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A Carne Fraca e a Nossa Autoestima

Uma sociedade tem como valor principal a sua autoestima. A autoestima é uma avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si mesma. Diz a Wikipedia que essa característica envolve crenças e emoções, se estendendo para aspectos comportamentais. 

Conceitos subjetivos que poderíamos chamar de crenças poderiam incluir algo como "eu sou competente / incompetente, ou eu sou benquisto / malquisto". Daí a evolução para o emocional, como por exemplo "triunfo / desespero, ou orgulho / vergonha". E por fim desemboca no comportamento.

A sociedade com índices de autoestima baixos fatalmente é conduzida a uma situação em que tudo o que ocorre no seu entorno recebe uma reação que normalmente a leva a decisões equivocadas, em função do nível emocional em que ela se encontra. E essa é a situação em que está a sociedade brasileira. 

Um exemplo claro e recente é essa malfadada Operação Carne Fraca. Toda avaliação que for feita dela fatalmente nos leva à conclusão que tudo deu errado, que todas as ações foram conduzidas da pior forma possível.

Mas vamos começar do começo. Nosso país foi colonizado por povos da Europa Meridional, bem como toda a América Latina. Esses povos tinham a seu favor um clima mais ameno, o que os levava a enfrentar menos desafios e torná-los mais férteis e criativos em função da ociosidade que lhes era proporcionada. Exemplo disso são os legados deixados pelos gregos e romanos. Enquanto isso, ao norte, os povos tinham contra si o clima mais perverso, o que os obrigava a procriar menos, e não lhes sobrava tempo para as atividades ociosas. Essa diferença nos levou, de forma ilusória, a considerar que o Sul possuía mais qualidades que o Norte. Os romanos dominaram as tribos do Norte e criaram um Império enorme, que se estendeu da Britânia ao Egito. 

Esse Império cresceu com base principalmente no trabalho escravo. Roma conseguiu ter mais escravos que seus donos. A burocracia do poder público facilitava esse estado de coisas, e até os exércitos passaram a ser comandados por generais oriundos das terras conquistadas. O Império se tornou preguiçoso e entrou em decadência. Seus cidadãos, acostumados a viver à sua sombra, perderam a autoestima, eu diria para sempre. 

Contribuiu para isso a chegada do cristianismo, onde a promessa de uma vida pós morte de certa forma maquiava o sofrimento nessa vida. A autoridade exercida pelo Império passou a ser exercida pela Igreja, e se criou uma sociedade de Zumbis que viviam essa vida de olho na vida seguinte. 

As sociedades criadas no Sul da América possuem essas características. O lucro é pecado, o patrão é explorador, o Estado tem que nos proteger. Já as sociedades criadas ao Norte foram formadas por imigrantes ingleses que traziam consigo uma versão nova de cristianismo, onde o conceito de retorno do que nos proporciona o trabalho não é um pecado. O empreendedor é uma figura a ser cultivada, pois graças a ele nos veremos livres da tutela incompetente do Estado. 

Enquanto a França gestava um iluminismo de salão a Inglaterra montava uma estrutura que resultou na Revolução Industrial. Onde houve menos governo o progresso foi maior.

Agora vamos falar da nossa situação presente. Não há semana em que eu não receba pelo Facebook algum tipo de convite para concursos públicos. Parece que a nossa juventude está convicta que o concurso público é a solução da sua vida. Existe mesmo uma indústria que treina os nossos jovens para trilhar esse caminho. Sua realização se faz sob a proteção da garantia de emprego proporcionada pelo funcionalismo público. 

O Estado por sua vez incentiva os jovens a não serem empreendedores, tornando um inferno qualquer iniciativa de se criar algo que use sua inventividade. O politico, cioso disso, transforma o cargo público em uma negociata, já que para se eleger ele precisa do voto de quem está pedindo emprego. Não me venham culpar o político; somos nós quem votamos neles exatamente para que eles nos atendam em nossos pleitos desprovidos de autoestima.

Esse ambiente é terreno fértil ao surgimento dos Messias. Eles são de todo tipo, dependendo da ocasião, e parece que no momento o clamor é pela velha ditadura de direita, já que a semi ditadura de esquerda naufragou. Vamos ver no que dá esse estado de espírito em que nos encontramos. A meu ver, se o Sul mais progressista, em função principalmente do clima e da forte migração de europeus do Norte, não se unir para frear essa tendência, entraremos no velho ciclo que nos mantém no mesmo lugar. 

Agora vamos falar da Carne Fraca. Aqui ninguém é santo. Dos 27 superintendentes estaduais do Ministério da Agricultura, nada menos que 19 tiveram o nome indicado por políticos. Não venham com essa conversa que os processos de fiscalização são perfeitos. Não são. A senadora Kátia Abreu chegou a defender esses critério em uma emocionante defesa da classe que representa. Ela que foi Ministra da pasta. 

Já o CEO da Associação Nacional da Pecuária Intensiva, Nunes Saltão, apela para o Ranço Ideológico para explicar essa sistemática perseguição à classe pecuária. Ele está certo, mas reconhece que o agronegócio se comunica muito mal com a sociedade, não tem interesse em contar a sua história, deixando para a mídia a função de detratá-lo com seu viés de esquerda. Tendo a dar razão aos seus argumentos, mas acho que a ideologia é consequência da nossa formação latina. 

