É lugar comum pensarmos que a a sociedade global, mais em função da leniência com que a Democracia tem tratado seus detratores, como também pela forma como seus inimigos se aproveitam dela em eleições livres para diminuí-la, precisa passar com urgência por uma transformação que a torne mais conservadora, nos costumes e também no modo como ela nos monitora.
Mas dizer que ao controlar os costumes e nos monitorar a faz manter sua característica democrática é uma ilusão, e o que pretendemos neste Post é convidar o leitor a uma avaliação da sua posição no que tange a sua ideologia. Para tanto vamos lançar mão de um artigo do Huffpost de abril de 2.015 assinado por Grasielle Castro: "10 Motivos para temer a Bancada BBB, 'Bíblia, Boi e Bala', do Congresso Nacional".
Observem a data do artigo: 2.015. Isso quer dizer que o movimento conservador não nasceu com Jair Bolsonaro, que viria a ser o quarto B instalado no executivo para acionar as propostas da bancada BBB. Esse grupo heterogêneo e coeso recebeu este apelido da deputada Erika Kokay (PT-DF), "em referência à quantidade de religiosos, delegados e ruralistas" que adentraram na Política, aumentando em muito o seu perfil conservador.
A escolha do partido pelo qual os BBBs entram na Política é livre, mas uma vez lá dentro passam a valer os preceitos religiosos, as ideias radicais quanto à segurança e o negativismo ambiental. Como as facções não são grandes o suficiente para fazer valer suas propostas, a solução foi um acordo tácito de que uma proposta de um B é apoiada pelos outros dois Bs, e assim fica fácil a aprovação que projetos que seriam rejeitados se suportados por um único B. O então presidente da casa Eduardo Cunha foi importante na criação dessa entidade estranha á democracia, por diluir propostas em frações de vários partidos, ao defender do alto de seu cargo propostas que vinham ao encontro da plataforma que o elegeu, que eram caras à bancada BBB.
A ideia do artigo citado, replicada aqui, é listar 10 projetos apoiados pela bancada BBB, e convidar o leitor a fazer uma auto avaliação com base em quais das 10 contam com o seu apoio. Convém observar que todas são propostas datadas de 2.015, mas que permanecem atuais e inclusive reforçadas em função de acontecimentos recentes. Vejamos então:
1 - Redução da Maioridade Penal
A PEC 171/1993 de autoria de Benedito Domingos (PP/DF) alterava o artigo 228 da Constituição que trata da imputabilidade penal do maior de 16 anos. A redução da maioridade penal foi defendida pelo presidente Bolsonaro e foi incluída em seu plano de governo.
Vamos da forma mais isenta possível destacar aqui os argumentos a favor e contra a Proposta. Os favoráveis são:
- Adolescentes de 16 e 17 anos já têm discernimento suficiente para responder por seus atos. Junte-se a isso o fato de já poderem votar.
- A maior parte da população é favorável. Segundo o Datafolha 87% da sociedade afirmam ser a favor da Proposta.
- Sabendo que não pode ser preso o adolescente sente mais liberdade para cometer crimes.
- Muitos países desenvolvidos adotam maioridade penal abaixo de 16 anos. O recordista são os Estados Unidos com 12 anos.
- Menores infratores chegam com 18 anos com ficha limpa, o que é considerado como uma falha do sistema
- A redução da maioridade penal vai diminuir o aliciamento de menores para o tráfico de drogas
- É mais eficiente educar que punir, ou seja, a criminalidade entre menores só será resolvida quando for superado o problema com a educação.
- O sistema prisional brasileiro não contribui para a reinserção dos jovens na sociedade.
- Prender menores agravaria ainda mais a crise do sistema prisional.
- Crianças e adolescentes estão em um patamar de desenvolvimento psicológico diferente dos adultos.
- A redução da maioridade penal afetaria principalmente jovens em condições sociais vulneráveis.
- A tendência mundial é a de maioridade penal aos 18 anos.
- A Constituição preferiu proteger os menores de 18 anos da prisão, e isso deveria ser uma cláusula pétrea.
