---Adão e Eva---
A lenda de Adão e Eva sempre me chamou a atenção. Desde menino ela despertou em mim várias dúvidas, a começar por não entender como por exemplo: "Caim conheceu sua mulher, e ela concebeu e teve a Enoque; e ele edificou uma cidade e chamou o nome da cidade pelo nome de seu filho Enoque" (Gênesis 4,17). Quem era o sogro de Caim, pra quem uma cidade?
O jornal O Estado de São Paulo me levou a revisitar Adão e Eva de forma indireta. Na sua edição de 09/02 ele trouxe uma entrevista com Eduardo Gianetti sobre um livro dele que trata de outra lenda, "O Anel de Giges"; livro que eu comprei imediatamente. Giges é um personagem da literatura grega que encontrou um anel que o tornava invisível, e esse tema foi explorado por milênios começando por Heródoto e Platão, passando por Agostinho, Rousseau, meu xará Fontenelle, etc. Mas Gianetti se demora bastante na interpretação do anel de Giges sob o ponto de vista Judaico Cristão, e foi aí que eu me vi transportado de volta a Adão e Eva.
Ao ler o livro me vi na obrigação de reler o livro do Gênesis. Pra não me perder nas versões Cristãs disponíveis na Rede, nem na BÍblia Trinitariana (?) que tenho, presente de uma sobrinha querida, achei por bem comprar o Torá na Amazon (Paguei por ele R$ 2,26). Com base nisso vamos ver os versículos do Gênesis que nos interessam, referentes ao assunto Adão e Eva:
Capítulo 2:
9 E o Senhor Deus fez brotar da terra toda árvore agradável à vista e boa para comida, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal.
15 E tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.
16 E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: de toda árvore do jardim comerás livremente,
17 mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, morrerás.
18 E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele.
O resto da história é conhecido. A serpente convenceu Eva a comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal, no que foi seguida por Adão, e o final desse drama chegou até a virar tema de música de carnaval:
É aí que entra a argumentação de Eduardo Gianetti. Para ele "a vida no paraíso Judaico Cristão desconhecia o bem e o mal; ignorava, portanto, a vergonha e a culpa". Antes de sua queda eles andavam nus sem sentir vergonha, e só vieram a se perceber nus após provar o fruto do conhecimento do bem e do mal. Ou seja, a partir daí andar nu era ruim, e a vergonha de andar nu denunciava a culpa.
Observem, diz Gianetti, que Deus não os proibiu de comer o fruto da árvore da vida, o que leva a concluir que eles eram imortais. Só que Deus não aceitava eles serem imortais e ao mesmo tempo terem o conhecimento do bem e do mal. Se eles continuassem no Paraíso, ou Jardim do Éden, de posse do conhecimento, e comendo da árvore da vida, poderiam rivalizar com Deus. E isso Deus não aceitou, e os expulsou, e os tornou mortais. Essa decisão está clara em Gênesis 3
22 Então, disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão, e tome também a árvore da vida, e coma, e viva eternamente,
23 o Senhor Deus, pois, o lançou fora do Jardim do Éden para lavrar a terra, de que fora tomado.
Diante desse risco Deus consuma a expulsão. Segundo Gianetti esse tipo de punição tem precedente: por ter roubado o fogo do Olímpio, Prometeu teve suas vísceras devoradas pelos abutres, e o nosso casal, por ter furtado o saber, teve como castigo a perda da imortalidade, um castigo muito mais severo porque recaiu em toda a sua posteridade. Mais que isso, o sobreviver deixou de ser abundante, exigiu trabalho duro e precário, e as mulheres tiveram que reproduzir com dores imensas.
---Jesus---
Até que surge Jesus. Pra simplificar vamos pular mais de dois mil anos de história Judaica. Qual a sua mensagem em meio a essa culpa expressa no Livro Judaico? Para os que entenderam ser Jesus o filho de Deus, Ele foi enviado para libertar a humanidade desde a queda do Paraíso. Jesus seria "o mediador entre a humanidade sofrida pela queda e a infinita misericórdia divina".
O Novo Testamento viria devolver tudo o que fora tomado a Adão, Eva e seus descendentes, porém sob condições muito rígidas. Pra começar a eternidade passaria a ser delegada em outro plano, numa ressurreição semelhante à de Jesus (e alheia ao Judaísmo); seria a nova versão de imortalidade, e seria destinada a poucos, dados os requisitos de perfeição exigidos.
Existe aí um problema adicional, a dificuldade de um líder espiritual controlar o comportamento de seus discípulos ou daqueles que agem em seu nome. Isso era uma novidade que chegou a ser questionada em Mateus 19:
24 Então outra vez vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.
25 Os seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá pois salvar-se?
26 E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens isso é impossível, mas a Deus tudo é possível.
Bem, aqui Gianetti surge com um argumento consistente: "se a Deus nada é impossível, então por que ele não torna ao menos possível que a humanidade conquiste a perfeição cobrada por Seu filho?".
Há algumas explicações aqui:
- Todo Cristão vive na convicção de que Deus não tira os olhos dele. Tudo o que fizer ou pensar será registrado na contabilidade do Senhor. Esse controle não se limita às suas ações, mas invade o subjetivo, aquilo que pensa. Tudo nele é um livro aberto aos olhos Dele. A consequência disso é que o Cristão vive atormentado. Qualquer passo em falso será flagrado e computado.
- Em contraposição há os que entendem que o verdadeiro Cristão não é conduzido pelo medo. Ele não guarda consigo uma cópia da planilha Divina que possui seu nome. Ele age de forma totalmente descompromissada com a recompensa prometida.
- Mas a coisa vai mais além. Jesus condena o costume de exibir as boas obras e os gestos piedosos, como também a devoção pública. Ao contrário dos fariseus, o Cristão deve ser devoto sem ostentação e deve praticar a caridade sob anonimato.
- Indo ainda mais além, você não pode exibir a vaidade de ser devoto nem de ser caridoso, mas também estará proibido de sentir orgulho dessas práticas. "Mas quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita (Mateus 6:3)". Ocultar dos outros ainda é pouco, tu tens que ocultar de ti mesmo para assim eliminares o orgulho.
- Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Penha, Rio de Janeiro: "O diabo não vai paralisar a nossa adoração. Deus preserva a vida de quem crê. Ele está acima desse vírus". Missionário com o rosto descoberto às cerca de 1.000 pessoas no culto em 01/04.
- "A ciência salva vidas, a fé também". Augusto Aras (procurador geral da República), na sustentação oral no STF em defesa da liberação dos cultos decretada por Kassio Nunes Marques, recém indicado por Bolsonaro.
- "Os religiosos estão dispostos a morrer pela liberdade de culto e de religião". André Mendonça, advogado geral da União, na mesma ocasião.
- Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, vende feijões que curam a Covid.
- Davi Góes, da Assembleia de Deus de Canaã, Fortaleza, prega que a vacina CronaVac causa câncer e tem HIV dentro dela.
- Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, diz que o coronavírus é "uma tática de satanás"
- Datafolha: 49% dos evangélicos são contra o isolamento social, 46% não temem ser infectados, 14% não querem ser vacinados.
Como meu comentário não foi repito-o.
ResponderExcluir....
Que tristeza se transformou o evangelismo no Brasil, quanta ignorância e negativismo! Sou criado em igreja evangélica e nada disso era pregado na nossa Igreja Prebiteriana em Curitiba, pelo contrário eram sempre com ideias progressistas. Além Pastores com muita bagagem de estudo. E a parte comercial então ... chega a ser vergonhosa hj, como no tempo das indulgências.