A Polícia Federal insiste em fazer palanque de tudo o que faz. O resultado foi que em 24 horas ela conseguiu derrubar nossas exportações de carne em 99,9%. Dia 20 de março nossas exportações tinham um média de 62 milhões de dólares diários. Dia 21 exportamos 74 mil dólares. Isso tudo é resultado de um ambiente social em que os oportunistas tomam a iniciativa de aparecer quando lhes convém. 

A verborragia dos nossos magistrados é prova disso. Juiz só deve falar através dos autos e não pode em hipótese alguma defender publicamente posições. Sua função na sociedade é aplicar a lei conforme ela foi promulgada, sempre admitindo que ele pode estar equivocado e que em outra instância sua decisão pode ser revertida. Para minha surpresa me deparei em editorial do Estadão o Ministro do TSE Herman Benjamin declarar:

"Eu sou um juiz de colegiado. Não me importo nem um pouco de perder, desde que as regras do jogo sejam republicanas. Em outras palavras, as regras que defendo não são absolutas. A avaliação que eu venha a fazer das provas não é infalível. E, portanto, um voto por mim redigido está perfeitamente em condições de ser derrotado pelos defeitos próprios na natureza humana, que não é perfeita". 

Sábias palavras que deviam ser penduradas em uma quadro na sala de todos os nossos magistrados, em particular nas do STF. 

A vocação para Messias está presente em todos nós. A figura é conhecida. Você é convidado para uma reunião social, onde haverá um congraçamento qualquer, digamos um aniversário. Aí surge por lá a figura do Messias. Seu comportamento é previsível; ele tem que se sobressair na reunião. para isso ele escolhe uma vítima. Seu olhar agudo facilmente descobre alguém olhando para o chão e o ataca. Uma piada de mal gosto aqui, uma insinuação ali, e ele se torna a atração da festa, sempre às custas de algum coitado que ele escolheu para sacrificar. 

Levando esse comportamento para as camadas superiores, o Messias tem que encontrar um Cristo. Existem vários, mas o empreendedor é o preferido, em função da formação social a que fomos submetidos por séculos. Ele é o inimigo a ser perseguido e crucificado. É ele que nos escraviza, é ele quem ganha dinheiro às nossas custas, é ele quem vende papelão misturado com a carne, é ele quem envenena a nossa carne com vitamina C.

Com isso o nosso pobre Brasil, que vem tropegamente caminhando rumo à recuperação da catástrofe causada pelo nosso maior Messias e sua Poste, se viu privado de uma de suas mais importantes ferramentas, a pecuária. Sejamos francos, quem chegou à situação de ser o maior fornecedor de proteína animal do planeta merecia das autoridades um tratamento melhor. Merecia uma agência que fiscalizasse de forma isenta essa atividade fundamental para a Economia do País. Mas não. O volume de dinheiro que circula nessa área não pode correr à revelia dos abutres que circulam à sombra de partidos que não nos representam, ou que representam o que temos de pior. A indicação política está na raiz desse escândalo, e não adianta culpar o Messiasinho da PF que levantou essa lebre. Blairo Maggi, o Ministro da hora, afirmou antes de assumir o cargo no governo Temer que "daqui pra frente quem manda sou eu e quem não seguir minhas regras está fora". Agora ele tem que mostrar coerência. Crise significa oportunidade, todo bom administrador sabe fazer essa transformação.

A Veja desta semana traz uma entrevista com o fundador do grupo Madero, que possui 87 restaurantes, inclusive nos Estados Unidos. É preciso que todo brasileiro que tenha preocupação com o assunto autoestima leia essa entrevista para ver pelo que passa um empreendedor nesse país, o que em parte explica a grande procura pelo concurso público por parte da nossa juventude. 

http://veja.abril.com.br/brasil/propina-em-picanhas/

Para ler a entrevista inteira é bom comprar a Veja, mas o vídeo diz quase tudo. 

Comentários

  1. Excelente análise, Fontenele, "as usual". Você lastreou muito bem seu texto focando na autoestima. Hoje mesmo eu estava comentando sobre as diferenças enormes entre a formação dos "Estados Unidos da América" e os "Estados Unidos do Brasil", este cópia bisonha daquele. A mentalidade cartorial que nos legaram nosso colonizadores pilhadores, nos fez valorizarmos o "ser esperto" e alardear "competência" em mamar nas tetas do Estado. Concordo totalmente com suas colocações sobre os países mais ao norte onde as condições climáticas impõem um planejamento de vida; quem não trabalhar e amealhar meios nas estações mais amenas, sucumbe sob os rigores do inverno. Concordo com você também que os condutores das instituições republicanas trocaram a auto-estima pela exposição midiática (para não entrar no terreno do auferimento de vantagens absurdas em total desprezo pelos cofres da nação abastecidos pelos "malditos" empreendedores e trabalhadores). Vou ficar por aqui senão já estaria escrevendo um texto de lavra própria. Parabéns.

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  2. Grato pelo comentário, caro amigo. São os comentários que me incentivam a continuar esse Blog, e eles têm sido poucos.

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