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Meu Fusca 66, Minha Herpes Zóster, e Eu

Em Agosto de 1966 voltei das minha férias em Goiânia montado num Fusca novinho em folha. Era um presente prometido pelo meu Pai quando eu passei no vestibular do ITA, que ele só pode concretizar 3 anos e meio mais tarde. 

Rodei 140 mil quilômetros com esse carro e fui com ele de uma ingratidão, por tudo o que ele me proporcionou, que só agora pude avaliar melhor. Mas vamos por partes; primeiro vamos ver o quanto judiei dele.

Tinha uma namorada em Goiânia que eu só via de 6 em 6 meses. Com o Fusca eu conseguia vê-la mais ou menos uma vez por mês. Saía de São José dos Campos sexta feira à tarde e amanhecia em Goiânia. Não existia ainda a Dom Pedro e eu tinha que passar por São Paulo, onde a Marginal só tinha um lado do rio. A pista dupla da Anhanguera acabava em Ribeirão Preto. O Sábado à tarde e à noite era para namorar. Domingo eu almoçava com a família e zarpava de volta, chegando a SJCampos de madrugada, pronto para enfrentar uma "amena" semana de estudos. 

É claro que eu só podia fazer isso no máximo uma vez por mês, até porque a grana era pouca. O dinheiro vinha das aulas de Trigonometria e Geometria Analítica que eu dava no Cursinho Preparatório mantido por alunos do ITA, o qual tinha por sinal uma boa reputação. Me lembro que uma vez voltei de Goiânia com 20 moedas da época sabendo que iria gastar 18 delas com combustível. 

E o Fusca aguentava isso tudo sem reclamar. Cheguei ao cúmulo de no fim do ano ir para com ele em Carolina, Maranhão, onde morava minha namorada / prima que apenas estudava em Goiânia. A manutenção dele era feita pelo Amaral, funcionário da Oficina Mecânica, que chegou até a descarbonizar os cabeçotes que mantinham o Fusca funcionando mesmo quando desligava a chave. Ele só parava de funcionar quando engatava uma primeira e freava. 

Muito bem. Me formei em Dezembro de 67, e como eu e mais três colegas tínhamos cometido o desatino de fazer um Trabalho de Graduação tipo "missão impossível" (tratava-se apenas de construir um osciloscópio transistorizado), fomos ficando por lá se só pusemos o bicho pra funcionar no fim de fevereiro de 68 (ele acabou pifando dias depois). As oportunidades de emprego já estavam ocupadas pelos meus colegas e eu e um colega de "osciloscópio" , o Fugita, acabamos aceitando o convite para ficar no ITA mesmo, como Auxiliares de Ensino. 

A namorada, com a minha nova função, ficou na saudade, e eu acabei por encontrar a mulher da minha vida a poucos metros do alojamento onde eu continuei morando. Casamos em julho de 70, e eu antes de casar resolvi trocar o meu fiel Sancho Pança por um Fusca novo, modelo 1970. Foi uma dificuldade arrumar comprador para o Fusca 66. Os motivos eram muitos:
  • A bateria do 66 era de 6 volts, e a luz que o farol irradiava morria de tristeza a poucos metros,
  • O escapamento era daqueles que em vez de sair pra trás virava e saía logo atrás da roda traseira direita,
  • A suspensão estava comprometida porque eu tinha colocado uns alargadores nas rodas traseiras, 
  • O motor estava batendo pino,
  • A pintura parecia mais um peixe escama, de tão machucada que estava. 
Entreguei o coitado pelo que me ofereceu a revenda Volks e segui em frente com o novo, que tinha 4 cavalos a mais, e fui com ele para a minha lua de mel em Salvador, onde cheguei sem sustos, com a vantagem de ter o compromisso de um curso de férias para dar por lá. Com isso a lua de mel saiu de graça. Dava aula de manhã e curtia a lua de mel no resto do dia. 

Pano - Ato seguinte

Estamos em 2018. Nos meus 75 anos que vou comemorar em setembro, me veio a lembrança do meu querido e desprezado Fusca 66. pelos seguintes motivos:
  • A cirurgia de catarata está marcada para agosto porque o meu farol está mais fraco que o do Fusca.
  • O motor esta falhando. O beta-bloqueador que tenho que tomar para controlar a pressão traz o batimento cardíaco a valores muito baixos, e a varsartana que poderia substituir o beta-bloqueador arruína a minha garganta.
  • O escapamento também não anda bem e tem me dado sustos que eu tento contornar com Metamucil e Proctil.
  • A suspensão está ruim; ainda bem que eu encontrei um massagista que à custa de trancos a coloca no lugar quando necessário
Apenas a lataria ainda não estava dando sinal de fadiga. Não estava. Do nada me surgiu um ardor muito forte que ia tomando conta do meu tórax, no lado direito. Parecia que tinham passado uma lixa em mim. Esse ardor se transformou em agulhas que penetravam fundo e a pele começou a pipocar em vários lugares. 

