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A Importância da (Re)Leitura e a Pandemia

O volume de pessoas que sucumbem ao estresse em ocasiões pelas quais estamos passando impressiona. Vejo esse fenômeno como um sintoma do nosso despreparo para enfrentar situações inusitadas, e também ao fato da tecnologia nos ter afastado de uma ferramenta fundamental para propiciar o nosso encontro com nós mesmos.

Aqueles que ainda estão contaminados pelo dia a dia dos estudos e do trabalho sofrem o baque de ter que adaptar sua rotina a um lugar que em geral eles encaram como algo só um pouco além de um dormitório: a sua casa. o seu lar.

Os profissionais sentem falta do famoso cafezinho, do almoço no restaurante perto do ou no próprio local de trabalho, socializar com os colegas, ouso dizer até do sacrifício de ter que se deslocar para trabalhar, sair de casa. Os alunos reclamam da falta de experiência dos professores, e deles mesmos, em aulas "on line". A quantidade de laptops é insuficiente para atender os pais e os filhos, o espaço é exíguo para receber tanta atividade...

Já para aqueles como eu que há 14 anos se livraram dessas obrigações a coisa, que deveria ser menos traumática, pelo que estou vendo ao meu redor, estranhamente não é, piora. Os motivos alegados são muitos:
  • As reprises dos programas esportivos são muito chatas; não há nada mais constrangedor que ver a seleção de 1970 repetidas vezes, ou a de 1958, nos dizendo que nunca mais teremos um futebol como aquele.
  • Os filmes da Netflix que interessam já foram todos vistos; essa semana cheguei a essa conclusão, e também concluí que não há nada mais estressante que seguir uma série de 8/9 temporadas. 
  • Aquele telefonema para os parentes e amigos, que nos aliviaria da falta de papo, está fora de moda. O certo hoje em dia é apertar o microfone do WhatsApp, falar alguma coisa, e esperar que o destinatário responda, o que pode durar dias.
  • Comer fora.... a feijoada de sexta é entregue por uma moto em uma quentinha de isopor que traz o torresmo já encharcado pelo feijão.
e por aí vai. Só que dia desses me deparei com minha mulher lendo um livro que eu tinha certeza que ela já tinha lido. Imediatamente temi pelo fato de, como estamos naquela idade em que temos a obrigação de levar em conta aquele famoso alemão, algo estivesse acontecendo:

- Acho que nós já lemos esse livro.
- É, mas eu gosto de reler coisas que eu li e gostei..

Aí eu me lembrei que tem um livro do Bertrand Russel que está sempre presente em algum lugar da casa, e vejam que este mês estamos fazendo 50 anos de casados

O tal livro onipresente

Mas o livro de que estou falando é outro; trata-se de um tijolo de 541 páginas que me foi presenteado por um grande amigo. Reler um livro desse tamanho quando a Amazon oferece 1 milhão de títulos me pareceu à primeira vista um despropósito, mas eu pensei melhor, esperei ela terminar a leitura (o que ela faz com voracidade), peguei o livro, levei pra minha mesa de cabeceira, e iniciei sua releitura.

O livro que motivou esse Post

São 30 capítulos que, como bem diz o título, tratam de quase tudo, desde a idade da Terra, do seu peso, do que é composto o átomo, até aqueles ácaros que habitam os nossos travesseiros aos milhões. Me lembro que quando o li pela primeira vez o fazia em regime de partilhamento com outro livro, o que agora vejo que foi um erro. Também me lembro que a velocidade com que li agora foi muito maior: não há futebol ao vivo, nem o bar de sábado, nem o churrasco com os amigos na quarta...

E há o prazer da releitura que minha mulher me induziu a gostar. Pensando bem, se expandirmos esse argumento poderíamos alegar que, já que o número de músicas e o de gêneros musicai são enormes, não faz muito sentido eu pôr pra tocar de vez em quando o segundo movimento da sétima de Beethoven, ou o adágio do concerto de Marcello para oboé:


Eu já ouvi essas músicas tantas vezes, pra que ouvi-las de novo em vez de me aventurar em outros sons?

