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A Suposição da Existência de Deus

No seu livro póstumo Pensées (Pensamentos) Blaise Pascal, filosofo, matemático e físico francês, assume que há mais a ser ganho com a suposição da existência de Deus, mesmo que a veracidade dessa questão não possa ser provada. 

Tudo indica que se tratou do primeiro exercício no campo da Teoria das Probabilidades, e que resultou no primeiro uso formal da Teoria da Decisão, que marcou o início de novas filosofias. 

A proposta de Pascal para quem tem dificuldade, em função da razão, em acreditar genuinamente na existência de Deus, é de "agir como se acreditar pode curar a descrença". Para tanto ele criou o que conhecemos como a Proposta de Pascal, que possui o seguinte formato:
  • Se você acredita em Deus e está certo (Deus existe), seu ganho será infinito.
  • Se você acredita em Deus e está errado (Deus não existe), sua perda será finita.
  • Se você não acredita em Deus e está certo (Deus não existe), seu ganho será finito.
  • Se você não acredita em Deus e está errado (Deus existe), sua perda será infinita. 
Isso foi expressado nos seguintes termos:

"Mas ao menos reconheça sua incapacidade de acreditar, já que a razão lhe trouxe a isto, e você não consegue acreditar. Esforce-se para convencer a si mesmo, não através de mais provas de Deus, mas pela redução de suas paixões. Você gostaria de ter fé, mas não sabe o caminho; você quer se curar da descrença, e pede um remédio para isto. Aprenda com aqueles que estiveram presos como você, e que agora apostam todas as suas posses. Existem pessoas que sabem o caminho que você vai seguir, e que se curaram de todas as doenças que você ainda será curado. Siga o caminho através do qual começamos; agindo como se acreditasse, recebendo a água benta, assistindo missas, etc. Até mesmo isto vai lhe fazer acreditar naturalmente, e acabar com sua resistência".

Trocando em miúdos. para ele a opção de viver como se Deus existisse domina a opção de viver como se Deus não existisse. O ganho esperado em se escolher a existência de Deus como verdadeira é maior que o esperado em escolher a sua não existência:

"...mas existe aqui uma infinidade em uma vida infinitamente feliz a se ganhar, uma chance de ganho contra um número finito de chances de perda, e aquilo que você aposta é finito. Tudo é dividido; aonde quer que esteja o infinito, não existe um número infinito de chances de perda contra a chance de ganho, não há tempo para hesitar, você deve apostar tudo."

Ou seja, acreditar que Deus existe no resulta no máximo, caso isso não seja verdadeiro, em viver uma vida finita acreditando numa inverdade, contra um ganho infinito caso isso seja verdadeiro. Já acreditar que Deus não exista pode resultar em uma perda infinita caso Ele exista, contra um ganho finito caso Ele realmente não exista. Pascal na verdade parte de uma premissa cristã, que é a crença na existência de Deus vai tornar sua vida infinitamente feliz.

O argumento de Pascal é uma aposta a ser tomada em um momento de indecisão, a ser feita por aqueles que não têm fé. Vamos convir que essa aposta vai nortear sua vida a respeito da existência ou não de Deus em um mundo em que Deus pode existir ou não. Aquele que não tem essa dúvida baseia a sua crença apenas numa fé inabalável e não chega ao ponto de ter que tomar essa decisão. 

Existem autores que consideram que esse argumento possui falhas, na mesma proporção que existem autores que o defendem. Como o Deus em que eu acreditaria não seria necessariamente o Deus cristão, judeu  ou o islamita, para mim um tanto quanto totalitários, vamos aqui analisar os argumentos dos autores que o tentam  invalidar:

O Apelo ao Medo

Tendo a não concordar com esse argumento, que seria o de que não acreditar em Deus implicaria em ser severamente punido após a morte, em que as chances de ser feliz seriam limitadas à existência terrena, finita. Não foi isso que Pascal disse, embora o que se veja nesse século XXI seja exatamente isso. À exceção do Papa Francisco todos os formadores de opinião cristãos entendem que o ateu não tem lugar no Paraíso. Ou seja, o Argumento de Pascal foi desvirtuado e seguiu uma direção que ele não defendeu. 

O Custo

Pelo argumento do custo, a aposta levaria a acreditar em Deus, já que você estar certo é muito vantajoso e a perda por estar errado é insignificante. Na verdade, dado o rumo que as religiões tomaram, o custo de se acreditar em Deus, e praticar essa crença, de insignificante não tem nada. Você vai ter que seguir líderes religiosos que vão projetar um sentido para a sua existência finita neste plano, que é o único provadamente verdadeiro, obedecer os dogmas e as tradições da religião que decidiu seguir, e contribuir financeiramente para a sua manutenção, o que inclui a evangelização das religiões concorrentes. Existe ainda o caso daqueles que seguem dogmas que modernamente estão totalmente em desacordo com a ciência médica moderna. Nem vou falar daquela religião que proíbe transfusões de sangue, mas sim de um dos homens mais bem sucedidos de que tenho conhecimento: Steve Jobs, que por ser zen budista tomou a decisão errada quanto ao tratamento inicial de seu câncer (isso segundo seu biógrafo).

