). A reação do mercado foi terrível e a oportunidade de se desviar o navio da rota para o iceberg parece que foi perdida. Tomara que ainda haja salvação.
O Bendine, na gestão do Banco do Brasil, foi um pau mandado do Lula. Bendine era a indicação dele, o que prova que essa quadrilha toda que está envolvida do Petrolão ainda vai acabar sendo aclamada como heróis. O Moch já foi devidamente desagravado na comemoração dos 35 anos do PT.
Dizia ela que embebedar o peru tornava a sua carne mais macia, e tome cachaça goela abaixo. O bicho ficava bêbado e começava a girar. Aí eu riscava com carvão um círculo, e pra minha surpresa o peru nunca passava dessa linha. A melhor explicação que tive desse fenômeno foi que o peru ainda mantinha uma visão bidimensional, oriunda dos tempos em que voava, e para ele, bêbado, aquela linha no chão era um obstáculo.
Lembrando desse fato, tentei desenvolver na minha fase adulta, quando possível, uma postura de analisar as situações em que a minha profissão me jogava, tentando analisá-las "de longe", numa visão bidimensional, onde eu tinha maior percepção do entorno onde se inseria a situação.
Trazendo esse raciocínio para o ocaso da minha vida, só me resta tentar trazer esse conceito para as situações que eu tenho o (des)prazer de ler na mídia, e convenhamos que a Petrobrás é um prato cheio: Como estarão os gringos vendo a enrascada em que ela se meteu? É importante que acompanhemos essa visão exterior, até porque os gringos estão em plena condição de tornar ainda mais infernal a situação da Petrobrás.
Nada melhor nesse caso que recorrer a uma publicação séria, que eu acompanho de perto: The Economist. Em 4 de fevereiro ela publicou uma reportagem que descreve de forma avassaladora o enrosco em que estamos metidos:
A Petrobrás costumava impressionar o mundo com a sua capacidade de encontrar o petróleo milhares de metros abaixo do leito do oceano. Agora o mastodonte brasileiro é melhor conhecido por explorar um tipo de profundidade diferente: está emaranhada em um escândalo de pagamento de propinas, atolada em dívidas e valendo um terço dos 405 bilhões de reais (US$ 250 bilhões na época) que valia antes da oferta pública inicial (IPO) de 2010. Em 3 de fevereiro a predidente do Brasil, Dilma Rousseff, cujo governo possui uma participação majoritária na companhia, finalmente sucumbiu à pressão e decidiu substituir sua sitiada patroa, Maria das Graças Foster.
Os investidores se rejubilaram: as ações da Petrobrás, que afundaram 17% semana passada, subiram 10% imediatamente. Muito embora a maioria dos infortúnios da Petrobrás não seja culpa da Senhora Foster. O governo toma quase todas das decisões na empresa. Isso inclui obrigar a companhia a comprar equipamentos do ineficiente setor de serviços local, o que levou a atrasos e sobrepreços imensos; construir caríssimas refinarias no pobre nordeste em nome do desenvolvimento local, e ser a única operadora principal nos enormes, ultra profundos campos de pré-sal descobertos em 2006 na costa brasileira.
Pior de tudo, desde 2006 o governo congelou os preços do petróleo para refrear a inflação. Incapaz de atender a crescente demanda doméstica com a sua produção, a Petrobrás teve que importar petróleo e diesel, revendendo com prejuízo. De 2011 a 2013 isso custou em torno de 48 bilhões de Reais. O Ministro da Fazenda da Senhora Rousseff está empenhado em encontrar um substituto para a Senhora Foster. Seu sucessor vai encontrar um mar de desafios. Com o preço do óleo em torno de US 59 o barril, boa parte do óleo do pré-sal se torna inviável. Apesar do investimento dependente de endividamento de US$ 40 bilhões por ano, a produção patina em torno de 2 milhões de barris por dia nos últimos 4 anos, e deve crescer apenas 4,5% em 2015. A previsão do ano passado de dobrar a produção em 2020 parece fantasiosa, especialmente com a decisão de cortar os investimentos em cerca de 7 a 9 US$ bilhões, anunciada semana passada.