Então ficou acertado que, já que a vida é finita e não haverá tempo para ler o milhão de títulos da Amazon, parte da minha atividade de leitura vai ser na verdade releitura. Inclusive já reservei um espaço no escritório para guardar os candidatos. São eles:

Ficção:
  • O Silêncio do Delator, de José Nêumane (Já dei esse livro para vários amigos)
  • Os Buddenbrook, de Thomas Mann
  • Os Filhos da Rua Arbat, de Anatoli Ribakov
  • O Cemitério de Praga, de Humberto Eco
Não ficção:
  • O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Machael Baigent e outros
  • A Bíblia Sagrada (fico em dúvida se seria ficção)
  • Aprender a Viver, de Luc Ferry
  • Pós Guerra, uma História da Europa desde 1945, de Tony Judd
  • Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas, de Robert Pirsig
  • João de Ferro, um Livro sobre Homens, de Robert Bly

Os do Harari deixei de fora porque são de leitura recente, precisam dar cura. Os livros acima eu classifico entre aqueles que tiveram o mérito de mudar a orientação do meu vetor inteligência. Estranho chamar a inteligência de vetor, mas esse é um conceito que me foi dado por um professor de Física que tive, que definitivamente mexeu com a minha. 

Ele estava falando sobre grandezas, e deu como exemplo a burrice e a inteligência: Para ele a burrice era uma grandeza escalar; um burro é um burro, dois burros multiplicam por dois a burrice do ambiente onde se encontram. Já a inteligência é vetorial; um inteligente possui uma massa, que pode ser medida pelo tal Quociente de Inteligência (QI) e um vetor, que orienta a inteligência (para a virtude, para o crime, para a esquerda, para a direita, etc.)

Dito isso concluímos que, enquanto dois burros duplicam a burrice escalar, sem orientação, dois inteligentes não duplicam a inteligência, e podem até anulá-la, o que está ocorrendo agora em nossa sociedade polarizada. 

Estão eu concluo que a leitura, e agora a releitura, se não têm o mérito de aumentar a massa inteligente, o QI, têm o de levar o vetor inteligência a portos amigos, que vão nos propiciar a oportunidade de nos tornarmos melhores cidadãos, menos inúteis mesmo nas situações como a que estamos enfrentando. 

Agora vamos dar umas canjas com base no livro Breve História Sobre Quase Tudo:

Canja número 1:

Dia 23/06 ocorreu um terremoto no México, com epicentro no Estado de Oaxaca, com magnitude 7,5 (um terremoto 7,5 é 10 vezes mais forte que um 6,5, ou 100 vezes que um 5,5). Sem danos apesar da intensidade por ter ocorrido longe de lugares habitados. Imediatamente passei a ouvir queixas tipo "não bastasse a Covid os coitados ainda têm que aguentar terremoto, por que a Natureza (ou quem sabe Deus) é tão ruim com a gente?"

Muito bem. Segundo sabemos a Terra possui a característica de ter um núcleo quente, o que não é comum a todos os planetas. O terremoto não e mais que uma manifestação desse núcleo que rompe a crosta da superfície em alguma emenda dela. 

Suponhamos que esse núcleo quente não existisse. Como a Terra tem uma idade estimada em 3 bilhões de anos, ela já deu até hoje 4 x 360 (dias) bilhões de voltas em torno de si mesma, o que leva a estimar que ela teria um formato liso como uma bola de sinuca. Só que nesse caso a quantidade de água que ela possui a levaria a ter toda a sua superfície coberta por mais ou menos 4 quilômetros de água. Melhor seria chamá~la de planeta Água. 

O que faz a Terra possuir uma pequena parte da sua superfície livre da água é exatamente o resultado da ação dos terremotos, que forçaram a formação das montanhas e das áreas acima do nível do mar. Não fosse isso não existiria terra firme, e o nosso antepassado não teria tido a péssima ideia de deixar de ser um habitante das águas milhões de anos atrás. Seríamos hoje quem sabe primos mais próximos dos mamíferos que por lá ficaram. 

