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Hard Power, Soft Power, Sharp Power

Historicamente, a medida do poder de um país sempre foi considerada como uma medida Hard (Dura), baseada em quantitativos facilmente mensuráveis, tais como o tamanho da sua população, do seu poder militar e do seu Produto Interno Bruto (PIB). Foi assim que os Impérios se estabeleceram e de uma forma Dura dominaram muitas vezes por séculos as suas colônias, próximas ou distantes. 

A dominação dos Impérios Duros sobre as sociedades dominadas se fazia de forma direta, mediante anexação pura e simples, como fizeram os Britânicos. Os ingleses se orgulhavam disso ao dizer que "the sun never sets on the British Empire (o sol nunca de põe sobre Império Britânico)". Paulatinamente as colônias desses Impérios iniciaram o processo de independência, que foi acelerado com o enfraquecimento das nações europeias em consequência das duas guerras mundiais.



Posteriormente à independência das colônias o Poder Duro se modificou, e os Impérios emergentes das duas guerras mundiais acharam por bem substituir a dominação física pela dominação política. As nações davam a impressão de permanecer independentes, na condição de seguir a linha política do dominador da sua região. Esse fenômeno foi particularmente sentido na América Latina, que se viu coagida a adotar a linha preconizada pelo Império Americano, como também na Europa Oriental, que pela proximidade com a Rússia foi obrigada a abraçar uma ideologia que viria, décadas depois, se mostrar inviável. 

Acontece que essa dominação política veio a criar um tipo de resistência até então desconhecida. Não eram mais as nações que se rebelavam contra o status quo, dando como consequência a guerra, mas sim facções internas que passaram a usar o terrorismo puro e simples como a arma letal para alcançar seus objetivos. Para surpresa das nações dominantes elas passaram a ver bombas explodirem em suas avenidas, estações de trem, aeroportos, grandes edifícios. Elas não estavam preparadas para enfrentar esse tipo de guerra, na qual o inimigo estava disfarçado morando nas suas cidades, em casas vizinhas às suas. 

Esse fenômeno levou principalmente as nações europeias a reavaliar suas estratégias de dominação, e a procurar novas habilidades. Surgiu então a ideia de se utilizar os meios culturais, ou mesmo os ideológicos, de forma mais suave, para influenciar os outros a fazer o que você quer. O Poder Duro, que tinha como armas o porrete e a cenoura, passou a se esforçar em tentar a cooptação para atingir os seus objetivos. O Professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard, criou o termo Soft Power (Poder Suave ou Poder Brando) para definir essa nova tendência da política internacional. 

O sucesso do Poder Brando depende da reputação do interessado em aplicá-lo junto à comunidade internacional, como também da comunicação entre os atores. É evidente que ele se tornou viável em função da globalização e do crescimento da filosofia neoliberal, a qual não aceitava mais a dominação pura e simples.

Eis que estamos num momento da história em que uma potência em ascensão resolve desafiar o Império. Historicamente, quando isso ocorre temos uma guerra, e isso foi deixado claro pelo presidente do Império esta semana, quando ele anunciou o seu plano de Segurança Nacional e declarou que China e Rússia são nações rivais. A saída dos Estados Unidos como protagonista nas relações internacionais deu a esses dois coadjuvantes a oportunidade de mostrar suas garras, a Rússia recorrendo à sua velha cultura dominadora do Poder Duro e a China criando uma nova estratégia que recebeu a denominação de Sharp Power (Poder Afiado, quem tiver uma tradução melhor por favor comente). 