E existe o espectro da corrupção. Ele veio à toma em março último, quando a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, que comandava a área de refino da companhia de 2004 a 2012, com a acusação de lavagem de dinheiro. Com o instrumento da delação premiada o Senhor Costa confessou o desvio de 3% dos contratos assinados em sua divisão para fundos secretos de políticos. A promotoria pública identificou pelo menos 2,1 bilhões de Reais em pagamentos suspeitos. Investidores estrangeiros lesados entraram com várias ações contra a companhia em Nova York, onde suas ações são negociadas.
A Petrobrás está tentando calcular o custo dos contatos inflados. Esperava-se que eles fossem apresentados nas depreciações relacionadas aos subornos no seu balanço do terceiro trimestre - originalmente previsto para novembro mas adiado duas vezes, para dar tempo para que se chegasse a um número. Em vez disso, ele veio com dois, nenhum dos quais agradou a Senhora Foster. Aplicando a comissão de 3% do Senhor Costa aos vendedores desonestos temos 4 bilhões de Reais. Marcando os ativos duvidosos a mercado sugere-se que eles agora valem 89 bilhões de Reais menos que o seu valor contábil. Alguns outros ativos parecem subvalorizados em 27 bilhões de Reais, mas a lei brasileira permite que os ativos sejam apenas desvalorizados, não que sejam valorizados.
O valor menor provavelmente subestima o problema, que deve se estender além das comissões do Senhor Costa; a soma maior equivalente a 15% dos ativos da Petrobrás, quase certamente o exagera, uma vez que avaliar cada ativo independentemente dos outros impede a contabilidade para economias de escala. E parte das desvalorizações se deveu a má gestão, não à corrupção.
Sem um balaço confiável, o auditor da companhia, a PwC, se recusou a aprovar o relatório (como ela deixou de ver os ativos sobrevalorizados anteriores é um mistério). Semana passada a Petrobrás o publicou mesmo assim, já que ela tinha de fazê-lo antes de março para evitar um default técnico. Entretanto, se ela deixar de apresentar um balanço anual auditado em julho, os credores podem solicitar um pagamento imediato de US$ 54 bilhões. Como os números apresentados são muito complicados, isso não pode ser descartado. Com apenas US$ 25 bilhões em caixa, 16 a 18 US$ bilhões a pagar e o pagamento de dividendos devidos para este ano, e acesso limitados a novos financiamentos devido à ausência de balanços auditados, atender a essas obrigações poderá requerer um aporte do governo.
Enfrentar esses problemas vai requerer um talento enorme. Mas a tarefa mais importante no novo chefe da Petrobrás vai ser a de resistir à interferência estatal. A interferência do governo a transformou na grande petroleira menos lucrativa do mundo, de acordo com o relatório publicado ano passado pelo Credit Suisse. Mas o banco também entendeu que onde a ingerência é mínima, tal como encontrar óleo e o tirar do subsolo, a Petrobrás é quase a melhor. Felizmente a Senhora Rousseff também teve essa compreensão, finalmente.
Dificilmente uma análise feita de dentro seria mais precisa, com exceção do erro final. A Dilma não teve essa compreensão e nomeou o segundo pior candidato (perdia apenas pro Luciano). A reação do mercado foi terrível e a oportunidade de se desviar o navio da rota para o iceberg parece que foi perdida. Tomara que ainda haja salvação.
O Bendine, na gestão do Banco do Brasil, foi um pau mandado do Lula. Bendine era a indicação dele, o que prova que essa quadrilha toda que está envolvida do Petrolão ainda vai acabar sendo aclamada como heróis. O Moch já foi devidamente desagravado na comemoração dos 35 anos do PT.
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