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Lição Número Dois: O Socialismo

Continuando com o pensamento de Mises, vamos na Lição 2 falar do Socialismo. Brevemente. Comecemos por uma definição de mercado: é um processo por meio do qual as pessoas, ao produzir e consumir, contribuem para o funcionamento da sociedade. Um mercado plenamente ativo possui o que se costuma chamar de liberdade econômica, e essa liberdade é fundamental na preservação das outras liberdades, já que é ela que faculta às pessoas o poder de escolher como se integrar ao conjunto da sociedade.
Existem correntes filosóficas que defendem que as liberdades de expressão, de pensamento, de imprensa, de culto, de não encarceramento sem julgamento, podem ser preservadas na ausência da liberdade econômica. Isso é uma ilusão, já que em um sistema desprovido de mercado todas as outras liberdades são ilusórias, ainda que explicitadas em lei ou na constituição. Por exemplo se o governo for o dono de todas as máquinas impressoras, ele quem vai determinar o que deve ou não ser impresso, e nesse caso não haverá crítica e a liberdade de imprensa não existirá. A Internet é uma contribuição enorme para limitar o poder de fogo do governo contra a imprensa livre, mas um governo como o chinês estende seu poder até sobre a Internet.
A liberdade de escolher sua carreira em um sistema de planejamento centralizado é definida pelo governo, assim como a liberdade de ir e vir: o governo pode decidir que a presença de um eminente cidadão que não seja exatamente do seu apreço é necessária em outra localidade. A confusão que se faz é que a liberdade em uma economia de mercado exige que o homem aceite ser uma parte produtiva da sociedade, o que para os adeptos da lei natural de Rousseau já é um fator limitante. A ideia de que o homem nasceu livre e o mercado o acorrenta talvez seja de um apelo romântico, mas a verdade é que o homem não nasceu livre; ele nasceu frágil e sem a proteção dos pais, e sem a proteção que a sociedade deu a esses pais, não teria sobrevivido.
A economia de mercado é o único sistema que permite ao homem a liberdade na sociedade, que faz com que ele dependa dos demais da mesma forma que os demais dependem dele. No sistema capitalista nos intrigamos com o fato de que o chefe está sempre dando ordens; é aquilo que podemos ver. O que não podemos ver é o motivo que leva o chefe a dar essas ordens, e a probabilidade de elas serem resultado da reação dos consumidores, dentre os quais se incluem os subordinados do chefe, é enorme.  Dito isso, podemos inferir que os erros do capitalismo decorrem em última instância dos erros que o consumidor comete, e toda vez que o capitalismo tropeça, pode ter certeza de que de alguma forma as leis do mercado foram agredidas.
Vou dar um exemplo forte e claro: a Lei Seca nos Estados Unidos. Não resta dúvida que o álcool, o fumo, etc., são prejudiciais, mas havia um mercado de bebidas alcoólicas, com clientes e produtores vivendo em harmonia. O americano tinha a liberdade de beber, o corpo não era tudo para ele e na sua visão essa liberdade era mais importante que cuidar do seu corpo. O cerceamento dessa liberdade resultou em um crescimento da criminalidade a níveis nunca antes vistos. Foi uma decisão totalitária, dava a partir de uma campanha conduzida por uma lunática chamada Carry Nation, que acreditava em função do nome ter a missão de carregar nas costas a nação. Num regime realmente democrático o combate ao álcool, ao fumo, o controle de armas, tem que ser precedido de uma campanha educacional e contar com o apoio da sociedade, sem o que não terá sucesso.
Levando um pouco adiante esse raciocínio, uma sociedade que combate o álcool de forma unilateral pode muito bem combater ler maus livros, ouvir música ruim, assistir a maus filmes, e se ver no dever de impedir que esses erros sejam cometidos. Hitler, que tinha sido reprovado no exame de admissão da Academia de Arte de Viena, tornou ilegais pinturas que divergissem do seu gosto.
É necessário que se compreenda que liberdade inclui liberdade de errar. A ninguém cabe o direito de impedir as pessoas de fazer determinadas coisas simplesmente porque um determinado indivíduo não quer que elas sejam feitas, à revelia do que pensa a sociedade.