Canja número 2:

Em 1982 fui morar no Vale do Silício por um ano, fazer um treinamento em projeto de circuitos integrados. Chegando lá comprei uma Ford LTD Station Wagon 1976 por US$ 1.500 e um Totyota Corolla 1975 por US$ US$ 1.800. Um grande negócio. Da primeira vez que estacionei a perua pra abastecer percebi que era eu mesmo quem tinha que fazê-lo. Descobri que havia dois tipos de gasolina: regular e unleaded (sem chumbo). Me dirigi à pessoa que iria receber o pagamento e perguntei qual deveria usar. Ele olhou meu carro velho e disse: use regular.

Mais tarde vim a saber que estava havendo um movimento forte no sentido de deixar de se utilizar o chumbo nas atividades industriais: alimentos fechados em latas com solda de chumbo, água armazenada em tanques de chumbo, pastas de dente acondicionadas em tubos de chumbo, arseniato de chumbo usado como pesticida; mas principalmente o uso do chumbo tetraetila na gasolina para reduzir a vibração conhecida como batida de pino (pré ignição).

O autor considera o uso do chumbo na gasolina a pior invenção de todos os tempos. Seu inventor, Thomas Midgley Jr., quase se superou ao inventar também o chamado clorofluorcarbono (CFC) que entrou em produção como gás de refrigeração e quase destruiu a nossa camada de ozônio da estratosfera. Mas voltemos ao chumbo,

Ele é uma neurotoxina. Danifica de forma irreparável o cérebro e o sistema nervoso central. Mas a General Motors, a Du Pont e a Standard Oil formaram uma sociedade chamada Ethyl Corporation que colocou no mundo uma quantidade enorme de chumbo. 

O que se descobriu foi que antes de 1923 quase não havia chumbo na atmosfera, a partir da análise do gelo da Groenlândia, e quem está vivo hoje possui 625 vezes mais chumbo que uma pessoa que viveu um século atrás. O resultados disso ficam a cargo da imaginação de quem vier a ler esses rascunhos.

Canja número 3:

Essa é rápida e é também um afago no ego dos criacionistas:

A chance de uma molécula se autoproduzir espontaneamente.é nula. É algo que nunca deve acontecer. Por exemplo uma molécula de colágeno é formada por uma sequência de 1.055 aminoácidos . Essa probabilidade dela vir a acontecer seria equivalente a termos um máquina caça niqueis de cerca de 27 metros capaz de acomodar 1.055 rodas verticais paralelas, em vez das 3 ou 4 usuais, com 20 símbolos em cada roda (uma para cada aminoácido), e obter a sequência certa.

Coisa pra Deus resolver?

Pois bem, então fica assim:
  • O atleta treina centenas de vezes a largada de uma corrida rápida, o controle da energia em uma corrida longa ou numa partida de futebol
  • Não me lembro de uma unica vez em que minha banda CachaSamba tocou em um bar sem que tenha sido pedida aquela música do Gonzaguinha que fala da luta e do amor.
  • Ou que a minha banda Va Idosos tocou num asilo sem que fosse pedida a Bandeira Branca.
  • Ou que todo ano não batesse a vontade de passar um fim de semana em Gonçalves.
Então vamos nos preparar para a releitura. É uma grande arma para enfrentar a quarentena, por não ser desafiadora e nos fazer reencontrar com momentos passados agradáveis. 

Comentários

  1. Grande Fontenelle: ler e reler são atividades excelentes e para quem está habituado a exerce-las, independente da pandemia, o isolamento social pode virar uma faze prazerosa. Da sua lista já li "Aprendendo a Viver" do Luc Ferry e "Europa pós guerra" do Tony Judt, este sugerido por você. Tomei conhecimento de um teólogo alemão radicado no Ceará há 30 anos que vive de ministrar cursos semestrais com aulas semanais sobre filosofia e temas ligados à religião.Já assisti "Filosofia da Arte", baseado em Schopenhauer, "Goethe", e atualmente vejo "Filosofia em tempos de crise", e "História do povo e religião de Israel", onde a Bíblia é o livro texto. Vamos combinar, a Bíblia pode ser tudo, menos um livro sagrado.

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  2. Mais instigante do que cético.
    Me incomoda a ansiedade que decorre da densidade de informações contidas em documentários bem feitos.
    Me perdi na velocidade da vida atual.

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