A Folha de São Paulo de 11/12/17 trouxe uma reportagem interessante a respeito do comportamento dos Brasileiros em referência à poupança, à "preparação para a velhice". A conclusão a que ela chegou é do conhecimento de todos nós: o Brasileiro é 'imediatista".
Ele é o que os economistas chamam de um indivíduo "present biased". O peso que ele dá ao presente, à sua vida imediata, é excessivo. Aqueles que têm carimbada em sua mente a ideologia da perseguição das elites vão argumentar que quem tem um salário tão diminuto não tem como poupar. Isso tem um fundo de verdade, mas sabemos que se trata de uma verdade parcial. Cada um de nós conhece, tem muito perto de si, pessoas que, por mais que ganhem, sempre dão um jeito de terminar o mês devendo, gastando mais que ganharam.
Tenho uma opinião a respeito dessa nossa característica: isso se deve ao nosso clima ameno, tropical. E a Europa, pequena mas com um grande número de países, é um exemplo claro de que o clima é importante na criação nas sociedades da necessidade de se planejar. Os países nórdicos europeus são muito mais avançados que os mediterrâneos nesse quesito.
Aqui no Brasil a preparação para o inverno só se faz, ou só se fazia, dadas as mudanças climáticas, no Sul e nas comunidades das montanhas. Já peguei 5 graus negativos em Gonçalves, MG, anos atrás, mas duvido que isso volte a acontecer. Mas voltemos à reportagem.
Ela mostra que 65% dos brasileiros não poupam para o futuro, e que mesmo entre os mais ricos metade deles não fazem reservas. Isso a meu ver é resultado do regime paternalista que foi criado na ilusão de que a "viúva", o poder público, iria tomar conta desse problema, mas que pouco a pouco se concluiu que essa conta não fechava.
E haja reclamação. E haja resistência contra se mudar esse estado de coisas. O Congresso, sob a batuta de Rodrigo Maia, acaba de dar a Jair Bolsonaro um presente para o qual seu esforço em receber foi pífio, dada a forte resistência popular a ele: a Reforma da Previdência.
Não que eu seja totalmente de acordo com ela, por achar que as medidas definidas pesaram mais sobre o contribuinte que sobre a elite empresarial, que permaneceu firme com as suas isenções fiscais. Mas isso é outra história que já discutimos aqui. É evidente que a Reforma vai reduzir benefícios e adiar a sua obtenção, e isso vai aumentar a importância de uma poupança adicional e voluntária. E o brasileiro está despreparado para essa mudança de rumo, não mais tanto por ignorância, já que o Congresso cumpriu muito bem o seu papel, mas sim pela sua tradição imediatista.
Existe um teste que é capaz de medir o imediatismo de uma sociedade, e ele foi aplicado por aqui. Vejamos como a coisa funciona:
O Datafolha fez duas perguntas aos seus entrevistados na pesquisa sobre o imediatismo nacional:
1 - Se você pudesse escolher entre receber R$ 100 agora ou uma quantia de dinheiro daqui a um ano, qual valor gostaria de receber?
2 - E se você pudesse escolher entre R$ 100 agora ou uma quantia daqui a dez anos, qual valor gostaria de receber?
Com base nas respostas e o retorno que uma aplicação financeira normal daria aos R$ 100 em cada caso é possível calcular um valor que os especialistas chamam de "beta" que pode variar de 0 a 1, e no caso brasileiro ele foi de 0,26, o que indica um imediatismo agudo.
O argumento de que o brasileiro não tem conhecimento financeiro suficiente para uma resposta adequada foi levado em conta, e as respostas que não faziam sentido do ponto de vista financeiro (70% dos quase 6.000 entrevistados) foram descartadas. Mesmo assim se chegou a um número incrivelmente baixo para o "beta".
A nível de comparação, o valor 0,26 obtido para o Brasil é menos da metade da média latino americana. O resultado disso é que, entre 143 países, só 11 poupam menos que o Brasil para a velhice.
Mudar do regime de partição vigente, que é aquele que faz com que os brasileiros ativos sustentam a aposentadoria dos inativos, para o de capitalização, que é o que torna cada brasileiro responsável pela sua própria velhice, segundo especialistas, é algo que vai contra a natureza do ser humano. Os homens das cavernas passaram milênios consumindo imediatamente tudo o que caçavam.
O aumento da expectativa de vida trouxe à luz a necessidade de se pensar em como tratar com os idosos que deixavam de ser produtivos antes de morrer. Nos locais de clima rigoroso essa mudança se deu de forma mais eficaz, já que era necessária uma preparação para o inverno. Naqueles locais em que não havia preocupação sequer com a roupa que vestir esse processo foi considerado de baixa prioridade.
Por isso em vários países nórdicos a previdência privada é obrigatória, e nos Estados Unidos a adesão a um fundo de pensão da empresa é automática, estratégia que os economistas chamam de "cutucões" ou "empurrões" (nudges), que estimulam a ação sem tornar necessária a tomada de decisão.
