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O Fim do Dinheiro

Um fim de semana no Rio de Janeiro me levou a escrever este Post. Houve um batizado de uma sobrinha neta ao qual achamos por bem comparecer. A família mora em São Francisco - Califórnia, e era uma ocasião para nos revermos e matar a saudade. Pegamos um voo para o Santos Dumont no sábado e retornamos na terça feira. Nos hospedamos na Lagoa, no apartamento dos nossos amigos Roberto e Mônica (sempre os mesmos!) que por sinal estavam na FLIP em Parati, e só fomos nos encontrar no domingo.

Um detalhe importante me chamou a atenção nessa viagem: não gastamos um centavo sequer em papel moeda. Munido do aplicativo Uber, me desloquei pela cidade nos 4 dias com ele. Paguei todas as despesas de alimentação com cartão de crédito. As poucas compras que fizemos idem. Tinha levado ~ R$ 300 na carteira da minha esposa e ~700 na minha, mas tivemos a sorte de nem o assaltante se interessar por eles. Desembarcamos de volta em Viracopos com a mesma quantia que levamos.





Isso me levou a me interessar pela história passada e futura do dinheiro. Estamos rapidamente caminhando para uma sociedade sem dinheiro vivo, o qual está sendo substituído por cartões de crédito e por aplicativos em celulares. Ele continuará apenas sendo o centro de referência de todas as operações, atribuindo valor a elas.


Nossa formação religiosa nos leva muitas vezes a encarar o dinheiro quase sempre pelo seu lado negativo: sua incitação à avareza, ao crime e à guerra. No entanto, não podemos mais nos imaginar em uma sociedade sem dinheiro. Sem o dinheiro só existe o escambo, mas ele vai depender de uma coincidência de desejos, na qual o outro tem o que eu quero e eu tenho o que ele quer. Em megalópoles com a minha seria muito difícil encontrar ambiente para isso, embora aplicativos estejam à nossa disposição para tal. Ou seja, o ajuntamento das sociedades em civilizações complexas como as atuais só foi possível com a presença do dinheiro, o qual alem de permitir que eu compre um produto ou serviço de uma pessoa ou empresa, permite também que eu venda um produto ou serviço para outra pessoa ou empresa, sem para isso ter que recorrer a uma rede de escambos. O dinheiro também nos dá a oportunidade de atribuir valor comparativo às coisas; e isso nos permite lhes dar prioridade nas aquisições. Resumindo, com o dinheiro:

  • Eu posso comprar de qualquer um que queira vender.
  • O vendedor pode vender para qualquer um que queira comprar.
  • Eu posso aguardar o momento certo para efetuar a compra.
  • O dinheiro vai medir para mim o valor das coisas. 
Outra coisa que deve ser levada em conta é que o dinheiro é uma mercadoria. Ele serve para ser trocado por outra mercadoria, mas também pode ser usado para, num local adequado, ficar disponível a quem quiser lucrar com a sua posse (como com um imóvel, ele pode ser alugado), alugando-o a quem precise dele momentaneamente. Para isso foram criados os bancos, onde até mesmo para sua segurança você deposita nele o seu dinheiro excedente e, mediante uma escolha criteriosa que vai depender basicamente de sua disposição ao risco, usufruir dele algum lucro. Os passos de um cliente de um banco são bastante simples:
  • Você deposita em uma conta corrente em seu nome o seu excedente em dinheiro
  • Caso ele seja grande, uma parcela dele pode seguir para uma aplicação de curto, médio ou longo prazo.
  • O dinheiro aplicado vai gerar dinheiro, porque o banco o usará para alugar aos interessados em dispor dele por algum tempo.
  • Sendo esse aluguel feito de forma criteriosa, o banco vai devolver pra você o lucro resultante dessas operações, cobrando uma taxa de administração.
  • Não se esqueça que o Governo vai se intrometer nessa operação e participar do lucro como sócio, na forma de impostos, mas isso é outra história. 
Uma ameaça que está rondando os governos a nível global é o aparecimento das chamadas moedas virtuais tipo Bitcoin, o qual já foi objeto de um Post meu em abril de 2014 ( http://ceticocampinas.blogspot.com.br/2014/04/afinal-o-que-e-o-bitcoin.html ). Essas moedas a rigor não estão sujeitas a uma autoridade central, governos ou bancos que ajam como intermediários em suas transações. São uma espécie de Uber global para as atividades monetárias. Digamos que você quer visitar uma filha na Austrália, e ao mesmo tempo um australiano quer visitar o Brasil. Por quê pagar comissão a uma corretora e impostos a ambos os governos num caso com esse? Estabelecimentos que aceitam o Bitcoin como moeda permitem que eu pague minhas despesas na Austrália com ele, e o mesmo irá ocorrer com o australiano aqui.

