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O Comunismo não deu certo. Por que?

O livro "CAMARADAS: Uma História do Comunismo Mundial", de Robert Service, 2.007, Editora Difel, é considerado um dos melhores estudos já realizados sobre o tema. Esse tijolo de 40 capítulos e 656 páginas percorre a expansão e a decadência dessa ideologia pelas dezenas de países onde ela conseguiu se estabelecer, com ênfase:

  • na União Soviética
  • na Europa Oriental e a parte ocidental da URSS
  • na China
  • em Cuba
  • no Sudeste da Ásia
No seus últimos capítulos Service faz um resumo dos motivos que levaram o Comunismo a ter uma decadência comparável à forma vertiginosa como cresceu. Foi uma ideologia que causou espanto quando chegou ao poder na Rússia em 1917, e também no fim século XX quando perdeu sua supremacia no seu país de origem e em vários outros.

Dezenas de Países comunistas simplesmente deixaram de existir em dois anos, a partir de meados de 1989. Podemos dizer que sob a perspectiva da história mundial o comunismo durou não mais que uma fração de segundo. O sistema que chegou a cobrir um quarto do mapa do planeta sofreu uma crise de encolhimento convulsiva e se viu reduzido a uns poucos países ainda com algum tipo de compromisso com ele.

A China foi a única potência globalmente importante que manteve na sua constituição a declaração de Estado Comunista, mas lateralmente implantou uma economia de mercado que a transformou em uma espécie de Frankenstein comunista - capitalista. O Vietnã seguiu o modelo chinês. Cuba abriu as portas para o turismo, atraiu investimentos externos e concedeu liberdade religiosa. O colapso soviético foi um desastre para o comunismo em todas as nações que como Cuba dependiam da ajuda Russa, e nenhum país tem mais interesse em financiar revoltas comunistas no exterior, já que a estratégia chinesa é estritamente comercial, sem preocupação quanto à ideologia e aos direitos humanos. 

Na verdade o que podemos concluir da leitura do livro de Service é que o Comunismo prestou um enorme serviço ao Capitalismo, por um motivo muito simples: seus ideólogos, estabelecidos dos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental, ao criarem suas células nesses países, despertaram na elite dirigente a percepção de que a relação capital - trabalho precisava ser revista e se prepararam para enfrentar essa tarefa. Surgiu daí que as profecias de Marx não puderam se concretizar nesse ambiente mutante de melhoria das condições de trabalho.

Aqueles que se refugiavam nesses países tiveram que apelar para as sociedades que se encontravam mais atrasadas no seu desenvolvimento. Os países que aceitavam por exemplo a criação de Partidos Comunistas não eram terreno fértil para neles se estabelecer uma sociedade igualitária por meio da força. Prova disso foi que os dirigentes dos partidos comunistas ocidentais, ao verem o que se tornou essa ideologia na Europa Oriental, chegaram a inventar o termo Eurocomunismo, na tentativa de convencer seus eleitores de que o pensamento de Marx tinha pouco a ver com a prática de Lenin. 

A Rússia foi escolhida para ser a semente do Comunismo pela razão simples de que era lá que estava a maior desigualdade e a maior instabilidade política na Europa. A sociedade Russa era de longe a que possuía o maior distanciamento entre as elites poderosas e os trabalhadores e camponeses, esses em número proporcionalmente maior, e isso não era uma invenção dos revolucionários, era o terreno que eles procuravam pra lançar sua semente igualitária. 

A guerra contra as Potências Centrais (a Primeira Guerra Mundial) levou esse estado de coisas ao limite, criando fortes tensões no Império Russo. Com a queda da monarquia e a criação de um o Governo Provisório despreparado os comunistas tiveram a chance de se impor como único partido organizado e fazer a sua revolução, e o fizeram com uma certa dose de sorte e competência, dada a fraqueza dos seus adversários. 

O governo Comunista se iniciou com poucos programas, já que seus líderes eram todos teóricos políticos, e com muitas suposições baseadas no marxismo, o que levou a uma enorme resistência, que resultou numa repressão que tornou a Rússia vulnerável em plena guerra. A sociedade Russa era majoritariamente camponesa e as fórmulas marxistas não se aplicavam adequadamente ao campo, o que resultou numa enorme crise de abastecimento. 

Stalin foi o dirigente que percebeu que o legado de Lenin se aplicava parcialmente ao ambiente Russo majoritariamente camponês, e lançou um programa de industrialização que transformou a União Soviética numa grande potência. Porém ele manteve no campo político o sistema Leninista de Estado Monopartidário, ideologia única, economia controlada e sociedade mobilizada. 

O Ocidente teve a oportunidade de combater a União Soviética logo após o fim da guerra mas preferiu não fazê-lo por estar muito fragilizado. A Grande Depressão da economia mundial contribuiu para isso. Também o fato da Rússia ser imensamente rica em recursos naturais deu aos comunistas a oportunidade de se impor como potência exportadora, e essa vantagem prevalece até hoje.