Karl Marx, que eu não conheço em profundidade mas vou repetir o depoimento de Mises, sustentava que a sociedade se dividia em classes, mas dava como exemplo condições sociais pré-capitalistas: as castas da Índia, a aristocracia européia de modo geral. O indivíduo herdava o status dos pais e o conservava por toda a vida. Foi nesse caldo europeu que ele concluiu haver um conflito de classes inconciliável. A aristocracia francesa, por exemplo, não tinha os franceses das classes inferiores como seus concidadãos; seus iguais eram os aristocratas dos outros países. O francês era uma língua comum em toda a Europa para a aristocracia, a classe média falava a língua local e o campesinato falava dialetos. As roupas serviam para identificar a que classe pertencia um transeunte. Hoje isso é mais difícil de ver. As diferenças ainda existem, mas elas são muito mais fruto da diversidade de opinião que propriamente da distinção de classes.

Os exemplos estão aí: Henry Ford, Amador Aguiar, pessoas que começaram sua carreira no mais baixo degrau da hierarquia e se tornaram presidentes de suas instituições. Nem todos conseguem, é preciso que exista força de vontade, que apenas uns poucos têm, mas os caminhos existem e foram criados a partir da economia de mercado que lhes trouxe a liberdade de escolha.

O sistema socialista a autoridade econômica detém o poder de determinar todas as questões que se referem à produção; é o que eles chamam de planejamento central, feito pelo governo, que evidentemente impede que empreendedores privados façam o seu próprio planejamento. Ao ser submetido ao planejamento central, o homem se torna um soldado de um exército, a quem não cabe mais decidir em que praça servirá. A vontade do ditador supremo prevalece, e o que ele não sabe não será levado em conta. Para que uma idéia seja levada adiante não basta sair ao mercado e convencer investidores que a idéia é boa; é preciso convencer o corpo governamental, já que apenas ele tem o poder de decisão.

Apenas os medíocres defendem esse tipo de governança, em que a meritocracia é substituída pela proximidade do poder. Os artistas que defendem que o governo deve subsidiar as artes estão na verdade tentando substituir o mérito que eles não conseguiram por um apadrinhamento junto aos poderosos. Tomemos Van Gogh por exemplo; ele vendeu apenas uma tela em toda a sua vida, viveu às custas do irmão e se suicidou aos 37 anos. O que teria acontecido a Van Gogh em um sistema socialista? Ele seria avaliado por uma comissão de notáveis que com certeza teriam concluído que ele não era digno de um subsídio, e seria mandado para uma indústria de laticínios ou para um hospício. No entanto, é justamente entre os artistas, entre os intelectuais em geral, que as idéias socialista florescem com mais vigor, e o motivo disso é que a mente voltada para as artes de forma geral não possui intimidade para o cálculo, para a disciplina matemática, para as minúcias envolvidas no acompanhamento de um processo produtivo, numa prestação de serviços. Eles estão mais próximos da liberdade metafísica defendida por Rousseau.

No mesmo momento em que o socialismo decide abolir o mercado, todo o cálculo baseado no mercado desaparece e dá lugar a cálculos talvez até exequíveis, mas sem qualquer referência de viabilidade econômica, já que não é fechada a realimentação ditada pelo mercado, que implicaria, se necessário, em revisões de estratégia.

Podemos simplificar essa questão de uma forma bem simples: no regime capitalista o vendedor fica satisfeito ao ver que o seu produto agrada ao consumidor; já no regime socialista quem tem que ficar satisfeito é o comprador por lhe ser facultado o acesso ao produto.

Comentários

  1. Por acaso vi uma palestra no utube de um tal de Olavo Carvalho, dizendo que o socialismo economico nunca existiu, é um sistema político e que por sinal domina o mundo na sua forma "fabiana" . O cara é engraçado. O passado pode ser comico, o futuro é que apavora.
    Tem muito desafio neste planeta que estes sistemas não tem como enfrentar, porque estão baseados no crescimento e na centralização do poder e da informação.

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    1. Cuidado com ele. A Sociedade Fabiana pregava uma busca do socialisno pela reforma gradual, não pelos meios revolucionários do marxismo.

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