2 - Alteração do Estatuto do Desarmamento
Em janeiro de 2.019, logo após assumir o cargo de Presidente, Jair Bolsonaro assinou o novo Decreto de Posse de Arma. Políticos, especialistas e entidades comentaram o decreto na ocasião. Vejamos as opiniões a favor:
- O decreto levou em conta critério objetivo que identifica locais com alta violência.
- Bolsonaro foi eleito e já defendia em seu programa o direito de comprar uma arma.
- Desvincula a posse de armas da subjetividade do delegado da Polícia Federal, que era quem autorizava a compra da arma quando a pessoa a solicitava com a alegação de necessidade pessoal.
- Com a ampliação do prazo de validade do registro de posse será mais fácil manter os armamentos legalizados.
- Criminosos terão medo de invadir uma casa para cometer assalto.
- A arma de fogo como proteção pessoal é como a faca, que também pode matar.
- Países como os Estados Unidos permitem que o cidadão tenha uma arma em casa, como garantia da democracia.
- A circulação de armas vai aumentar, e mais armas significam mais mortes.
- Segundo pesquisa da Datafolha a maioria da população é contra a posse de armas.
- Levantamentos mostram que a maior parte das armas de fogo utilizadas em ocorrências criminosas foram vendidas de forma legítima a cidadãos autorizados, que depois tiveram a arma desviada ou subtraída.
- O decreto extrapola a competência prevista para o Poder Executivo, e não houve discussão sobre o assunto no Congresso e na sociedade.
- É um chamariz para a população mas não trará melhorias para a segurança pública.
- O poder público se omite e entrega o cidadão à própria sorte.
- Mais armas em casa trazem riscos de acidentes com criança, suicídio, briga de casais e discussões banais.
3 - Arma de Fogo para Parlamentar
O presidente da bancada da bala Alberto Fraga (DEM-DF) resolveu legislar em causa própria e apresentou projeto de posse de armas para parlamentares. Com a palavra do autor:
"Tem gente que fica com medo do que as pessoas vão achar, mas que e não tem coragem de falar isso publicamente. Quem se sentir incomodado que não use".
Segundo Fraga a motivação da iniciativa se deu em função da agressão sofrida pelo deputado Lincoln Portella (PR-MG) durante manifestação da CUT contra a terceirização.
Acho desnecessário apresentar os prós e contras desse assunto. Resolvi mantê-lo aqui mais em função dele nos dar uma ideia do quão longe podemos chegar nesses assuntos de Bala, Boi e Bíblia.
Meu voto é contra
4 - Estatuto da Família
O Projeto de Lei (PL) 6583 de 2013 que cria o Estatuto da Família se seguiu a uma enquete que perguntava o que seria uma família. Foi criada uma comissão especial presidida por um teólogo, Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), tendo como relator Diego Garcia (PHS-PR), ambos da Bancada da Bíblia.
Em junho de 2018 o Estatuto da Família foi promulgado. Ele define a família como o "núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável" ou "por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
5 - PEC 215, Contra os interesses dos Índios
A princípio o leitor vai concluir que essa PEC nada tem de conservadora. Ela transfere do Governo Federal (e da Funai) para o Congresso a responsabilidade de fazer a demarcação das terras indígenas. O que os índios temem é que os deputados ruralistas, como apoio da bancada BBB, passem a legislar em causa própria.
Aqui eu vou fazer uma pausa para contar um "causo". Na década de 70 eu e minha esposa íamos pescar no Araguaia, nos hospedando num Botel do pai de um grande amigo meu. Eu e ele saíamos cedinho pra pescar em dois barcos diferentes, que ficavam no meio do rio a uns 100/200 metros de distância um do outro. Isso não impedia que ficássemos conversando como se estivéssemos em uma sala, dados o silêncio e a facilidade com que o som se propaga num rio de águas calmas.
Pois bem, de repente começo a ouvir uma música, "She is my Girl", sucesso da época. Era um índio em uma bicicleta com um som na garupa, na margem a centenas de metros.
