Pular para o conteúdo principal

Sobre a Censura nas Redes - O Triunfo dos Insiders

 Primeiramente algumas definições:

Operar COMPRADO na bolsa: embora tenha tido ao longo dos anos uma relação próxima com as ações, sempre operei COMPRADO. Operar comprado é o normal: você compra uma ação, da mesma forma como compraria um terreno por exemplo, e espera que essa ação se valorize. Se a ação não se valorizar você tem prejuízo, que no limite pode chegar perto 100% do valor investido, se por exemplo fosse uma ação do grupo X do Sr. Eike. Ou seja, operar comprado é apostar que o produto que você comprou vai se valorizar

OPERAR VENDIDO: Já o operador VENDIDO aposta na queda da ação. Ele faz uso da facilidade de alugar a ação de um dono que não pretende especular com ela (deixando na corretora uma garantia). De posse temporária dessa ação ele a vende e aposta que ela vai se desvalorizar. Na hora de devolver a ação alugada ele a compra por um valor menor do que vendeu, a devolve e realiza o lucro. 

Eu nunca me senti confortável em operar Vendido por um motivo simples: seu prejuízo se a ação subir em vez de descer pode tender a muito mais de 100%. Se você vendeu a ação que alugou por R$ 100 e na hora de devolvê-la ao dono ela estiver valendo R$ 400, você a compra por esse preço (para devolvê-la ao dono) e seu prejuízo é de R$ 300, fora o custo do aluguel. Simples assim. 

SHORT SELLER: É o nome que os gringos dão ao operador Vendido. Aqui se diz que ele opera a Descoberto.

SHORT SQUEEZE: Literalmente significa algo como "espremer o operador Vendido". O operador Vendido espera que a ação caia e você força a sua subida usando o expediente por exemplo de aumentar a sua procura no pregão de ações. 

HEDGE FUNDS: Vamos traduzir como Fundos Especulativos. Não gosto de denegrir a esse ponto o verbo especular. Preferiria chamá-los de Fundos Predadores do Capitalismo, usando a definição dada por David Sacks, fundador do Pay Pal, no artigo The Insider's Game que achei no site Persuation do escritor Yascha Mounk. Sua ocupação principal segundo Sacks é "quebrar empresas e se banquetear com suas carcaças", e para isso a venda a descoberto é uma ferramenta poderosa. 

------

Dito isso vamos ao assunto desse Post. Por enquanto vamos falar da briga entre os Insiders e os Outsiders no mercado financeiro. Nessa arena temos uma enorme quantidade de "sardinhas" operando suas parcas poupanças, tendo que enfrentar uma quantidade muito menor de "tubarões" que investem quantias enormes. Adivinhem quem são os Insiders e quem são os Outsiders. Quem tem maior poder de fogo e mais informações sobre o mercado, informações essas nem sempre "republicanas". 

Na verdade este ambiente não é característico do mercado financeiro; o mundo é assim. Existe e sempre vai existir a elite e a ralé, e o papel da sociedade devia ser tentar diminuir a desigualdade através das chamadas Políticas do Bem Estar Social. Para isso de definiram os termos Esquerda e Direita, onde a Esquerda foca as políticas que privilegiam a sociedade como um todo e a Direita foca as liberdades individuais.

Pois bem; recentemente surgiu um fato novo em que as sardinhas se reuniram em um enorme grupo de 2,5 milhões de peixinhos e tomaram a forma de um enorme peixe que assustou os tubarões dos Hedge Funds. Isso aconteceu na Bolsa de Nova York, onde um grupo de discussão da Bolsa chamado WallStreetBets (algo como Apostas na Wall Street) percebeu um movimento forte de operações de venda de uma ação da GameStop, uma varejista de videogames que estava em má situação. Constatando se tratar de uma jogada dos Short Sellers eles decidiram colocar pedidos de compra da ação para elevar seu preço, uma operação típica de "short squeeze". 

Davis Sacks entende que essa iniciativa é comparável a uma Ocupe Wall Street virtual. Um dos líderes do WallStreetBets chegou a afirmar que "a única forma de se ganhar um jogo fraudado é fraudá-lo ainda mais". A ação da GameStop subiu de US$ 18 em 08/01 para US$ 348 em 27/01. Os quase 3 milhões de sardinhas compraram todas as ações à venda pelos tubarões e colocaram enormes pedidos de compra adicional que elevaram seu preço a níveis estratosféricos. A reação a essa iniciativa teve vários desdobramentos:

