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Freud e a Nossa Realidade Global

Vai ser uma decepção enorme para os que elegeram Donald Trump quando eles descobrirem que o Cinturão da Ferrugem (Rust Belt), a grande região situada no Nordeste dos Estados Unidos, é inviável nas condições atuais. Que nenhum presidente vai ressuscitar as suas indústrias decadentes, muito menos o carvão como fonte de energia.


Mas tudo bem. Enquanto isso não ocorrer o que vamos ver é uma onda nunca vista de intolerância contra:
  • os negros, a começar por Michele Obama, agora transformada por uma prefeita de West Virginia em "macaca de salto alto",
  • os latinos, por exemplo quando a jornalista brasileira Fernanda dos Santos, do New York Times, que fala 4 idiomas e estava falando com uma amiga em espanhol e foi insultada por isso no Arizona ("Fuck off"),
  • os muçulmanos, esses os maiores alvos, a ponto de mulheres vestindo os seus lenços estarem sendo instadas a se enforcar com eles.
  • Os transgêneros....
Isso me levou a considerar como válida a argumentação de Adriana Carranca em sua coluna de 12/11 do Estadão, onde ela faz alusões a respeito da coerção que o homem sofre para se tornar civilizado, coerção essa que por vezes explode e faz dele o autor das piores atrocidades.

Para tanto ela recorreu a um livro de Freud, "O Mal Estar da Civilização", do qual consegui uma cópia PDF:
http://www.projetovemser.com.br/blog/wp-includes/downloads/Livro%20-%20O%20Mal-Estar%20na%20Civiliza%E7%E3o%20%20(Sigmund%20Freud).pdf
Segundo Adriana e Freud, a coerção feita ao homem no sentido de torná-lo civilizado acaba por resultar em explosões de ira episódicas, as quais o levam a cometer atrocidades indescritíveis. O homem, não sendo naturalmente gentil, tem o instinto agressivo, e a necessidade dele conter esses impulsos resulta em um mal estar, numa renúncia à satisfação, para que ele consiga assim viver em sociedade.

Segmentos da sociedade americana, de forma conjunta, resolveram nomear Donald Trump o seu emissário, através do qual a sua ira se faria presente junto ao "establishment" americano. E foram finalmente ouvidos. Entre muitos desses segmentos sobressaem:
  • Os supremacistas brancos, a começar por David Duke, ex líder da Ku Klux Khan. No entanto sozinho, esse eleitorado não conseguiria eleger Trump.
  • A classe trabalhadora menos educada, não tão racista assim, mas que no fundo não conseguia engolir por 8 anos um presidente negro. Embora parte dela tenha votado em Obama, ele foi o candidato democrata que teve menos votos dos brancos desde 1984. 
  • Os e as machistas. Ao fim do mandato de um presidente negro, ter uma candidata mulher era uma novidade que despertava repulsa. Os brancos do norte, que em parte tinham votado em Obama, dessa vez, de forma esmagadora se voltaram para Trump. Hillary conquistou 54% dos votos femininos, mais que os 42% de Trump (que teve 53% entre as brancas), mas menos que Obama em 2012. Isso mostra claramente que os americanos não estão prontos para ter uma presidentA. Ponto para Michelle. 
Apenas os negros responderam à altura ao perigo latente da candidatura republicana. Nessa parcela da sociedade Hillary obteve 88% dos votos, mas mesmo assim não se igualou a Obama que teve 93%. Entre os asiáticos ela teve 65%, enquanto Obama teve 73%. Isso só pode ser creditado ao fato de, além de ser mulher, ela não era a candidata à altura de mitigar o "mal estar freudiano" que grassava na sociedade americana. Como os mais velhos iriam votar republicano, era necessária uma grande participação dos jovens a favor de Hillary, mas ela só teve 55% dos votos entre os menores de 30 anos, 5% a menos que Obama em 2012. Trump conseguiu 37% entre eles. 

Voltando ao argumento freudiano, o que se viu foi que as certezas produzidas nas últimas décadas na sociedade americana, nas quais se incluem a igualdade racial, a tolerância com os imigrantes, a globalização da economia, resultaram numa enorme massa de descontentes, massa essa que não está limitada aos Estados Unidos. Os populistas começaram a se aproveitar disso na Grã Bretanha com o plebiscito sobre o Brexit, Trump soube como ninguém explorar essa insatisfação, e agora caberá a Marine Le Pen colocar a pedra de cal sobre aquilo que se convencionou ser a forma ideal de conduzir o processo democrático no mundo.

Mas afinal, no que se resume o pensamento de Freud? O que disse ele? Vejamos:

"A felicidade humana, por conseguinte, parece não ser a finalidade do universo, e as possibilidades de infelicidade realizam-se mais prontamente. Essas possibilidades estão centralizadas em três fontes: o sofrimento físico, corporal, perigos advindos do mundo exterior e distúrbios ocasionados pelas relações com outros seres humanos - talvez a fonte mais penosa de todas".