6 - Estatuto do Nascituro
A Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, com mais de 200 parlamentares, apresentou o PL 478/2007, o Estatuto do Nascituro, o qual dá direitos ao Feto e inviabiliza qualquer oportunidade de se discutir a descriminalização do aborto. A medida proíbe inclusive o aborto em caso de estupro.
Aqui se dá o embate entre entre os que defendem o direito do bebê e os que entendem que na verdade essa proposta legitima o estupro e é cruel com as mulheres. Recentemente tivemos o caso de uma criança de 11 anos que engravidou de um tio em São Mateus - ES, e que ganhou repercussão nacional. Os abusos começaram quando ela tinha 6 anos e se mantinham com ameaças de fazer algum mal aos parentes da criança.
A lei é clara, diria aquele juiz de futebol: “Existem três casos pontuais em que o legislador autoriza o aborto. A primeira hipótese é quando não há outro meio para salvar a vida da gestante. A segunda situação que o código penal autoriza o aborto é quando a gravidez resulta de estupro. E o terceiro caso é nos diagnósticos de anencefalia, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal”.
Pra encurtar a história, a reação contra a decisão judicial de cumprir a lei, até porque se tratava de um estupro com risco de vida para a criança, foi tamanha que o aborto teve que ser realizado em Recife. A alta da criança do hospital teve que ser feita com a adoção de medidas de segurança para preservar a integridade dela. O nome do médico que cumpriu a decisão judicial foi divulgado por uma maluca extremista.
7 - Aborto como Crime Hediondo
O Projeto 7443/2006 de autoria de Eduardo Cunha está na mesma linha do citado acima. O argumento de Cunha é que "incluir o aborto como crime contra a vida implica em atribuir a esse tipo penal tratamento diferenciado e severo, que o equipara ao crime de homicídio".
A mim parece claro que quem é contra ou a favor desse projeto é contra ou a favor do anterior, o que na prática dá peso 2 a esse assunto. Porém ele é de uma importância muito grande para a nossa sociedade, a ponto de se tornar um dos maiores fatores de polarização.
8 - Punição maior para Médico que Pratica o Aborto
Cunha também entrou com o PL 1545/2011, o qual tipifica o crime de aborto praticado pelo médico quando não for dos tipos admitidos pela lei brasileira, Sua sugestão é punir o médico com reclusão de 6 a 20 anos, além de proibir o exercício da profissão.
O artigo 126 do Código Penal prevê reclusão de 1 a 4 anos. Minha posição pessoal sobre esses três projetos é:
- Contra o sexto
- Contra o sétimo
- Neutro quanto ao oitavo
9 - Criminalização da Heterofobia
Num desafio aberto aos que defendem avanços na legislação, Cunha também desarquivou projeto que penaliza a discriminação contra os heterossexuais. A matéria tinha passado pela Comissão de Direitos humanos, onde a relatora Erika Kokay rejeitou a proposta com o argumento de que não existe tal discriminação. O texto foi arquivado e desarquivado por Cunha dez dias depois.
Meu voto é contra
10 - Dia do Orgulho Hétero
Agora vamos entrar no campo da chacota. O mesmo Cunha (vejam a sua importância para o sucesso da bancada BBB) apresentou projeto de lei para criar o Dia do Orgulho Hétero. O PL 1972/2011 estabelece que a data seria comemorada no terceiro domingo de dezembro. Ainda bem, senão corríamos o risco de ter mais um feriado.
Segundo ele "no momento em que se discute preconceito contra homossexuais, acabam criando outro tipo de discriminação - contra o heterossexuais - e além disso o estímulo à ideologia gay supera todo e qualquer combate ao preconceito (?)".
Meu voto é contra
Conclusão:
Deu pra perceber que se eu fosse um parlamentar votaria contra 7 dos projetos acima e teria posição neutra contra três. Como sou contra o voto em branco eu iria resolver na hora;
Vamos imaginar que na avaliação do índice de conservadorismo teríamos o seguinte:
- Voto contra vale 0
- Voto neutro vale 0,5
- Voto a favor vale 1
- Pensar diferente de você não torna essa pessoa um adversário, muito menos um inimigo.
- Trazer essa diferença para o campo político-eleitoral é um erro.
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