Para conseguir essa transformação Stalin teve o cuidado de suprimir os espaços que pudessem propiciar o surgimento de propostas alternativas. Foram praticamente erradicados os empreendimentos privados, os movimentos nacionalistas e os cultos religiosos. Esse estado de sítio passou por vários dirigentes, Khrushchev, Brejnev, etc,. e só terminou no fim do século com Gorbatchev, que o revogou e talvez sem querer provocou a derrocada do sistema, que não pôde sobreviver sem a repressão.

A União Soviética se aproveitou da tolerância da Europa Ocidental, cansada da guerra, e dos Estados Unidos para impor o Comunismo no seu entorno. Essa caminhada só foi interrompida na Áustria, que por sinal havia sido, a exemplo da Alemanha, fatiada em 4 partes, assim como sua capital Viena:

Fonte: Pós Guerra - Uma História da Europa desde 1045 -Tony Judd - Objetiva - pág. 69

Houve um acordo, a União soviética desistiu da Áustria e o Ocidente desistiu de defender os satélites soviéticos da Europa Oriental. 

A arma usada pelo Ocidente, em particular pelos Estados Unidos, para combater a expansão do Comunismo foi intensificar a corrida armamentista, uma insanidade que permitiu aos dois países estocar bombas atômicas suficientes para destruir várias vezes o planeta. O peso do orçamento militar deixava pouco espaço para se atenderem as necessidades da sociedade soviética, o que levou a um aumento da supressão. Quando o regime de terror foi afrouxado por Gorbatchev o povo soviético estava mais instruído e bem informado sobre o que ocorria no outro lado ideológico. Quando a economia precisou escalar as fases posteriores da industrialização houve a necessidade da ajuda de cientistas, acadêmicos e gerentes preparados, e os conselheiros do regime foram ganhando influência para a elaboração de programas sociais. 

Com poucas adaptações esse regime foi adotado a partir de 1945 na maioria dos países do leste europeu, com as mesmas características de opressão politica, economia engessada, e sociedade alienada. Isso gerou nessas sociedades o mesmo estado de apatia e desilusão. Eles perceberam que era bom negócio egoisticamente aderir ao Partido, mas sem qualquer idealismo e com uma grande dose de cinismo. Como o Comunismo é centralizador e precisa, mais que os outros regimes contar com a eficiência dos seus administradores, o resultado foi um distanciamento progressivo das sociedades da Europa Ocidental.

Ao se dar conta de que o Comunismo levava a sociedade a um estado de enorme frustração alguns líderes comunistas apelaram para o nacionalismo. Isso foi difícil de se implementar na Europa Oriental mantida sob o domínio soviético. Tito na Iugoslávia e Ceaucescu na Romênia foram os que tentaram essa via, sendo que Tito conseguiu com algum sucesso implantar a sua concepção de iugoslavismo, mas Ceaucescu, que se apresentava como o paladino da Romênia, era na verdade odiado pela maioria dos romenos. Em todo caso eles conseguiram manter certa distância da URSS. Tito chegou a acusar o Kremlin de tentativas de assassiná-lo.

Mais longe da URSS a China, o Vietnã e Cuba exploraram melhor a via nacionalista. Os chineses romperam com Moscou e adotaram políticas específicas. O Vietnã do Norte e Cuba continuaram a receber ajuda soviética, mas a distância permitiu que Ho Chi Minh e Fidel Castro governassem mais ou menos ao seu bel prazer. No caso Latino Americano Fidel foi convertido num herói regional e alavancou o crescimento da ideologia comunista no continente, com os mesmos resultados catastróficos, catapultados pelo baixo perfil cultural das nossas sociedades. 

Enquanto isso as tentativas da Hungria e da então Tchecoslováquia e implementar reformas eram sufocadas com violência pelas forças do "Pacto de Varsóvia", o contraponto à OTAN da Europa Oriental. As autoridades comunistas nunca entenderam que o desejo de suas sociedades de gozar de privacidade, de se livrarem da interferência do Estado, não morria com a repressão. A fé religiosa também não foi destruída e o cristianismo organizado, ao contrário do daqui, se tornou um forte instrumento anticomunista.

E assim o Comunismo ruiu como um castelo de areia, E a pergunta fica: já que o Comunismo é a bem dizer contrário à própria teoria da evolução, o que leva as sociedades menos desenvolvidas a insistir nessa solução?

Quem não foi socialista aos vinte anos não tem coração; quem continua sendo aos quarenta não tem cérebro.