O processo de gradual substituição do papel moeda está cada vez mais célere. Vejamos o caso da Suécia, que foi a primeira nação ocidental a criar uma nota válida para todo o país em 1661. Nas igrejas suecas a coleta de dinheiro mudou. A cesta de coleta foi substituída por caixas eletrônicos colocados nas paróquias, e um telão que acende quando o coral canta exibe a conta bancária onde deve ser feito o depósito. Aos fiéis cabe a opção em depositar o dinheiros vivo nos caixas ou teclar no aplicativo do banco, instalado no seu celular. Espera-se que os caixas gradualmente sejam dispensados.


A redução do dinheiro vivo na economia vem sendo comandada pela Suécia, mas seguida de perto pela Noruega, a Dinamarca, a Suíça, a Finlândia e o Canadá. Hoje na Suécia apenas 2% do dinheiro movimentado na economia é em forma de notas e moedas. Em 2020 essa taxa deve cair para 0,5%. Nas lojas hoje o dinheiro vivo representa apenas 20% das vendas, contra 40% em 2010. Mesmo nos bancos, 56% dos 1600 existentes não entregam mais notas a seus clientes. Isso obviamente trouxe alguns problemas: um paciente não conseguiu pagar suas consultas em dinheiro vivo e o caso foi parar nos tribunais. Isso levou os bancos a dedicar espaço para treinamento de idosos e imigrantes no uso dessas coisas terríveis chamadas caixa eletrônico.


Em palestra concedida em Dublin ano passado, o presidente da Apple, Tim Cook, declarou que a próxima geração de crianças nascidas no norte da Europa não vai saber o que é dinheiro, assim como a atual não tem mais nenhuma intimidade o o cheque (na Europa).


É claro que, pelo que vimos, essa realidade vai demorar um pouco a chegar até nós, que continuamos a usar intensamente o carnê, o pré datado. Segundo a MasterCard 85% da movimentação no varejo no mundo continua sendo em espécie. Ou seja, 14 trilhões de dólares por dia continuam circulando em todas as moedas do mundo.


Mas as metas dos países "frios" são ambiciosas; A Dinamarca quer acabar com o papel moeda para os seus 5,6 milhões de habitantes em 2030. A Noruega quer antecipar essa meta para 2020, deixando a garantia de que o direito de pagar em espécie seja preservado por algum tempo (talvez enquanto durarem as notas).


Os governos torcem para que essa mudança seja rápida. Sem as notas circulando a Lava Jato teria uma ferramenta muito mais eficaz para achar as falcatruas do Petrolão, já que não haveria dinheiro na cueca nem em fundos falsos. O controle do capital seria muito mais transparente, já que não iriamos ter o repasse de papel moeda, que é anônimo, bom para os negócios escusos. Prova de que o dinheiro vivo favorece fraudes foi a explosão do uso de dinheiro vivo na economia brasileira a partir da crise de 2008. Isso acarretou nos bancos uma alta sem precedentes no aluguel de cofres.


Para mim não é muito fácil a adaptação aos aplicativos que substituem o dinheiro, mas depois de algum tempo percebo o quanto eles me ajudam e poupam tempo e energia:
  • O Conect Car é muito bom em estacionamentos de Shopping Centers e pedágios. Os 16 pedágios que tenho que pagar para ter que pescar no Rio Paraná me custariam pelo menos uma hora a mais tempo de viagem sem o TAG colado no parabrisa do meu carro. 
  • O Uber é uma invenção que vai revolucionar a relação entre o cliente e o prestador do serviço, e é inútil reagir contra ele, cabendo ao poder público encontrar uma forma de viver harmoniosamente com essa novidade, que já se estendeu a outros tipos de negócio. 
  • O AIRBNB tem em seu cadastro mais de 2 milhões da casas em mais de 190 países, disponibilizadas para aluguel, temporário ou não, o que está deixando as redes hoteleiras de cabelo em pé. Ainda não tive a oportunidade de usar esse aplicativo, mas estou pensando em usá-lo em breve; já sei até onde. 
  • Na área de saúde estão no mercado aplicativos que facilitam a árdua tarefa de encontrar o atendimento médico adequado, fornecendo informações tais como tempo de espera, distância, trajeto. Permitem também conversar com pacientes que já foram atendidos para melhor avaliação, e o envio de dados pela Internet. 
Enfim, estamos vivendo uma nova era da relação cliente - prestador de serviço. Só vai sobreviver no mercado quem rapidamente se adaptar a ela. Ter uma maquininha que substitui o dinheiro é fundamental para o sucesso de qualquer negócio, por menor que ele seja. Cabe a nós, os clientes, também nos adaptarmos a esse mundo novo, que no fim das contas é muito mais seguro que uma "saidinha de banco" pra pegar papel moeda. 


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