  • O grupo cresceu de 2,5 milhões para ~8 milhões. Isso aumentou o poder de compra dos WallStreeetBets.
  • Os Hedge Funds, antevendo um prejuízo de ~US$ 20 bilhões, começaram a vender suas outras ações num esforço de cobrir as operações vendidas.
  • A arma principal do grupo era manter a sua capacidade de se comunicar e de continuar no lado "compra" do pregão (a procura aumenta o preço), mantendo as ações em alta. Observem que ao se juntarem a sua capacidade de negociar cresceu e suplantou a dos adversários. 
Só que, em questão de horas a plataforma que eles estavam usando (Discord) baniu a conta do WallStreerBets após o fechamento da Bolsa em 27/01, sob a alegação de "discurso do ódio, glorificação da violência e divulgação de desinformação". Observem que essa justificativa é idêntica à usada para tirar do ar a plataforma Parler semanas antes. Para essa plataforma estava migrando a turma do Donald Trump ao ser bloqueada das grandes plataformas sociais. A capacidade do grupo continuar se comunicando sumiu. 

Ao mesmo tempo os milhões de sardinhas WallStreetBets foram expulsos de suas contas pelas corretoras na manhã de 28/01, sob a alegação de "short squeeze". Eles foram autorizados apenas a fechar suas posições, ou seja a vender as ações (em vez de comprar) aos Hedge Funds desesperados. 

Os usuários furiosos registraram mais de 100 mil reclamações no aplicativo das corretoras  na Google Play Store, e o Google os deletou. A negociação foi retomada em 29/01 com o envio de munição por parte de Wall Street, que colocou mais posições 'short" e a operação dos WallStreetBets fracassou, ou pelo menos não teve o sucesso esperado. O que aconteceu foi que os "insiders" mudaram o jogo tirando dos "outsiders" as ferramentas à sua disposição através de uma nova arma, a censura.

Foi aí que começaram a surgir versões sobre o que aconteceu, e a predominante foi comparar este episódio com o da rede social Parler, que foi retirada do ar, e um Presidente e seus seguidores que tinham migrado para ela por terem sido foi bloqueados de todas as grandes plataformas on line ficaram na mesma situação dos WallStreetBets. A alegação era que era necessário pôr um freio no Presidente e seus seguidores para proteger a transição pacífica do poder. A censura também aqui foi aplicada, só que com um sabor diferente, o de esmagar um novo competidor, já que as grandes mídias sociais transmitiram muito mais mensagens defendendo e planejando o motim que a novata Parler. 

Em ambos os casos vimos uma censura aplicada pelo cartel das empresas de tecnologia, que são os grandes "insiders" do pedaço, e existe um acordo tácito entre os "insiders": por serem uma minoria, eles se protegem mutuamente. Por serem muito poderosos, embora em menor número sua voz é muito mais forte e tudo o que eles têm a dizer prevalece sobre a opinião dos "outsiders".

Como prova de que essa não tão nova divisão da sociedade atualmente prevalece sobre a já surrada briga ideológica entre a esquerda e a direita vejamos o que disse no Tweeter o expoente máximo da esquerda Democrata, a Deputada por Nova York Alexandria Ocasio-Cortez:

Isso é inaceitável, Precisamos agora saber mais sobre a decisão de bloquear todo pequeno investidor de adquirir ações enquanto os Hedge Funds podem livremente negociar a ação como bem entenderem. Como membro do Comitê de Serviços Financeiros, vou defender uma audiência se necessário.

Ted Cruz, senador Texano, Republicano e maior apoiador de Trump, também descendente de latino americanos, respondeu:

Fully agree (totalmente de acordo)

Fazendo uma comparação, seria algo como Bia Kicis e Tábata Amaral concordarem em qualquer coisa (a comparação pode ser motivo de crítica na escolha dos personagens brasileiros mas eu me ative aos mais em evidência). Ocasio-Cortez não deixou barato e deu a sua tréplica, mostrando que a divisão na sociedade americana ainda tem uma grande caminho pela frente:

Estou feliz em trabalhar com os Republicanos nesse assunto onde há pontos de vista em comum, mas você quase me matou 3 semanas atrás, então você não pode participar. Feliz em trabalhar com quase todos os outros Republicanos que não estão tentando me matar. Enquanto isso se quiser ajudar, você pode renunciar.

Ela estava sugerindo que Cruz tinha tanta responsabilidade quanto Trump na invasão do Capitólio. 

Aqui chegamos a um paradoxo: quem deu aos outsiders a capacidade de enfrentar os insiders em todas as frentes de batalha foram as redes sociais. Só que essas redes não são mais que propriedade dos maiores insiders do planeta, aqueles que delas fazem uso para "squeeze" (espremer) tudo o que você expõe de si mesmo com fins comerciais. Elas são enormemente poderosas, ao mesmo tempo que nós os outsiders somos numerosos e desorganizados. 