O Sharp Power só poderia ter sido criado pela China. Sendo a democracia uma cultura praticamente desconhecida por lá, ela não tem como requisito em suas parcerias a exigência de uma postura democrática das nações que ela quer influenciar. Assim sendo por exemplo ela lançou sua influência sobre a África, continente reconhecido pela sua pequena afinidade com a democracia, e tomou conta de uma boa porção dele. Para isso ela se aproveitou das lacunas deixadas pelo Consenso de Washington, que defendia a liberalização econômica, a privatização e a redução do papel do Estado. Essas utopias obviamente não funcionaram por lá. A partir de 2004 foi cunhada a expressão alternativa Consenso de Beijing, que resumidamente dá mais importância ao papel do Estado, à soberania e à geopolítica, e refuta as receitas prontas da economia dos organismos internacionais. 

A Revista The Economist de 14/12 dedica um espaço grande sobre o Sharp Power chinês. Sua estratégia segue a cultura chinesa. Historicamente a China não se interessava na conquista territorial, e mesmo aqueles a invadiam acabavam submetidos à sua cultura superior, à sua "burocracia". O primeiro país a reclamar das táticas chinesas foi a Austrália, que lançou um alerta sobre a interferência chinesa na sua política, nas suas universidades e na sua mídia. A Austrália tem como produto importante de exportação as suas universidades, mantendo inclusive sucursais dela em países de Leste Asiático, e a China envia para as universidades australianas uma horda de jovens que frequentam cursos definidos por uma diretriz central. Um chinês que é enviado para lá não pode de forma alguma passar pelo vexame de ter que voltar por falta de aproveitamento escolar, e em geral existe uma barreira linguística grande. A China possui excelentes universidades, e é de se imaginar que essa quantidade de chineses estudando fora nos dias de hoje tem um sentido maior. Aí entra o Sharp Power, que nas mãos de regimes autoritários se utiliza de coerção para manipular a opinião dos países que eles querem influenciar.  

Em seguida à Austrália já se pronunciaram a Grã Bretanha, o Canadá, a Nova Zelândia, e a Alemanha acaba de acusar a China de influenciar políticos e burocratas. O alerta foi sentido pelo Ocidente, que está se preparando para enfrentar essa nova política. No entanto, de acordo com o The Economist, a estratégia para esse enfrentamento tem que ser diferente daquela utilizada contra a Rússia, em função do papel muito superior que a China desempenha na economia mundial, e ela passa pelo melhor entendimento do que é o Sharp Power. 

A abertura da China para o mundo se iniciou de forma gradual, mas ultimamente cresceu de forma mais "intimidatória", que inclui a subversão, a pressão, e inclusive o chamado "bullying". Como potência econômica que é, o objetivo claro é impingir nos parceiros o temor da perda das vantagens em manter a parceria. A China acaba de punir a Noruega economicamente por ela ter concedido o Nobel da Paz a um ativista Chinês, e existem relatos de que críticos da China estão sendo recusados como palestrantes em conferências internacionais. 

Em função da influência da economia chinesa, o Ocidente, principalmente os países em desenvolvimento, estão à mercê dessa nova abordagem. A China responde às queixas sobre ela chamando os seus críticos de paranoicos, e na verdade existe o receio da China vir a fazer parte do restrito núcleo de países que são responsabilizados pelas desigualdades mundiais, muito embora ainda seja ela tremendamente desigual. Na verdade esse fenômeno é inevitável em nações que se tornam muito poderosas num curto espaço de tempo, e em particular a China não está fazendo mais que recuperar o papel que sempre teve na economia global, reassumindo o lugar que tinha antes da Europa dominar o mundo com uma filosofia nova chamada Capitalismo, que ao ser assumida pela China a colocou no seu devido lugar. 

Material humano ela tem de sobra. Mais de 10 milhões de chineses estão vivendo fora da China, isso a partir de 1978, e existe o temor de que eles adquiram os hábitos das democracias onde vivem e contaminem a própria China. Os investimentos externos estão focados em recursos naturais, infraestrutura e propriedades agrícolas. 

O Brasil é um caso importante na mesa definidora da estratégia chinesa, principalmente pelo fato de ser ele praticamente um continente em uma área desprezada pelo Ocidente, como também por ser um parceiro econômico da maior importância. Junte-se a isso a tradicional ojeriza local ao imperialismo americano e a passividade do nosso povo em relação a cobranças ao poder público.. 

