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O Trabalho no Século XXI e suas implicações na Economia

Como já mencionei em Posts anteriores, estive em abril - maio na Austrália, mais precisamente em Melbourne, visitando a parte na família que mora lá. Um dia meu Neto de 21 anos me convidou pra almoçar num restaurante no bairro onde mora, que era o seu preferido. Ao sairmos pra almoçar começou uma chuva e ficou complicado andarmos uns 200 metros para pegarmos um ônibus que nos deixaria na porta do restaurante. Meu Neto imediatamente consultou seu celular e disse:

- Vovô, tem um Uber a 3 quilômetros daqui, vou chamá-lo.

Em minutos o carro, um Corolla do ano, estacionou na porta de nossa casa. Entramos nele, eu, minha Mulher e meu Neto, e seguimos para o restaurante. Chegando lá descemos e não fizemos mais que agradecer ao motorista. A conta seria paga no cartão de crédito do meu Neto.

Foi o meu primeiro contato com o Uber, o aplicativo criado em São Francisco, atualmente avaliado em 40 bilhões de dólares, e que está sendo alvo da sanha arrecadadora dos governos do mundo inteiro e da relação incestuosa entre os sindicatos de taxistas e as autoridades. Como na Austrália o Uber foi aceito sem grandes problemas, fiquei motivado a entender o que faz esse aplicativo ser a causa de tanta celeuma.

Abri o Mercado Livre á procura de um ponto de táxi para comprar. Encontrei entre outras a seguinte oferta:
Isso quer dizer que um Gran Siena com ponto em Ipanema (Rio) sai pela bagatela de R$ 250 mil. Andei investigando em Campinas, onde moro, e os preços em lugares equivalentes a Ipanema chegam a ser até mais caros. Outra coisa a ser levada em conta é que raramente você viaja de táxi com o motorista sendo o dono. O que ocorre é que o dono do carro e do ponto tem vários carros e os aluga por turnos para os motoristas que não têm como adquirir o carro, muito menos o ponto. 

A revista The Economist de 06/07 traz uma reportagem instigante sobre o Uber o o McDonald's, analisando as ações trabalhistas contra essas duas empresas, e as implicações que essas ações vão trazer à economia dos países que não souberem lidar com elas. Segundo a revista, "não há nada de que os franceses gostem mais do que resistir ás forças do capitalismo anglo-saxão". Os motoristas franceses paralisaram Paris em protesto contra o Uber, e quatro dias depois a polícia deteve dois gerentes da empresa sob acusação de Atividade Ilícita. Para o Uber, Paris é apenas uma das mais de 300 cidades atendidas por seus motoristas. Ele está mais preocupado com o que está acontecendo no seu quintal, São Francisco.

A questão se resume em definir se um motorista que usa o Uber é um funcionário da empresa ou um prestador se serviços independente. O Uber perdeu em primeira instância e vai ter que apelar para as instâncias superiores, sob pena de ver seu valor na Bolsa despencar em função dos custos trabalhistas com que vai ter que lidar. 

Para o Uber o argumento é o que a empresa não é mais que uma formadora de mercado, que opera um site onde compradores e vendedores de corridas podem se encontrar. Seus motoristas são todos donos dos carros e definem seu horário de trabalho. Eles podem inclusive prestar serviços para concorrentes do Uber, como o Lyft. Contra o Uber poderia pesar o argumento de que ele exerce um certo controle sobre os motoristas, levantando sua ficha criminal e excluindo aqueles que recebem nota negativa dos clientes. Convenhamos que esses são argumentos frágeis.

Acontece que não é só o Uber que está tendo problemas trabalhistas nos Estados Unidos. O McDonald's está sendo ameaçado de ser tratado como empregador solidário dos funcionários de suas redes de franquias. O argumento da empresa é o de que as franqueadas contratam e demitem os funcionários e tocam o negócio no dia a dia, mas as autoridades alegam que as regras de funcionamento são estabelecidas pela empresa, que determina como os funcionários são treinados. 

O que temos em ambos os casos é o fato que a legislação trabalhista não acompanha as transformações do mundo moderno. Essas leis, em todos os países, são "archaicas", e disso se aproveitam os governos e os sindicatos para atrapalhar o progresso em todos os tipos de serviço. No tempo em que as leis foram criadas, sua função principal era dar proteção aos empregados das fábricas. Havia uma diferença nítida entre os que trabalhavam em tempo integral e os prestadores de serviço. O crescimento das franquias e a criação de empresas como a Avon, a Natura, que usam freelancers para vender seus produtos, tornou essa distinção mais complicada. Ela veio a ser tornar imperceptível com a chegada da economia sob demanda, que permite que as pessoas vendam seu trabalho e aluguem seus ativos em tarefas de curta duração, acertadas através de um aplicativo de celular.

A economia sob demanda veio para ficar. Temos em nosso país um verdadeiro exército de motoboys que fazem de tudo, desde mototáxi a entrega de pizzas. Nas feiras temos aqueles garotos que levam nossas compras até o portão das nossas casas. Considerar os motoristas do Uber empregados da empresa iria tirar deles toda a flexibilidade que possuem, e junto com isso haveria menos oportunidade de trabalho em função da elevação dos custos trabalhistas.

O Brasil tem que levar em conta que Getúlio não é mais o nosso presidente. Há um desejo das pessoas de trabalhar em horários mais flexíveis, mas para isso elas vão ter que aceitar o fato que essa independência tem suas vantagens, mas há um preço a pagar. Na época em que trabalhava no Comercial de uma empresa de alta tecnologia, éramos obrigados a manter atualizado um "book" de todos os nossos instaladores. Para um funcionário da nossa terceirizada entrar em uma operadora de telefonia, por exemplo em uma instalação de Porto Velho, eu tinha que enviar comprovante de que essa terceirizada estava em dia com todas as suas obrigações trabalhistas, caso contrário eu não iria conseguir instalar o equipamento que vendi. O absurdo da alegação era de que esse funcionário, ao entrar no prédio da operadora, podia acioná-la como empregadora solidária.

Os países que se adaptarem rapidamente a essa nova realidade, como a Austrália, serão os que vão se beneficiar melhor das vantagens que ela traz. Os governos brasileiros, federal, estadual e municipal, poderiam lidar com o Uber de forma pragmática. financiando fortemente a aquisição de carros de bom padrão, definindo junto aos operadores de cartão de crédito uma forma moderna de taxação do faturamento, acabando finalmente com o regime semi escravo a que se submetem milhares de motoristas. 

P.S. - Vou tirar umas férias em Carolina - Ma, devendo retornar apenas em agosto. 

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