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Lição Número Três: O Intervencionismo

Continuando com o pensamento de Mises, em que estou me baseando no livro "As Seis Lições", vamos tratar de um assunto que persegue de forma sistemática todos os países "down the Equator". A ocasião é propícia para uma análise dessa praga que nos persegue nessa parte obscura da América, banhada de sol e mergulhada na mais negra concepção de como se deve governar: estamos passando talvez pela pior fase em termos de qualidade de governo, com os nossos messias se arvorando no dever de intervir em todas as facetas da nossa sofrida existência.

O que se quer discutir aqui é a função do governo, já que se entende que "o melhor governo é aquele que menos governa". Resumidamente a função primordial de um governo é a proteção das pessoas, tanto a nível interno como externo. Na economia de mercado pode-se dizer que a principal incumbência do governo é proteger o funcionamento básico dessa economia, tanto dentro como fora do país.

Nas condições em que se encontra a nossa economia, não podemos falar em economia de mercado pura. Vamos então chamar esse estado de coisas de "economia mista", onde o governo é proprietário e gestor de grandes e importantes empresas.

Vamos analisar rapidamente o que se passa em uma empresa administrada pelo governo. Ele tem que contratar pessoal para trabalhar nessas empresas; tem também que comprar matérias primas  e vender os serviços ou mercadorias para o público. Até aqui não vemos diferença entre o patrão governo e o patrão empresário; ela começa a aparecer no resultado: se houver déficit na operação, o governo tem todas as condições de financiar esse déficit, pois sua capacidade de financiar essa empresa é ilimitada. A situação do empresário é diferente: se a empresa não der lucro no médio prazo ela vai à falência e acaba. Daí se entende que a preocupação com a eficiência deve ser muito maior em uma empresa privada que em uma estatal.

Tudo bem que um governo decida participar com empresário em áreas que a sociedade considere estratégicas. Essas empresas certamente não serão eficientes e a sociedade prazerosamente vai arcar com os déficits decorrentes dessa política. É provável que mais tarde a sociedade se canse dessa situação e eleja um governo que promova a privatização desses "dinossauros". Essa história é bem conhecida. O Intervencionismo é mais que isso; ele se revela pelo governo desejoso de ir além. Ele interfere nos processo como opera o mercado; interfere nos preços, nos salários, nas taxas de juros e no lucro. A finalidade dessa interferência é a de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de forma diferente da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores. O objetivo é a restrição do poder do consumidor, arrogando para si aquilo que a economia de mercado atribui aos consumidores.

Tomemos como exemplo o controle de preços, medida altamente praticada em nosso continente. Ele acontece em seguida a um excesso de oferta de moeda que resultou num aumento da inflação. Mises cita um exemplo interessante, anterior à invenção da imprensa. Um imperador romano, Diocleciano, resolveu aumentar a oferta de moeda pelo único meio disponível na época; a adulteração, misturando à prata quantidades cada vez maiores de cobre. Como consequência dessa aumento de dinheiro em circulação veio uma alta de preços, seguida de um decreto para controla-los. Dizem os historiadores que o Império Romano nunca se recuperou da desintegração social decorrente dessa medida.