A mensagem de Freud é que o indivíduo não pode ser feliz em sociedade, que o propósito da vida civilizada não é a felicidade pelo prazer, mas sim pelo seu afastamento. Instintivamente, o homem não é adepto ao trabalho, mas é através da repressão social que o homem é obrigado a trabalhar. A sexualidade é o instinto maior, aquele que garante a permanência da civilização, mas a mesma civilização canaliza essa força para o trabalho, o que gera renúncia e insatisfação.

Quando nos deparamos com a globalização, a igualdade racial, a convivência com as outras religiões e a liberdade da pessoa escolher seu gênero, grassa a intolerância. O aumento da expectativa de vida, o saneamento básico, as conquistas tecnológicas, não fizeram desaparecer o mal estar. Ao contrário, essas conquistas trouxeram uma massa de gente que teme o desemprego, a fome, a instabilidade, decorrentes do aumento da população, que resultaram nas doenças modernas como a depressão, a síndrome do pânico, a baixa auto estima.

Com isso nos voltamos contra os nossos dirigentes, e elegemos fantoches populistas que aparecem com uma mensagem libertária, falsa, que nos faz afundar ainda mais nas nossas decepções. Não existe diferença entre Lula e Trump, Dizer que um é de esquerda o outro de direita é uma ingenuidade. A grande diferença ideológica atual, acho que já disse isso, é entre aqueles que trabalham pouco para ter muito e os que trabalham muito para ter pouco, e nisso Lula e Trump se igualam. Suas estratégias são as mesmas.

Vejamos o que dizem os homens que Trump está escolhendo para compor o seu staff:

  • Steve Bannon, chama as mulheres democratas de um bando de lésbicas, reconhece que no movimento chefiado por ele no site Breitbart News há racistas e antissemitas, se declara fã de Lenin, porque seu desejo de destruir o Estado é o mesmo que o dele.
  • Michael Flynn, diz que a religião muçulmana é um câncer, foi demitido por Obama da Segurança Nacional.
  • Mike Pompeo, defendeu a tortura quando diretor da CIA.
  • Jeff Sessions, recusado por um comitê do Senado, acusado de racismo, diz que grupos que defendem negros não são americanos mas comunistas. 
O que se pode concluir é que a pretensão do novo governo pode ser a recriação de uma grande nação de brancos nativos e cristãos. Segundo o Instituto de Pesquisa Pública em Religião, 90% dos eleitores de Trump acham que ser americano é falar inglês, 70% acham essencial crer em Deus, 53% exigem que essa fé seja cristã, e ter nascido nos Estados Unidos é condição necessária. 

Com isso estão afastados 60 milhões de cidadãos, ou 14% da população não nativa. 22% dos americanos não são cristãos e metade dos jovens entre 18 e 24 anos não é branca. Segundo Adriana Carranca, um terço dos 365 prêmios Nobel atribuídos aos EUA foram conquistados por não nativos, imigrantes do México, Venezuela, Egito, Turquia, Índia, África do Sul, Coreia, China, Japão, Rússia, Polônia, Hungria, Lituânia, Romênia, Inglaterra, Áustria, Alemanha, Itália, Suíça, Holanda, Nova Zelândia, Austrália e Canadá. O americano Bob Dylan, ganhador do Nobel de Literatura deste ano, é neto de imigrantes, ucranianos por parte de pai e lituanos por parte de mãe. Os outros "americanos" que este ano ganharam o Nobel de economia, física e química, são não nativos.

Freud estava certo, o mal estar atualmente é muito grande. Como ateu não praticante só posso pedir a Deus que nos acuda.  







Comentários

  1. Estive nos EUA umas semanas antes eleição. Em Indiana. Falei com executivos, engenheiros e técnicos de empresas que visitei. Gente bem informada e com alto nivel educacional que votou em Trump. Não me pareceram caipirões, racistas ou homofobicos. Tinham visões bem lucidas sobre a politica externa e os problemas economicos mas principalmente uma consciencia profunda do direito de mandarem em suas proprias vidas, sentind0-se ameaçados pelo avanço democrata em rumos opostos. Claramente veem a necessidade de alternar o poder em Washington, como essencia da democracia americana, etc.

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    1. Bem, esse é o tipo da discussão que o tempo resolve. Pra mim trata-se de uma caso típico de populismo de direita. Quem viver verá. Um abraço. caro Amaro.

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  2. Prezado Luiz, sem dúvida trata-se de um caso de populismo de direita. Mas ecoa aspirações reais da sociedade. Estas não podem ser simplificadas em categorias preconceituosas como as que tratam de interpretar o fenômeno Trump. A candidatura deste cidadão teve, apesar de tudo, alguns fundamentos muito sérios: Um foi a crítica da politica do Obama no Oriente médio, uma tragédia humanitária com custos monumentais e que não dá para disfarçar mais. A Europa está mudando graças a esta conscientização da cagada que foi basicamente conduzida pelos EUA.
    Outro, a ideologização do tema da energia em relação a emissão de gases estufa. Com a devida extensão aos jecas brasileiros do GreenPeace . Jequice corroborada no veto do Temer ao artigo 20 da mp 735.

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