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O Brasil e Martinho Lutero

Celso Ming é um articulista que eu me esforço para ler sempre. Em 18 de novembro ele escreveu um artigo que eu guardei para ler de novo: 

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,martinho-lutero-e-o-tamanho-da-gaiola,70002088554

Achei mais proveitoso no entanto falar sobre ele nesse Blog, já que ele em minha opinião é a resposta mais precisa ao porque das amarguras da nossa "América Católica":

"Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica que sempre precisará de ridículos tiranos?"

O artigo, intitulado "Martinho Lutero e o tamanho da gaiola" veio confirmar as minhas convicções de que o problema da América Católica, infelizmente, para ser corrigido, seria necessário que tivéssemos recurso de voltar no tempo para alterar a forma como fomos colonizados. 

As comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante ensejaram uma série de artigos no mundo inteiro, sendo que no Brasil eles sugeriam que no Brasil o impacto da Reforma foi pequeno. Essa é uma forma de maquiar o fato de que, se ele tivesse sido grande nossa formação e nossa cultura estariam num patamar semelhante ao dos países que aderiram à Reforma. Segundo Ming, as colônias americanas que seguiram a ética protestante tiveram uma vantagem inicial irrecuperável sobre aquelas colônias que seguiram as doutrinas da Contrarreforma. 

Podemos traçar um paralelo entre as colônias americanas e os países colonizadores na Europa. Inglaterra, França e Holanda estão hoje num patamar superior a Portugal e Espanha. Some-se a isso o  fato que as colônias tiveram a contribuição negativa da escravidão, inicialmente das comunidades nativas, em seguida dos africanos importados. Os colonos aprenderam que o trabalho pesado podia ser "delegado" aos escravos. 

Podemos argumentar que a escravidão foi muito forte também nos Estados Unidos, mas mesmo lá é nítida a diferença nos estados onde a escravidão era mais intensa. Insisto no fato que não foram os escravos que tiveram a maior influência nessa diferença, mas sim a leniência dos senhores da terra que não trabalhavam. 

Segundo Ming as colônias formadas com o espírito da Reforma prosperaram de forma mais rápida, construíram um ética do trabalho baseada no mérito e não nas concessões dos poderosos. Já nas colônias ibéricas prevaleceram os princípios da Inquisição, da prevalência da Igreja sobre o Estado, o que levou as sociedades a conviverem com o patrimonialismo, o nepotismo e a corrupção. 

A Reforma não ficou restrita às 95 teses que Lutero expôs em 1517. Ela deflagrou o pensamento modernizador que deu valor ao ser humano. Já a Contrarreforma ficou restrita à ortodoxia, à sociedade fechada, às nomeações compradas a peso de ouro. Nesse ambiente a sociedade se forma a partir de grupos hierarquicamente organizados, impostos de cima para baixo. 

Nosso Lutero tem outro nome, se chama Torquemada, o Grande Inquisidor. Um frade de origem sefardita que veio a se tornar o confessor da rainha Isabel a Católica. Conhecido como "o martelo dos hereges", ficou famoso por sua campanha contra os judeus e os muçulmanos. Criou através de seus "autos de fé" a doutrina que prevaleceu por toda a península ibérica. Estima-se em 2.200 o número de autos de fé emitidos, o que dá uma ideia de onde provêm a imensidão de leis que somos capazes de criar. 

Vejamos um exemplo das orientações dadas pelos autos de fé de Torquemada. Para estimular as delações a Inquisição publicou as seguintes orientações:

"Se observar que os seus vizinhos vestem roupas limpas e coloridas no sábado, eles são judeus.
Se eles limpam as suas casas às sextas-feiras e acendem velas mais cedo do que o normal naquela noite, eles são judeus.
Se eles comem pão ázimo e iniciam a sua refeição com aipo e alface durante a Semana Santa, eles são judeus.
Se eles recitam as suas preces diante de um muro, inclinando-se para frente e para trás, eles são judeus."

Foi na Península Ibérica, sob a orientação dos muçulmanos que a dominaram por séculos, que os judeus vieram se refugiar. Ela foi palco de uma intensa união entre cristãos e judeus, que adquiriam liberdade mediante pagamento de imposto aos muçulmanos. O número de judeus "convertidos" era maior que em qualquer outra região do mundo. Torquemada destruiu toda esse estado de liberdade, forçando os judeus a se refugiarem no norte da Àfrica. 

E o que isso tem a ver com a nossa colonização? Foi exatamente Isabel quem propiciou a Colombo descobrir a América. Junto com as descobertas de terras que vieram enriquecer Espanha e Portugal, havia a mensagem evangélica, toda ela moldada nos ditames da Contrarreforma. Toda a nossa mentalidade, nossa forma de pensar, traz consigo uma forte ligação com o atraso, com a espera das soluções pelo tiranete de ocasião. E assim elegemos os Collors, os Lulas e seus Postes, e chegamos ao fim da linha quem sabe tendo que escolher entre um Lula e um Bolsonaro.

Era evidente que algo tinha de ser feito em relação às leis trabalhistas. É evidente que algo tem que ser feito em relação à Previdência. Infelizmente, não sendo Temer um Estadista, só lhe restou corromper para conseguir alguma coisa. É assim que funcionam as tentativas de mudar o status quo por aqui, o que de certa forma dá à oposição a munição necessária para combater as mudanças. 

A palavra chave é "direitos adquiridos". Dizer que as mudanças irão cercear os tais direitos adquiridos faz milagres, inclusive ignorar que a situação é a pior possível nas relações de trabalho, na previdência, na saúde, na educação, na segurança, em tudo que seria obrigação do Estado propiciar de uma forma digna àqueles que entendem que esperar por isso é a sua sina. 

Hoje mesmo tive uma mostra de como nos comportamos como cidadãos. Comprei uma garagem dessas que se instalam em dois dias: um para chumbar os postes e outro para instalar o teto. Na quinta feira me perguntaram se o teto podia ser instalado no domingo. Como eu estava com pena dos meus dois carros sofrendo com esse verão intenso, concordei com a instalação no domingo. Às 9:30 liguei para o instalador perguntando por que estavam tão atrasados. Ele me respondeu que tinham decidido não vir instalar no domingo e iriam marcar uma outra data. Notem que ele tinha insistido em pedir para eu avisar se resolvesse mudar de opinião sobre a instalação no domingo. 

Esse episódio me levou de volta ao artigo do Celso Ming: "O homem é dotado de livre arbítrio, mas nem tanto. A vida ensina que a liberdade é mais questão de tamanho da gaiola". Infelizmente a nossa gaiola está muito pequena . 

Comentários

  1. Li e gostei, estou de pleno acordo, só que além da cultura do “comprar” a salvação razão do cisma da igreja, outra característica diferenciam católicos e protestantes (onde me incluo), é a não culpa pelo lucro, pela realização financeira! E como bem fala o seu texto, o mérito de quem realiza.

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  2. Amigo Ricardo sempre contribuindo com comentários pertinentes, agora no lugar certo, no próprio Post. Acho que em função da nossa formação como sociedade estamos limitados a um papel marginal. A não ser que surja o Estadista, do qual por enquanto estamos na espera.

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