Em outros países onde esse assunto não mereceu a prioridade necessária foi criado o que os economistas chamam de "paternalismo libertário", em que os governos se atribuem a tarefa de decidir pelas pessoas. O resultado disso por aqui foi que:
1 - Só 14% dos empregados registrados ou funcionários públicos disseram ter previdência privada.
2 - No setor informal e entre os que trabalham por conta própria essa percentagem cai para 8%.
3 - A maioria dos brasileiros não tem reserva para emergência (aqui o recomentado é um fundo de reserva de no mínimo 6 meses).
4 - As mulheres poupam menos que os homens (mera curiosidade, dados do Banco Mundial, não meus).
Para finalizar, dois depoimentos:
1 - Paulo Costa, doutor em economia por Harvard e autor do livro "Aprendendo a Lidar com o Dinheiro", comparando o Brasil com outros países:
Ele é o que os economistas chamam de um indivíduo "present biased". O peso que ele dá ao presente, à sua vida imediata, é excessivo. Aqueles que têm carimbada em sua mente a ideologia da perseguição das elites vão argumentar que quem tem um salário tão diminuto não tem como poupar. Isso tem um fundo de verdade, mas sabemos que se trata de uma verdade parcial. Cada um de nós conhece, tem muito perto de si, pessoas que, por mais que ganhem, sempre dão um jeito de terminar o mês devendo, gastando mais que ganharam.
Tenho uma opinião a respeito dessa nossa característica: isso se deve ao nosso clima ameno, tropical. E a Europa, pequena mas com um grande número de países, é um exemplo claro de que o clima é importante na criação nas sociedades da necessidade de se planejar. Os países nórdicos europeus são muito mais avançados que os mediterrâneos nesse quesito.
Aqui no Brasil a preparação para o inverno só se faz, ou só se fazia, dadas as mudanças climáticas, no Sul e nas comunidades das montanhas. Já peguei 5 graus negativos em Gonçalves, MG, anos atrás, mas duvido que isso volte a acontecer. Mas voltemos à reportagem.
Ela mostra que 65% dos brasileiros não poupam para o futuro, e que mesmo entre os mais ricos metade deles não fazem reservas. Isso a meu ver é resultado do regime paternalista que foi criado na ilusão de que a "viúva", o poder público, iria tomar conta desse problema, mas que pouco a pouco se concluiu que essa conta não fechava.
E haja reclamação. E haja resistência contra se mudar esse estado de coisas. O Congresso, sob a batuta de Rodrigo Maia, acaba de dar a Jair Bolsonaro um presente para o qual seu esforço em receber foi pífio, dada a forte resistência popular a ele: a Reforma da Previdência.
Não que eu seja totalmente de acordo com ela, por achar que as medidas definidas pesaram mais sobre o contribuinte que sobre a elite empresarial, que permaneceu firme com as suas isenções fiscais. Mas isso é outra história que já discutimos aqui. É evidente que a Reforma vai reduzir benefícios e adiar a sua obtenção, e isso vai aumentar a importância de uma poupança adicional e voluntária. E o brasileiro está despreparado para essa mudança de rumo, não mais tanto por ignorância, já que o Congresso cumpriu muito bem o seu papel, mas sim pela sua tradição imediatista.
Existe um teste que é capaz de medir o imediatismo de uma sociedade, e ele foi aplicado por aqui. Vejamos como a coisa funciona:
O Datafolha fez duas perguntas aos seus entrevistados na pesquisa sobre o imediatismo nacional:
1 - Se você pudesse escolher entre receber R$ 100 agora ou uma quantia de dinheiro daqui a um ano, qual valor gostaria de receber?
2 - E se você pudesse escolher entre R$ 100 agora ou uma quantia daqui a dez anos, qual valor gostaria de receber?
Com base nas respostas e o retorno que uma aplicação financeira normal daria aos R$ 100 em cada caso é possível calcular um valor que os especialistas chamam de "beta" que pode variar de 0 a 1, e no caso brasileiro ele foi de 0,26, o que indica um imediatismo agudo.
O argumento de que o brasileiro não tem conhecimento financeiro suficiente para uma resposta adequada foi levado em conta, e as respostas que não faziam sentido do ponto de vista financeiro (70% dos quase 6.000 entrevistados) foram descartadas. Mesmo assim se chegou a um número incrivelmente baixo para o "beta".
A nível de comparação, o valor 0,26 obtido para o Brasil é menos da metade da média latino americana. O resultado disso é que, entre 143 países, só 11 poupam menos que o Brasil para a velhice.
Mudar do regime de partição vigente, que é aquele que faz com que os brasileiros ativos sustentam a aposentadoria dos inativos, para o de capitalização, que é o que torna cada brasileiro responsável pela sua própria velhice, segundo especialistas, é algo que vai contra a natureza do ser humano. Os homens das cavernas passaram milênios consumindo imediatamente tudo o que caçavam.