Mas por que o controle de preços não funciona? É comum se ouvir que "para dar eficácia ao controle de preços é necessário apenas ser implacável". Diocleciano foi implacável, já que naqueles tempos não havia muita moderação em aplicar a pena de morte. Um exemplo clássico que permeia as diferentes épocas é o do preço do leite, dado que ele é um insumo de grande importância. Na ausência de chuvas ele costuma subir e a sociedade reclama. O governo resolve investir em popularidade e decreta o controle sobre o preço do leite. O preço menor provoca um aumento de demanda, ao mesmo tempo em que os produtores começam a sofrer prejuízos. Chega-se a um ponto de inflexão: o empresário privado não pode sofrer prejuízo, logo, ele para de fornecer leite; vende suas vacas para o abate ou passa a fabricar derivados do leite. A interferência do governo resultou em menor oferta do produto juntamente com a ampliação da demanda. O resultado é a criação de filas nos locais de venda e de um mercado negro do leite, a preços muito maiores que os definidos pelo governo. O governo então se sente frustrado: antes de sua intervenção o leite era caro, mas era possível comprá-lo; agora a quantidade disponível é insuficiente. A medida seguinte é o racionamento, o que vem a se traduzir em que alguns privilegiados vão conseguir leite e outros ficam sem o produto, e isso é definido de forma arbitrária. Por exemplo, crianças com menos de 4 anos recebem, crianças com mais de 4 anos não recebem, ou recebem a metade. A população está mais descontente que antes do controle do preço do leite; o governo vai então aos produtores e os questiona. A resposta é que os custos de produção são superiores ao preço estipulado pelo governo. Pois bem, vamos então definir um preço máximo para a ração. O processo se repete; a ração some do mercado, e o governo passará a controlar os insumos necessários à produção da ração. Abrir mão do controle de preços passa a ser fora de questão, já que o governo está convencido de que esse caminho não tem volta. A médio prazo ele estará controlando o preço da carne, dos ovos, da mão de obra, já que, na sua visão curta, sem o controle salarial o controle dos custos seria um contra-senso. Para que se evite a migração da mão de obra para os artigos de luxo, torna-se necessário controlar também os bens supérfluos, e por aí vai.

Para os que acham que esse procedimento é coisa que pertence ao passado, já que as lições de Mises datam de 1958, vejamos como está se comportando a nossa economia. Há anos o governo obriga a Petrobrás a manter baixos os preços dos combustíveis, isso para manter baixos os índices de inflação (digo baixos antes de levarmos em conta a absurda carga de impostos). Com isso a Petrobrás, um quase monopólio de prospecção de petróleo, teve que diminuir em muito o seu investimento em novas fontes de óleo. Seu valor no mercado caiu a ponto de ser suplantada pela Ambev, uma fabricante de cerveja. Sua produção tem diminuído de forma sistemática. Por outro lado o produtor de álcool começou a ter problemas com o preço baixo da gasolina: como o álcool tem poder energético em torno de 70% do da gasolina, ele tem que ser mais barato, mas os seus custos de produção subiram a ponto de torna-lo não competitivo em relação à gasolina. O consumo do álcool diminuiu e a procura pela gasolina aumentou. Veio a necessidade de se aumentar a importação de gasolina, o que tornou mais crítica a situação da Petrobrás. Resumindo: a Petrobrás está sendo sacrificada numa tentativa inútil de se controlar a inflação. Especialistas dizem que será necessário um aumento de 15% no preço do combustível para que a Petrobrás consiga cumprir o seu plano de investimento. O governo não deve permitir mais que 7%. Não duvidem se a próxima etapa vai ser definir qual deve ser o consumo de cada proprietário de automóvel. Isso depois do governo, de forma irresponsável, ter facilitado através de crédito fácil e diminuição de impostos, a aquisição do automóvel, aumentando em muito a circulação de carros em uma infraestrutura que não foi preparada para tal. O resultado foi uma explosão na procura de combustível.

Outra forma de intervencionismo muito praticado no Brasil atualmente é o protecionismo: o governo procura isolar o mercado interno do mercado mundial, introduzindo tarifas que elevam o preço interno da mercadoria acima do preço em que é cotada a nível global, o que possibilita aos produtores nacionais a formação de cartéis. Esse aspecto já foi analisado em post anterior, "O Equívoco Brasileiro", onde analisamos o caso da indústria automobilística nacional, mas ele merece um pouco mais de atenção: o governo, que através de sua própria interferência, possibilitou a criação de cartéis, acaba por se voltar contra eles com o argumento de que, se há cartéis, torna-se necessário interferir. O cidadão mal informado e inconformado com a situação vai dar todo o apoio a essa interferência, dizendo: "o governo tem que fazer alguma coisa a respeito, para isso existe o governo". Esse caldo de cultura é antigo, anterior à própria democracia moderna, quando o populacho acreditava que cabia ao rei a proteção dos seus interesses, e o que ele decidisse era o melhor. Não é nesse caso. A doutrina de que um rei ungido era o mensageiro de Deus e possuía poderes sobrenaturais levava pessoas a procura-lo para que, com um simples toque, curasse as suas doenças. Isso permanece até hoje no nosso imaginário, e é aproveitado à exaustão pelas nossas lideranças latinas.

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