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O Planeta apresenta a Fatura

A manchete é requentada mas nos chega nos jornais de 10 de agosto muito mais assertiva: PLANETA ESQUENTARÁ 1,5ºC ATÉ 2040. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU a Terra está esquentando a uma velocidade maior que a prevista. A alta da temperatura em relação ao período pré-industrial deve atingir 1,5ºC entre 2.030 e 2.040. 

Fiz uns cálculos pegando informações esparsas que afirmam o seguinte:

  • Hoje a Terra está 1,1ºC mais quente que em 1.850 (período pré-industrial),
  • A temperatura média atual da Terra é de 15,0ºC,
  • Logo, em 1.850 a temperatura média da Terra devia ser de 13,9ºC,

Um grau e meio pode parecer pouco, mas se em 1.850 a temperatura média da Terra era de 13,9ºC, isso representa um aumento de 10,7%. O que é mais preocupante é que esses 1,5ºC vão ser atingidos 10 anos antes do que se previa anteriormente a esse relatório. Os negacionistas insistiam em alegar que essa mudança climática é cíclica e a atividade humana pouco tem a ver com isso. Chegou a hora de mudar de opinião, a exemplo daqueles que ainda acham que a Terra é plana. 

Segundo Paulo Artaxo (USP), autor líder de um dos capítulos do Relatório, nenhum dos países signatários do Acordo de Paris, que definia metas auto impostas de combate ao aquecimento global, vai cumpri-lo, e mesmo se todos cumprissem a temperatura da Terra pode chegar a ter um aumento de 2,6ºC. Se ninguém cumprir o acordo a temperatura pode ter um aumento de 4,0ºC. Ou seja, a Terra está tendendo a uma aumento de temperatura que oscila entre 18,7% e 28,8%, e a temperatura média pode chegar a algo entre 16,6ºC e 17,9ºC entre 2.030 e 2.040.

Os efeitos desse aumento serão devastadores. Os cenários futuros descritos no relatório nos levam aos seguintes valores:

  • Frequência de secas em relação ao período pré-industrial:
    • Hoje (aumento de 1,1ºC) - 2 vezes mais secas
    • Aumento de 1,5ºC - 2,4 vezes mais secas
    • Aumento de 2,0ºC - 3,1 vezes mais secas
    • Aumento de 4.0ºC - 5,1 vezes mais secas
  • O dia mais chuvoso da década irá acontecer com maiores frequências:
    • Hoje (aumento de 1,1ºC) - 1,3 vezes
    • Aumento de 1,5ºC - 1,5 vezes
    • Aumento de 2,0ºC - 1,8 vezes
    • Aumento de 4,0ºC - 2,8 vezes
Resumindo: na medida em que a temperatura média da Terra aumentar e iremos ter mais secas a mais inundações. Os pesquisadores que avaliam a saúde do planeta criaram 31 parâmetros de acompanhamento, e a conclusão a que chegaram foi que 18 deles apresentam resultados preocupantes. O Relatório dessa pesquisa foi publicado na revista BioScience (World Scientists’ Warning of a Climate Emergency 2021 | BioScience | Oxford Academic (oup.com)), e as maiores preocupações estão focadas no aumento dos níveis de metano e dióxido de carbono na atmosfera, no derretimento das geleiras e o consequente aumento do nível do mar e das temperaturas dos oceanos.

A contribuição do Brasil que sediou a Rio92 nesse processo e já foi referência em termos de política ambiental, passa pelo desmatamento da Amazônia, mas existem outros sintomas que estão levando o planeta a uma situação de caos. Além do aquecimento global existem outros problemas que precisam de ações imediatas e de uma maior conscientização da população. 

Em adição ao efeito estufa, que é o processo pelo qual a Terra não consegue se livrar da radiação infravermelha que sua superfície emite, que é absorvida por gases gerados pela ação humana, os cientistas analisaram dados de satélite entre 2.001 e 2.020 e concluíram que o planeta não está devolvendo ao espaço energia suficiente para compensar a luz solar que chega. Se acreditava que esse fenômeno era devido a um desequilíbrio climático momentâneo, mas os dados confirmaram o contrário, e mostraram ser muito improvável que esse desequilíbrio se dê por variações naturais. 

Estamos recebendo a mesma quantidade de luz solar mas refletindo menos. Me impressionou a explicação que isso se dá porque estão havendo mudanças para menos na cobertura das nuvens e nas superfícies geladas. O gelo marinho e as nuvens são brancos e brilhantes e são um refletor melhor que a água marinha, e na medida que ele derrete a Terra reflete menos.  90% desse calor é armazenado nos oceanos e este é o resultado dos fenômenos que nos agridem com periodicidade cada vez maior.