Essa frase, com algumas variantes, é atribuída a vários autores, desde Churchill ao meu ídolo Roberto Campos. Eu em particular tenho a convicção de que o ideário comunista se serviu dos ensinamentos de Cristo como uma via mais fácil de alcançar as classes menos favorecidas, que a meu ver chegaram a essa situação com muita ajuda do Cristianismo. Don Helder Câmara deixa isso claro quando diz que "quando eu dou de comer aos pobres me chamam de santo, quando eu pergunto por que eles são pobres me chamam de comunista". 

As elites sem compromisso com a acumulação de valor (vide Post anterior) precisam de três tipos de ajuda: a do artista para divertir as massas de acordo com o que elas pensam ser adequado, a do policial para defendê-la das massas caso elas se rebelem, e a do sacerdote para convencer as massas de que no Paraíso a coisa vai ser melhor. Quanto menos as sociedades se contaminarem com qualquer das versões do monoteísmo, mais elas se aproximam do ideário da sociedade igualitária sem ter que recorrer à ideologia socialista. O socialismo delas é resultado de um aperfeiçoamento do conceito de que você é livre se o seu vizinho também o for.

O triste disso tudo é que os motivos que levaram à criação da ideologia comunista continuam vivos. A opressão tanto política como econômica ainda grassa principalmente nas nações que foram exploradas pelos velhos impérios (e também pelos novos). A dominação global por um número mínimo de potências muda de protagonistas mas ainda persiste, agora sob uma ameaça por mim tida como irrelevante de o novo protagonista professar a ideologia "Comunista". 

O espaço para o surgimento de movimentos radicais, tanto de esquerda como de direita, nasce na ausência de segurança individual, de oportunidades de educação, de acesso à alimentação, moradia e emprego. Esses são os mesmos motivos que levam à criação de formas diferentes de radicalismo, e a meu ver o mais perigoso do momento é o movimento radical islâmico. 

Da mesma forma como os intelectuais marxistas fizeram uso da causa do proletariado industrial, o Islã vem se radicalizando com base nos seus valores fundamentalistas.

Mas isso é outro assunto. Esse radicalismo felizmente ainda não chegou às nossas praias. 


Comentários

  1. O comunismo pode não ter dado certo mas continua vivo. E o que o mantém vivo é a opressão de uma classe sobre a outra. E aqui, neste nosso país, uma forma "sutil" de exercer esta opressão é através da Educação Básica: boas escolas para os A e B,escolas deficientes para os C e D.

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    1. Caro desconhecido
      Desculpe se não fui suficientemente claro ao tentar mostrar que isso é exatamente o que penso.

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  2. Fontenelle, como sempre, muito bem colocadas as suas considerações. Eu gostaria de acrescentar que a utopia marxista é caracterizada por pelo menos duas causas, dentre outras:
    1 – Marx estabeleceu que o ser humano busca a igualdade. Isto nunca aconteceu em nenhum momento da história. O ser humano é egoísta, meritocrático, ganancioso e ávido por ser reconhecido naquilo que faz de melhor.
    2 – Consciência de classe. Marx também “determinou” que os proletários tinham consciência de classe e antes de se considerarem franceses ou alemães, cristãos ou judeus, bancos ou pretos, homens ou mulheres, etc., se viam primordialmente como proletários e se preparavam pela derrubada das classes dominantes por meio de uma revolução. As duas últimas grandes guerras derrubaram toda essa ilusão marxista. Na ante véspera da eclosão da 1ª Guerra Mundial Lenin, Rosa Luxemburgo e todos os bolcheviques ou assemelhados tentaram desesperadamente convencer os cidadãos que a guerra não era do interesse da classe trabalhadora e que os operários não deveriam participar dela. Criou-se até a 2ª Internacional Comunista para esse fim. Deu a guerra. Predominaram as características nacionais, de gênero, religiosas, étnicas e chauvinistas de qualquer grupo.
    Tem muito, mas muito mais gente na fila para entrar nessa tal de burguesia do que para fazer a revolução do proletariado.

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    1. Belo complemento, caro De Assis. Vê-se que você aproveitou bem as aulas da Unicamp sem se contaminar pela orientação delas. Um abraço.

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  3. Recebo do meu amigo V. via e-mail dos Estados Unidos:
    Muito bom , aqui persiste a confusão de que socialismo é comunismo , nada mais longe da verdade .
    No livro Lessons for a Post Pandemic World o autor demonstra que o Sonho Americano é muito mais disponivel nos paises Nordicos , socialistas , que aqui nos Estados Unidos . As razões são complexas mas justificam bem essa inversão das oportunidades nos dois sistemas , até certo ponto antagonicos . Há três decadas atraz nos USA os filhos atingiam qualidade de vida superior aos pais , hoje essa verdade se inverteu ! As oportunidades são muito mais restritas hoje que ontem.
    Um grande abraço

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  4. Recebi via WhatsApp do meu colega de turma Alexandru Solomon:
    Excelente. Só vi agora. Faltou dar ênfase nas eleições, digamos assim, nas quais candidatos únicos ganhavam com 99,9% dos votos.

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