Para isso existe o Google. Estava com Herpes Zóster. Toda essa baboseira acima é para manter aqueles que leem esse Post interessados no que vem a seguir. Espero que tenha sido bem sucedido. Se não fui, agora a coisa é séria. 



Quando você é adquire a catapora, o vírus fica incubado em algum nervo depois que seus sintomas desaparecem. Cerca de 20% das pessoas que tiveram catapora podem ter herpes zóster em algum momento da vida. Embora o Herpes Zóster seja causado pelo mesmo vírus da catapora, ele não é transmitido de pessoa para pessoa pela via respiratória. Ele, que estava incubado em algum nervo, caminha por ele e provoca lesões iguais às da catapora, em geral localizadas em alguma altura da coluna vertebral, sempre de um lado só. 

O Herpes Zóster, o popular Cobreiro, não ultrapassa a linha que divide o corpo em duas partes. Isso faz com que as benzedeiras, com grande sucesso, o isolem simplesmente traçando uma linha vertical com caneta no umbigo e digam: daqui ele não passa. Ele pode também, caminhar até a face, e aí a situação fica mais complicada se ele se aproximar dos olhos, podendo inclusive causar cegueira. 

O incômodo causado por essa doença é enorme, e o tratamento é feito com um antiviral, em geral o Aciclovir, junto com Dipirona e Paracetamol para controlar a dor. Se a pessoa tiver boa saúde, em sete dias mais ou menos as lesões começam a secar e a doença tende ao fim. Existe no entanto a possibilidade dela permanecer por muito tempo na forma da chamada NPH (Neuralgia Pós-Herpética), a qual se caracteriza por uma dor persistente que afeta os nervos e a pele. O risco de se passar do Cobreiro para a NPH aumenta com a idade, e pode-se chegar a uma situação de passarmos o resto da vida com ela. Quem adquire a NPH em média convive com ela por um ano.

A grande lição que tirei dessa experiência foi levar a minha esposa imediatamente a um laboratório para tomar a vacina contra a Herpes Zóster. Ela se chama Zostavax, é fabricada pelo laboratório MSD, e custou R$ 530. Segundo a sua bula ela é indicada na prevenção da Herpes Zóster, na Prevenção da Neuralgia Pós Herética e na redução da dor aguda e crônica associada à Herpes Zóster. 

Ainda segundo a bula, estima-se que nos Estados Unidos ocorra 1 milhão de casos por ano, com 50.000 a 60.000 internações, e a incidência aumenta drasticamente com a idade. O risco de se adquirir Herpes Zóster por lá é de 30% da população, sendo dois terços dos casos em indivíduos a partir de 50 anos de idade. 50% dos idosos que chegaram aos 85 anos tiveram Herpes Zóster. 

Pano - Ato final

Minha filha mais nova, ao saber das minha agruras me disse para ir urgentemente pra Guapé, MG, onde ela mora na represa de Furnas. Segundo ela uma benzedeira de lá me curaria no máximo em 3 dias. Não pude ir porque estava como o tanque do meu carro (não mais um Fusca) vazio. São 800 km ida e volta. 

Acho que esse Post devia se chamar:

A Vingança do Fusca 66

Acho também que os amigos que se deram ao trabalho de ter lido essas bobagens devem se preocupar com o Cobreiro e tomar providências preventivas tomando a vacina. 

No meu caso eu só vou tomá-la daqui a um ano se estiver vivo. Estou com muitos anticorpos agora. 

Comentários

  1. Grande amigo Fonte:
    Pensei estar lendo a história de seus primeiros anos com a Climene e de repente veio o ato 2 tirando-me do meu devaneio. Que barra! Votos de que fique logo bom desta herpes. Vou levar a sério o seu conselho mesmo porque meu avô materno quase ficou cego quando ela atacou o seu nervo óptico.

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  2. Parabéns historiador. Tive boas recordacoes lendo. Estimo as melhoras. Henrique.

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