As redes sociais deram aos outsiders o poder de realizar uma mudança que poderia comprometer a existência dos insiders, mas guardaram escondida uma ferramenta para ser usada no instante em que a atividade passasse a comprometer o lucro aferido pelas redes. Ao se verem ameaçadas as redes sociais, as de negócios, todas elas, imediatamente recorreram à censura para para manter os outsiders fora do jogo.

A tentativa de invasão do Capitólio no dia 06 de Janeiro de deveu ao que a mídia chamou de "A Grande Mentira". Esse argumento na verdade só serviu para aglomerar em torno dele os apoiadores de Trump, para os quais a verdade é qualquer coisa que venha ao encontro de suas posições. Ela foi rejeitada pela mídia, derrubada nos tribunais, rejeitada nas redes sociais e pelos políticos em sua maioria, inclusive o Vice Presidente Mike Pence. A Grande Mentira não chegou ao coração de quem ainda não estava contaminado pelo Trumpismo. 

Na verdade a grande ameaça atual reside no fato de considerar válido o uso da censura para se proteger a Democracia. O episódio da GameStop mostra que essa arma também pode ser empregada para defender as posições dos Insiders no mercado financeiro, e vamos concordar de isso de Democrático não tem nada. A batalha pela liberdade de expressão é não mais que um ingrediente a mais da guerra pelo poder em todas as frentes da sociedade. 

------

Nosso Brasil está passando por um momento complicado nessa peleja no campo político, em que um Insider desferiu ofensas violentas contra um Poder da República, o qual reagiu decretando a prisão desse deputado federal. Como nossa sociedade se encontra numa fase de violenta polarização, torna-se difícil que se chegue a um lugar comum em casos como esse. Vamos aos fatos:

Em 1968 o Governo Militar decretou o Ato Institucional nº 5 em resposta á recusa do Congresso em punir um deputado. Veio a redemocratização e surge um deputado defendendo o retorno do AI-5. Mais que isso, no mesmo vídeo em que isso ocorre vem junto um violento ataque ao Poder Judiciário. É interessante aqui ressaltar que sem as liberdades conquistadas pela redemocratização não haveria espaço para essa proposta de se acabar com essas liberdades. 

Os partidários alegam liberdade de expressão da atitude do deputado, que na pior das hipóteses ele defendeu o AI-5 e o Ministro do STF que o prendeu aplicou o AI-5. Aqui entra a discussão sobre até onde vai essa tal liberdade. O que foi proposto foi o incitamento ao um golpe de estado e a destruição da ordem democrática, somada à destruição da legitimidade de um poder constituído. Se dermos a esse procedimento a proteção da liberdade de expressão estaremos criando uma sociedade totalmente desprovida de freios, sem leis, ou com leis que mudam ao sabor do tirano da hora. 

Vejamos quem é o autor desse grande imbróglio: ex cobrador de ônibus que se tornou policial militar e deputado federal pelo PSL do Rio, 38 anos, foi denunciado pela Procuradoria Geral da República por ameaças a ministros do STF. 

Como cobrador de ônibus ele era investigado pelo MP por apresentar atestados médicos falsos para faltar ao trabalho, o que em tese o impedia de entrar na PM. Já na PM, entre 2013 e 2018, acumulou 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e 2 advertências. Foi eleito deputado com 31.789 votos, na onda da votação maciça nos partidários de Jair Bolsonaro. 

O que leva uma pessoa com esse currículo a ter um assento na Congregação dos Representantes do Povo é uma jabuticaba que só tem lugar nesse sofrido País. Dos 513 Deputados da Câmara, só 27 dependeram exclusivamente dos seus próprios votos para se eleger.  Um número inferior ao da eleição de 2014, que foi de 36. O resultado desse expediente absurdo que dificilmente será modificado é que um número imenso de representantes do povo na verdade representam pouquíssimas pessoas, e se veem desobrigados a responder pelas suas obrigações como representantes da sociedade. A esse indivíduo deve ser aplicada com rigor a força da lei e argumentos para esse caso não faltam: 
  • grave ameaça à ordem, ao regime vigente e ao estado de direito - reclusão de 3 a 15 anos,
  • tentar impedir o livre exercício de qualquer um dos Poderes da União - de 2 a 6 anos,
  • propaganda de violência para alterar a ordem política e social - 1 a 4 anos,
  • incitar a animosidade entre as Forças Armadas e as classes sociais ou instituições civis - 1 a 4 anos,
  • caluniar ou difamar o STF - 1 a 4 anos.
Conclusão: Esse contencioso entre censura e liberdade de expressão tem que ter uma solução, e as redes sociais entraram nessa como os novos protagonistas, com uma atuação que junta seu enorme alcance, um grau de desinformação imenso da nossa sociedade, resultado de décadas de deseducação e maus tratos generalizados, e uma inércia em punir os excessos que se escondem sob a manto de liberdade de expressão.  

