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A Primeira Guerra Mundial

A mídia tem se debruçado insistentemente sobre o episódio ocorrido 100 anos atrás, a Grande Guerra, o qual, após o segundo episódio ocorrido algumas décadas depois, passou a se chamar de Primeira Guerra Mundial. O segundo episódio, a Segunda Guerra Mundial, não foi mais que uma extensão do primeiro.

É claro que não podemos "comemorar" essa tragédia que envolveu, apenas nos cinco países aliados mais importantes (Rússia, Inglaterra, França, Itália e Estados Unidos) e nos impérios centrais (Alemanha, Império Austro-Húngaro, Império Otomano e Bulgária), um total de 62 milhões de soldados, com 8 milhões de mortos, 7 milhões de desaparecidos ou prisioneiros e 21 milhões de feridos. Estamos falando apenas dos soldados, não dos civis, pois nesse caso o número total de mortos deve se aproximar de 15 milhões.

Tony Judt, o grande historiador inglês, autor do clássico "Pós Guerra, Uma História da Europa desde 1945", defende que houve uma guerra que se iniciou em 1914 e durou 30 anos, sendo que a Primeira Guerra Mundial foi um massacre traumático no qual nada foi resolvido. A Alemanha, ao contrário do que se pensou na época, não foi esmagada na guerra, e ressurgiu 25 anos depois dominando quase toda a Europa. Como ela não pagou as dívidas que resultaram da Primeira Guerra, o custo da vitória para os aliados acabou mais alto que o custo da derrota dos Alemães, que ressurgiram mais fortes do que em 1914.

Os países que sobreviveram ao colapso dos velhos impérios eram pobres, instáveis, inseguros e rancorosos em relação aos seus vizinhos. No período entre as duas Grandes Guerras grassou a ideia de que as nações derrotadas estavam apenas aguardando a oportunidade para impor um reajuste em seus territórios. A estabilidade internacional não foi restaurada e o equilíbrio entre as potências nunca foi alcançado. Nada foi aprendido com a violência da guerra, e o que houve foi tão somente um interlúdio resultante da exaustão das partes envolvidas.

A Europa se transformou em terreno fértil para as ideias revisionistas, onde imperou o nacionalismo exacerbado, o preconceito racial, a luta de classes e a guerra civil. Não havia nada a se esperar de um ambiente desses a não ser o retorno do terror e um segundo tempo de Guerra Mundial. Isso ia de encontro ao que se pensava em 1914, no início da Grande Guerra, a qual seria a "guerra que iria acabar com as guerras", na visão do escritor H.C. Wells: o mundo já perdeu, desde meados de 1914 até hoje, algo em torno de 130 milhões de pessoas em conflitos armados.

Um fator que fez as perdas se estenderem de forma absurda foi a duração das batalhas. A de Verdun, uma das mais cruéis, durou de 21 de fevereiro a 19 de dezembro de 1916, e resultou em 286 mil mortos e 412 mil feridos. Havia um fator novo que fazia as batalhas durarem tanto: o trem. Com ele o reabastecimento das frentes de batalha ficava muito mais fácil e rápido, bem diferente das batalhas anteriores, que tinham de ser resolvidas antes que acabassem os mantimentos e as munições. Em suma, o que chamamos hoje de "logística" foi o fato novo nos campos de batalha.

Este blog já disse alguma coisa a respeito da decadência do continente europeu, e na minha opinião, muito modesta por sinal, a Europa não soube como gerenciar a perda de suas colônias. Melhor dizendo, ela não podia mais manter o seu modelo de bem estar social sem a entrada das riquezas provenientes de suas possessões. Isso a levou a se voltar para os vizinhos, e essa situação na verdade perdura até hoje, principalmente nos Estados do leste.


Tomemos o mapa acima. A chamada Europa Ocidental, em amarelo, compreende a Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Islândia, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Mônaco, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça. São 18 países em uma área que é bem menor que a brasileira. Junte-se a isso a chamada Europa Oriental, esta ainda não consolidada, a ponto de hoje mesmo estarmos vivendo uma situação de pré guerra em vários locais. A tentativa de se juntar tudo isso em um bloco unificado está cada vez mais precária, sendo contestada em praticamente todos os Estados, à exceção da Alemanha.

Onde eu quero chegar? Eu quero chegar a uma conclusão triste: Os ecos da Grande Guerra continuam a castigar os ouvidos europeus. A situação econômica do continente, com exceção da alemã, é precária. A União Européia impõe um modelo institucional que não é compatível com a situação em que se encontram os países meridionais, que estão mais próximos dos Estados latino-americanos. Mesmo nos países mais desenvolvidos, partidos contrários à União Européia levantam bandeiras da xenofobia, o que no fundo acaba respingando nas instituições democráticas, Os políticos fazem uso do nacionalismo para se aproveitar do ciclo de crise do capitalismo para fazer valer seus argumentos.

Existem os que acreditam que as instituições europeias são fortes o suficiente para suportar tudo isso. Eu tenho as minhas dúvidas.

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