A partir de 2.009 a China se transformou na principal parceira comercial do Brasil, segundo a BBC Brasil. Desde 2.015 a China comprou 21 empresas brasileiras, investindo um total de US$ 21 bilhões. Apenas neste ano os chineses devem ter invertido 87% a mais que no ano passado, o que tornou o Brasil o segundo maior destino de seus investimentos, atrás apenas dos Estados Unidos. No setor de energia a China respondeu por quase 80% de todos os investimentos confirmados, sendo que as chinesas State Grid e a China Three Gorges compraram, respectivamente, a CPFL e a Duke Energy (Paranapanema).

A nova onda de aquisições chinesas no Brasil se iniciou em 2.015, com o volume de compras ultrapassando US$ 60 bilhões. O foco principal foi a produção e transmissão de energia elétrica e o agronegócio. O modo como essa onda se concretizou também sofreu alterações, e passou a ser feito por operações de fusão e aquisição (M&A em inglês) de empresas que já atuam no Brasil. Isso facilita o trato com a nossa burocracia, para os chineses pragmáticos uma coisa ininteligível, e torna os investimentos menos sujeitos a risco. 

As reações a essas inciativas já se fazem sentir. Notícias do tipo "povos do rio Tapajós são atropelados por corredor logístico para levar soja à China" são comuns na mídia. Os sindicatos também já começam a reclamar da relação com os novos donos, alegando que o grau de serviço vai cair. Da minha parte, como mero cliente da CPFL em Campinas, pouco tenho a reclamar. Dia 25 passado, dia de Natal, uma chuva torrencial cortou a energia no meu bairro. Em seguida recebi um SMS no meu celular dizendo que:

CPFL Energia Informa: Instalacao 0010647333 esta sem energia. Previsao de retorno 20:14 de 25/12. Chega de choque. Fique sempre longe da rede eletrica.

A luz voltou às 19:50, antes do previsto. Não me lembro de ter recebido esse tratamento antes dos chineses adquirirem a Companhia Paulista de Força e Luz. 

Tenho um parente que possui uma fazenda no Norte e vende gado para os chineses. Segundo ele sua fazenda recebe a visita de chineses que etiquetam as cabeças que lhes interessam e as recebem em Belém, onde elas são embarcadas vivas por falta de frigorífico suficiente para atender o volume exportado. A ideia parece ser construir o tal frigorífico em Belém. Ao perguntar o que ele faz com o gado que não interessou aos chineses a resposta foi imediata: "eu vendo pra Friboi". 

Enquanto isso essa semana os paulistas foram surpreendidos com a notícia que sua Assembléia Legislativa aprovou lei que prevê "segunda sem carne" no Estado. Caso Geraldo Alckmin venha a sancioná-la, as escolas da rede pública e os estabelecimentos que fornecem refeições aos órgãos públicos ficam proibidos de fornecer carne e derivados nas segundas feiras. Essa agressão à liberdade de consumo e à escolha individual do cidadão "fere o direito de produção, compra e venda de produtos lícitos no país", segundo a Associação dos Criadores de Mato Grosso". 

Ou seja, enquanto a Anvisa não se pronunciar a respeito não há como uma lei dessas ser aprovada a nível regional. Senhor Governador, por favor vete isso e deixe meu parente feliz em ter mais clientes além dos chineses. 

Comentários

  1. No meu ponto de vista a expansão política global da China recentemente declarada política de Estado, é bem vinda no Brasil. Precisamos de alternativas para negociar melhor um caminho nacional que vai se esgueirar entre muros imperiais impenetráveis, já estabelecidos. A ideologia do papel preponderante de um Estado bem administrado e com um plano estratégico coerente, pode ser interessante para países emergentes. Não existem muitas alternativas, que se contraponham aos interesses dos forasteiros.

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