Enquanto fecho esse Post fico sabendo que o Congresso se reúne hoje com a pauta que lhe dá a oportunidade de marcar o início de um processo sério para definir bem esse problema. Boa sorte pra ele. 


Comentários

  1. Muito interessante o blog. Começa a desvendar o mecanismo de poder, como age. Em outros tempos tais análises seriam interpretadas como teoria de conspiração e descartadas. Hoje fica claro que é assim que funciona e que talvez o que ocorre nestas praias esteja muito relacionado com este sistema de dominação. Por outro lado, desanima não ter o que fazer contra isto. Tem de negociar.

    ResponderExcluir
  2. Em Primeiro lugar, obrigado pela aula sobre as ações dos outsiders!!!
    Depois foi interessante a análise sobre o deputado defender o AI-5, cujo objetivo era justamente punir os deputados ...
    Mas sou de opinião que os próprios deputados deveriam ter excluído essa figura por falta de decoro!!!

    ResponderExcluir
  3. Excelente. Tão bom que poderia ser dividido em 3 posts: um sobre Gamestop, outro sobre Capitolio e outro sobre o deputado saudoso do AI5. O tema central é único (a censura) mas os contextos são muito diferentes. Seria "justificável" em a alguns casos? Será posssivel legislar sobre quando e como uma censura pode ser exercida em uma rede social? Qualquer que seja a lei, o poder dos "insiders" sempre prevalecerá?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A Europa Islâmica

É irreversível. A Europa, o berço da Civilização Ocidental, como a conhecemos, está com seus dias contados. Os netos dos nossos netos irão viver em um mundo, se ele ainda existir, no qual toda a Europa será dominada pelo Islamismo. Toda essa mudança se dará em função da diminuição da população nativa. Haverá revoltas localizadas, mas o agente maior dessa mudança responde por um nome que os sociólogos têm usado para alertar para esse desfecho: a Demografia. Vamos iniciar este Post com um exercício simples. Suponhamos uma comunidade de 10.000 pessoas, 5.000 homens e 5.000 mulheres, vivendo de forma isolada. Desse total metade (2.500 homens e 2.500 mulheres) já cumpriu sua função procriadora, e a outra metade a está cumprindo ou vai cumprir. Aqui vamos definir dois grupos, o velho não procriador e o novo procriador. Se os 2.500 casais procriadores atingirem uma meta de cada um ter e criar 2 filhos, teremos como resultado que, quando esta geração envelhecer (se tornar não procriadora), a c

Sobre os Políticos

Há tempos estou à procura de uma fonte que me desse conteúdo a respeito desse personagem tão importante para as nossas vidas, mas que tudo indica estar cada vez mais distanciado de nós. Finalmente encontrei um local que me forneceu as opiniões que abasteceram a minha limitada profundidade no assunto: Uma entrevista no site Persuation, de Yascha Mounk, com o escritor, diplomata e político Rory Stewart.  Ex-secretário de Estado para o Desenvolvimento Internacional no Reino Unido, Rory Stewart é hoje presidente de uma instituição de caridade global de alívio à pobreza, a GiveDirectly (DêDiretamente em tradução Livre) e autor do recente livro How not to be a Politician, a Memoir (algo como "Como não ser um Político, um livro de Memórias"). A entrevista é longa e eu me impressionei com ela a ponto de me atrever a fazer um resumo. Pelo que entendi, com o livro Stewart faz uma descrição de suas experiências na política do Reino Unido. Ele inicia a entrevista falando da brutalidade

Sobre o Agronegócio

A nossa sociedade, a nível global, está passando por um processo desafiador a respeito do nosso comportamento, onde as ferramentas, que foram criadas para melhor nos informar, nos desinformam. Uma das questões que se apresentam é: por que discutimos?  Vamos concordar que se não discutíssemos o mundo seria diferente, mas não tenho muita certeza se ele seria melhor. A discussão é uma forma de vendermos o nosso entendimento das coisas, na esperança de arrebanhar adeptos para ele. Para tanto lançamos a nossa opinião sobre um assunto e aguardamos o efeito que ela faz. Hoje em dia isso está se tornando uma missão quase impossível, porque se tornou lugar comum sermos impedidos de levar o nosso raciocínio em frente, com interrupções constantes, que são a arma utilizada para nos desqualificar de antemão, nesse ambiente tóxico que estamos vivendo. O ideal a meu ver seria voltarmos à velha fórmula de comunicação via rádio, em que nossas falas terminariam com a palavra "câmbio", a qual s