O aumento da expectativa de vida trouxe à luz a necessidade de se pensar em como tratar com os idosos que deixavam de ser produtivos antes de morrer. Nos locais de clima rigoroso essa mudança se deu de forma mais eficaz, já que era necessária uma preparação para o inverno. Naqueles locais em que não havia preocupação sequer com a roupa que vestir esse processo foi considerado de baixa prioridade.
Por isso em vários países nórdicos a previdência privada é obrigatória, e nos Estados Unidos a adesão a um fundo de pensão da empresa é automática, estratégia que os economistas chamam de "cutucões" ou "empurrões" (nudges), que estimulam a ação sem tornar necessária a tomada de decisão.
Em outros países onde esse assunto não mereceu a prioridade necessária foi criado o que os economistas chamam de "paternalismo libertário", em que os governos se atribuem a tarefa de decidir pelas pessoas. O resultado disso por aqui foi que:
1 - Só 14% dos empregados registrados ou funcionários públicos disseram ter previdência privada.
2 - No setor informal e entre os que trabalham por conta própria essa percentagem cai para 8%.
3 - A maioria dos brasileiros não tem reserva para emergência (aqui o recomentado é um fundo de reserva de no mínimo 6 meses).
4 - As mulheres poupam menos que os homens (mera curiosidade, dados do Banco Mundial, não meus).
Para finalizar, dois depoimentos:
1 - Paulo Costa, doutor em economia por Harvard e autor do livro "Aprendendo a Lidar com o Dinheiro", comparando o Brasil com outros países:
- Há universidades públicas gratuitas. O sistema de aposentadoria é um dos mais generosos dos mundo. E o sistema de saúde, embora falho, existe e atende parcela da população.
2 -Guilherme Linchand, professor da Universidade de Zurique:
- Mesmo executivos e universitários têm dificuldade em tomar essas decisões como deveriam, já que o custo de poupar cai no presente, e os benefícios só aparecem no futuro"
Oportuno este seu blog. Sempre achei que o clima fosse a causa única deste imediatismo mas fiquei surpreso em ver os russos, com aquele terrível inverno, serem ainda mais imediatistas. Outra surpresa foi ver os brasileiros bem mais que os demais latino-americanos. Será que há alguma explicação baseada na diferença entre a colonização portuguesa e espanhola?
ResponderExcluirMelhorar o nivel de educação será ainda mais necessário agora com o sistema de capitalização..Nossa cultura está se distanciando neste item e muitos outros da cultura dos nossos antepassados das cavernas.
Abraço
Roberto Gadelha Pinheiro
Amigo Gadelha
ExcluirO caso russo parece controverso, mas você deve levar em conta que as décadas de regime socialista tornaram a sociedade russa totalmente inerte no que tange as iniciativas que valorizam o indivíduo.
Esse fato se reflete em toda a Europa Oriental, mas com ênfase no país que comandou esse império socialista sinistro.
...e ainda temos para agravar aquela filosofia de "viver o agora".
ResponderExcluirAmigo desconhecido
ExcluirPor favor se identifique. Seu comentário foi curto mas muto adequado.
Várias pessoas tecem comentários aos meus Posts no meio que eu encontrei para divulgá-los: WhatsApp, Facebook, G-mail....
ResponderExcluirO ideal seria que os comentários fossem feitos aqui no fim do Post. Isso traria sinergia aos assuntos apresentados aqui.
Vou tomar a liberdade de mostrar os comentários aqui.
Comentário de Carlos Alberto Andrade
ResponderExcluirMuito bom. A ocorrência de guerras devastoras na Europa no século passado e o consequente sofrimento da população, também não contribuem para que os europeus se preocupem mais com o futuro?
Comentário de Helena Zuppani
ResponderExcluirDeveria publicar num jornal. Muito Elucidativo.
Comentário de Vasco Costa
ResponderExcluirBom dia , todos muito bons . Nos US existe mesmo uma preocupação muito grande com os anos seguintes , esta presente nas propagandas de televisão, jornais e revistas e os artigos a respeito são uma constante . Os americanos tem uma aposentadoria razoavel mais as aplicações no chamado 401K geram uma renda razoavel . A grande preocupação eh com os custos de saude , mesmo com o Medicare pagando 75% desses custos depois dos 65 anos , sendo necessario um seguro privado para cobrir essas despezas . Os custos com saude são altíssimos , uma colonoscopia no Brasil custa Rs $700 ,aqui custa Us $4000 , e por ai vai tudo carissimo . Como explicar que 3 meses de Crestor no Brasil custa aproximadamente Rs $500 e aqui US $ 900 ?
Grande abraço
Comentário de José Eugenio Guisard Ferraz
ResponderExcluirExcelente artigo. Tem muito a ver com a atitude perante a incerteza. O nível de aversão ao risco.
Comentário de Sueli, dona da casa de repouso Doces Lembranças
ResponderExcluirE mais pura verdade, e a consequência disso é falta de conforto que muitos acabam tendo de enfrentar na terceira idade, faltando até mesmo básico, como moradia, alimentos e até mesmo remédios importantes....🥺