A Figuras abaixo dão uma ideia do nível de detalhe como o estudo foi realizado. Vamos ver o que eles nos dizem. As Figuras 1 apresentam os fatores que influenciam o clima e as Figuras 2 apresentam os impactos resultantes:
Figuras 1a,1b,1c,1d
Figura 1a - Mostra o crescimento da população humana de 1960 em diante. Nota-se que em 2.020 ela está chegando a 8 bilhões de pessoas.
Figura 1a - Mostra a taxa de fertilidade feminina no  mesmo período (nascimentos por mulher), que se inicia em 3,25 e tende a menos de 2,5, um número ainda grande e que se concentra exatamente nas regiões pobres do planeta.
Figura 1c - Mostra a população de gado ruminante, que pela primeira vez superou mais de 4 bilhões de cabeças, 50% da população humana. Isso representa uma massa maior que a de toda a humanidade e a de animais selvagens juntos.
Figura 1d - Mostra a produção de carne per capita em kg/ano. Ela sofreu uma queda recente de 5,7% (vide figura), em função do surto de febre suína na China, mas a tendência é de crescimento, a não ser que aconteça uma mudança global para uma dieta vegetariana ou o uso de substitutos para a carne.
Figuras 1e,1f,1g,1h
Figura 1e - Produto Interno Bruto mundial em trilhões de dólares. Vê-se uma queda em 3,6% em 2.020 função da Covid seguida de uma recuperação. Está perto de de US 90 trilhões.
Figura 1f - Perda da cobertura de árvores em milhões de hectares/ano. Atualmente ela oscila em torno de 25 milhões de hectares/ano. 
Figura 1g - Perda da Floresta Amazônica Brasileira em milhões de hectares/ano. Já chegou a 3 milhões de hectares/ano, pouco em relação à perda total mas se considera que a floresta tropical tem importância maior. Houve um crescimento em 2.019 e 2.020 decorrente da política atual do governo de relaxar a fiscalização.
Figura 1h - Consumo de energia. De cima para baixo: óleo, carvão, gás e solar/eólica. A geração hídrica e a nuclear não estão consideradas aqui, mas juntas hoje respondem por apenas 8% do total. Aqui temos que levar em conta que as três primeiras são altamente poluentes.
Figuras 1i,1j,1k,1l
Figura 1i - Transporte aéreo em bilhões de passageiros/ano. Houve uma grande queda com a Covid e o planeta agradeceu. 
Figura 1j -  Desinvestimento em trilhões de dólares. Houve um forte aumento entre 2.018 e 2.020, em função da uso menor de energia e a a queda resultante do seu preço.
Figura 1k - Emissão de CO2 em gigatoneladas equivalentes/ano, chega a 34 gigatoneladas/ano.
Figura 1l - Emissão de CO2 per capita em toneladas equivalentes/ano. Cada ser humano responde por 4 toneladas equivalentes de CO2/ano. 
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Figuras 2a,2b,2c,2d
Figuras 2a, 2b e 2c - Essas figuras trazem a evolução em partes por milhão da concentração de Dióxido de Carbono (CO2), Metano (CH4) e Óxido Nitroso (N2O). Esses 3 gases são importantes na geração do efeito estufa. Isso levou 2.020 a ser o segundo ano mais quente, apesar da Covid, e todos os 5 anos mais quentes aconteceram após 2.015.
Figura 2d - Anomalia na temperatura da superfície em ºC desde 1.870.Oberve o crescimento acentuado no fim da curva.
Figuras 2e,2f,2g,2h
Figura 2e - Cobertura mínima (verão) do gelo do Ártico (em 40 anos) em milhões de km2. Observem a queda de ~7,3 para ~4,5 km2.
Figura 2f - Perda da massa de gelo da Groelândia (em 20 anos) em gigatoneladas.
Figura 2g - Perda de massa de gelo da Antártida (em 20 anos) em gigatoneladas.
Figura 2h - Mudança da espessura glacial (em 60 anos) em metros equivalentes de água.
Figuras 2i,2j,2k,2l
Figura 2i - Mudança do conteúdo calórico dos oceanos (em 15 anos) em 10^22 joules. Aqui se vê uma mudança de 150%.
Figura 2j - Acidez dos oceanos (em 30 anos) em pH. A diminuição acarreta o aumento da acidez e se deve ao aumento do gás carbônico (CO2) que se dissolve na água, aumentando o seu equilíbrio químico
Figura 2k - Mudança do nível do mar relativa a uma média de 20 anos.
Figura 2l - Área queimada nos Estados Unidos em milhões de hectares/ano. Sem querer defender a política atual do nosso governo, convém dizer que os irmãos do norte também não são modelo a ser seguido. 

Essas são as causas principais e os efeitos que delas resultantes. Procurei uma forma de fechar esse Post com uma mensagem de otimismo e não consegui. Resolvi recorrer a um parágrafo de um livro que estou lendo, que me foi presenteado por um grande amigo que vive nos Estados Unidos. Trata-se de "The World, a Brief Introduction - O Mundo, uma Breve Introdução". 

O autor Richard Haass tem uma carreira importante na diplomacia e na política americanas, e resolveu escrever esse livro ao perceber aquilo que todos nós pobres não americanos já sabemos: o Império atual sabe pouco sobre os seus domínios. O capítulo em que ele trata da Mudança Climática termina com o parágrafo abaixo que reflete com exatidão o estado em que nos encontramos:

"Na falta de uma revolução tecnológica que transformasse o uso da energia a nível global, devemos nos preocupar, até mesmo nos alarmar, com o impacto futuro no mundo da mudança climática. É o desafio global maior o fato que nenhum país isoladamente pode resolver este problema, e não há como nenhum país isoladamente se proteger de seus efeitos. A geração de uma resposta coletiva necessária, no entanto, parece altamente improvável. Como resultado, a mudança climática deverá certamente ser o tema essencial deste século"
Richard Haass - The World - a Brief Introduction

Comentários

  1. Fontenelle, excelente postagem. Realmente não há proteção para ninguém contra a ação climática. Precisamos de ter a consciência disso e atuarmos em conjunto. Certamente que artigos como este ajudam no processo. Parabéns.

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  2. Houve uma época que estava tão preocupado com este assunto que influenciei o meu filho a se especializar no Mercado de crédito de carbono definido em Kyoto. Não contava com o que ocorreu: os EUA e a Austrália bombardearam esse Mercado. Meu filho teve que refazer seus planos profissionais.
    Admiro pessoas como você, caro amigo, que procuram contribuir para evitá-lo mas confesso estar descrente de que vamos sair ilesos do "tsunami climático que se avizinha.

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