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A Nova Fronteira

Vejam a foto abaixo. Trata-se de uma foto comum de pessoas se deslocando em transporte público para trabalhar. Só que essa imagem jamais vai poder ser replicada no nosso país, por vários motivos. 


Comecemos pelo principal. O indivíduo em pé, conversando com a passageira sentada, é ninguém menos que Malcolm Turnbull, o primeiro ministro da Austrália. Isso bastaria para afastar qualquer possibilidade dessa imagem se repetir no Brasil. Turnbull é a maior autoridade política da Austrália e vai trabalhar de ônibus + trem, da mesma forma que minha filha e meus netos que moram lá. Observem que a passageira está virada na direção dele, o que sugere que ela iniciou uma conversa com ele e foi atendida. 

Mas existem outros motivos. Esse modelo de ônibus é padronizado, possui ar condicionado e um número bastante baixo de assentos, o que proporciona um imenso conforto. Não existe aquele espaço estreito entre uma fila e outra. Os bancos são dispostos em U ou L (2+2+2 ou 2+2) e há espaço elevado para bagagem.



Trocando em miúdos, ele não foi feito com o objetivo de espremer o maior número possível de passageiros para maximizar o lucro. Turnbull está encostado na leitora que registra a entrada e saída dos passageiros. Em caso de fraude detetada por fiscais a pessoa é imediatamente obrigada a pagar uma multa imensa, o que obviamente desestimula qualquer tentativa. Existe ainda a facilidade de que o horário do ônibus é fielmente cumprido.



Para ir ao centro de Melbourne, que fica a 12 km de onde minha filha mora, eu andava cerca de 200 m até o ponto do ônibus 765. O ponto tinha um quadro com o horário da parada naquele ponto. Viajava cerca de 1,5 km até a estação de trem de Blackburn.



A rede de trens de Melbourne é imensa. Para dar um ideia do seu tamanho basta dizer que a estação Echuca, na ponta esquerda do mapa acima, fica a 2 horas de viagem. Minha filha mora em Blackburn, a leste do centro da cidade, e um dos fins da linha que ela usa é a cidade de Lilydale, a qual sempre tive a vontade de visitar em função do belo nome. Me enchi de coragem e fomos, eu, minha esposa e minha filha, almoçar por lá.

Lilydale é um brinco plantado numa área metropolitana considerada há tempos a melhor do mundo, mas o que mais me impressionou foi o seu pequeno museu. É sabido que a Austrália foi povoada por degredados ingleses, que ela era uma prisão para onde eram enviadas as pessoas para cumprir pena. Uma espécie de Sibéria inglesa. Minha surpresa foi entrar numa sala onde encontramos centenas de retratos de descendentes de degredados, em que ao lado constava o nome do descendente, o do degredado, o crime praticado, a sentença, sua idade ao cometer o crime, o ano da chegada e o navio no qual embarcou. Fiquei tão emocionado que decidi pedir para fotografar algumas das imagens, que reproduzo baixo:




Observem que a foto do descendente traz consigo cópias dos objetos furtados. Mary tinha 11 anos quando roubou os adereços que Olivia veste, e foi degredada por toda a vida (sua foto foi tirada na sala do Museu). Michael roubou um cavalo com 22 anos e teve a mesma sentença. Susannah tinha 20 anos, roubou mais coisas que Mary, mas recebeu "apenas"14 anos. Isso indica que havia uma forte influência do Juiz na sentença. Curiosamente, a Austrália tem o catolicismo como religião principal, o que sugere uma perseguição aos "papistas".

Isso no entanto não explica como uma país de degredados se transformou na Nova Fronteira mundial. A Austrália tinha apenas 22,5 milhões de habitantes em 2014, uma superfície equivalente à do Brasil, e três cidades listadas pela revista The Economist entre as 10 melhores megalópoles do mundo (a Nova Zelândia tem uma). 

A explicação que podemos dar é que a Inglaterra do século XVIII tinha uma população de 6 milhões de pessoas, sendo que 2 milhões passavam fome (vide http://ceticocampinas.blogspot.com.br/2013/01/licao-numero-um-o-capitalismo.html ), Esses degredados não voltavam mesmo que sua pena não fosse perpétua, porque a Austrália lhes proporcionava uma condição de vida melhor que a que tinham lá. Eles decidiram criar uma alternativa melhor, um pátria para aqueles rejeitados na Inglaterra, e conseguiram até com certa facilidade proporcionada pelo clima mais ameno e um imenso território. 

Já os portugueses que vieram para cá tinham outro objetivo: levar daqui toda a nossa riqueza. A praia da Lagoinha em Ubatuba tem as ruínas de uma fábrica de vidro que nunca funcionou porque era proibida a produção industrial na Colônia. Tudo tinha que ser importado através de Portugal. Só com o "Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas" promulgado em 1808 pelo Regente Dom João o Brasil pôde exportar para e importar de outros países. Esse decreto foi na verdade resultado de pressão inglesa, que só exportava para o Brasil através de Portugal, e se caracterizou por ser a primeira experiência liberal do mundo após a Revolução Industrial, o início da globalização. 

Abro um espaço para citar um fato curioso que aconteceu em Lilydale. Procuramos um restaurante no Google e encontramos um chamado "Bom Gosto". Tinha que ser de língua portuguesa. Como tudo lá era perto fomos conferir. Para nossa surpresa era um lugar exótico que só fornecia sanduíche. Perguntei ao dono o motivo do nome e sua resposta foi que ele era fã de Mick Jaeger, que ele tinha grande amor pelo Brasil a ponto de fazer uma homenagem ao nosso País. Teclei "Mick Jaeger bom gosto" no Google. Encontrei "Sympathy for the Devil" cuja tradução é mais ou menos a seguinte:

Empatia pelo Diabo
"Por favor, permita que eu me apresente
Sou um homem de riquezas e bom gosto"...

É ou não curioso? É claro que fomos comer em outro lugar. Os Rolling Stones não são a minha banda favorita. 

Visitar a Nova Fronteira mesmo hoje é uma tarefa difícil. O Boeing 747 que nos levou de Santiago para Sydney, após 6 horas de viagem, mostrou o seguinte mapa nas costas da poltrona em frente à minha:



O alvo na extremidade direita inferior da tela é a cidade de Sydney, e quando a foto foi tirada ainda restavam ~ 7 horas e meia de viagem. A curvatura da Terra mostra claramente que essa é a rota mais curta, mas não faz bem pensar que a viagem de mais de 13 horas leva apenas cerca de uma hora voando perto de algum aeroporto. Ao todo foram 32 horas da porta da minha casa à porta da cada da minha filha, contados os tempos gastos nas conexões (Santiago e Sydney na ida e Auckland e Santiago na Volta). 

Mas valeu a pena!




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