A meu ver Pascal está equivocado quando afirma que a felicidade dos que não acreditam na existência de Deus é necessariamente menor que a daqueles que acreditam. Para Pascal, quanto mais uma pessoa se dedica a crer em Deus, menos dá valor aos bens materiais, que são passageiros, e isso resulta em um custo menor. É evidente que no nosso mundo consumista seria impossível equacionar uma economia sustentável com esse argumento.

A Objeção a Vários Deuses

Esse argumento contra Pascal é importante. Ele tem uma forte objeção a vários Deuses, reconhecendo a existência de apenas um Deus. Ele ignora que existem outros sistemas de crença a ser considerados. Assim, seu argumento é limitado às religiões monoteístas nascidas no Oriente Médio. Ou seja, a crença no Deus errado, ou o fato de você ter nascido no lugar errado, já é motivo suficiente para você se ver alijado do ganho infinito. Na verdade os 3 deuses monoteístas são muito parecidos, e o imenso volume de pessoas não monoteístas é enorme, logo essa decisão, que mais se parece com um lançamento de moeda, se fosse levar em conta as religiões não monoteístas, ficaria imensamente complicada. 

A prova de que esse argumento é aplicável apenas aos monoteístas, é que ele premia a observância e pune a objeção, ele favorece o Deus único. Resumindo: ele é ocidental. Em juridiquês claro, ele não dá espaço ao contraditório, e isso explica porque os monoteístas são intolerantes. 

As nações baseadas nesse princípio monoteísta trazem a figura do Rei, do Califa, do Presidente, o ungido pelo Deus único, logo o senhor absoluto. Esse dogma só começou a ser contestado com o surgimento do Iluminismo, que conseguiu nos lugares mais esclarecidos fazer a separação entre o Estado e a Religião. É preciso no entanto considerar que o acerto de contas que se dará entre o cristianismo e o islamismo (onde o Iluminismo não ocorreu), está deixando o ocidente muito próximo da ruptura desse pacto de separação entre Estado e Igreja. Esse acerto de contas a meu ver é inevitável, remontando às cruzadas e turbinado pela dominação do Oriente Médio pelos ocidentais, mediante a exploração do petróleo por lá abundante. 

A Crença Desonesta

Para muitos a Aposta de Pascal pode levar ao argumento da Crença Desonesta. Seria algo como, já que Deus é onisciente, ele certamente vai ser capaz de ver uma estratégia desonesta por parte daquele que crê por conveniência, e anular os benefícios dessa Aposta, Uma pessoa que foi convencida apenas pelo argumento, mas que ainda não acredita sinceramente, que não tem a fé absoluta, não deveria participar da recompensa. Ou seja, essa aposta não faz sentido. Só a fé permite o acesso à recompensa. 

Para mim, caso Deus existisse, Ele certamente iria dar um pouco mais de valor às criaturas racionais. Ele iria preferir as pessoas que honestamente procuram um sentido nas coisas e reprovaria os métodos fundamentalistas. Seria tolerante à dúvida, menos raivoso. 

Conclusão

Em termos práticos, o que estamos vendo, com a enorme contribuição dos modernos meios de comunicação, é um imenso aumento da intolerância. A Internet abriu um imenso canal onde as inverdades são replicadas com um simples "partilhar", e coisas horripilantes são difundidas, incentivando o ódio puro e simples contra quem não reza pela sua cartilha. Isso se aplica também à política. em todas as partes do globo. O Brasil não vai nunca ganhar nada com essa divisão onde tudo o que não agrada ao indivíduo é ruim. Nós somos 200 milhões de indivíduos e essa conta não vai fechar, a não ser que a abordagem mude. 

Pascal, com seu argumento, não incentivou essa divisão, não aprovou a crença cega. Entendo que ele apenas tentou incentivar as pessoas a saírem de um certo estado de apatia e tentar racionalizar sobre um problema que para ele, crente, era tido como crucial: a existência de Deus. Segundo Pascal "o ateísmo demonstra força intelectual, mas apenas até certo ponto (?)" Isso não é nenhum incentivo à intolerância. 


PS: Este Blog acaba de atingir 75 mil acessos. No próximo Post vou tecer alguma considerações a respeito desse instante que me deixa profundamente recompensado. 



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