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A Brasilianização do Mundo

 

 A periferia é onde o futuro se revela - atribuído a J.C. Ballard

Recentemente recebi de um grande amigo meu, o carioca Roberto, um artigo instigante sob todos os aspectos, a começar com a foto, reproduzida aqui, com uma favela em primeiro plano, e a frase acima, também muito provocativa. O título do artigo é o mesmo desse Post: The Brazilianization of the World.

Minha primeira providência foi investigar sobre a revista que o publicou, a American Affairs, e sobre o autor, Alex Hochuli. Isso porque o título do artigo é um verdadeiro tapa na cara de todos os brasileiros, e quando somos atingidos dessa forma é bom saber:

  • qual a reputação do meio que publicou,
  • quem é o autor da publicação, e
  • qual a consistência do artigo.
Então vamos por partes:

O artigo foi publicado pela American Affairs de 20/05/2021. Procurei no Google informação sobre a revista e descobri que a AA é uma revista trimestral lançada em 2.017 por um tal Julius Krein, a qual foi inicialmente considerada como um órgão promotor do pensamento Trumpista. No entanto em agosto do mesmo ano Krein publicou artigo no New York Times em que se declarou arrependido de ter votado em Trump (?).

Durante a campanha presidencial de 2.016, sob o pseudônimo de Plautus, ele participou do Journal of American Greatness, um jornal "on line" que defendia a base filosófica do Trumpismo (se é que esse assunto é defensável). Essas informações eu consegui na Wikipedia. 

O autor do artigo, Alex Hochuli, para minha surpresa reside no Brasil, e o Linkedin o descreve como "um analista e consultor autônomo sênior com grande experiência e conhecimento em comunicações, marketing digital, inteligência empresarial, política global e tendências culturais". Europeu, cursou História na International School of Brussels, Artes no King's College London, Mestrado na University of Kent e Bacharelado em Ciências na Londom School of Economics. Em suma, é um cara preparado.

Passemos então ao conteúdo. O artigo começa por enfatizar que o coração do capitalismo, que é como ele chama os Estados Unidos e o Reino Unido, seriam melhor preparados para o enfrentamento da Covid, e que não tinham nada a aprender de países como o Brasil, a China, etc. A realidade, segundo o artigo, foi que aparentemente se conclui que o coração do capitalismo agora está "menos desenvolvido". A forma como a Covid agrediu os dois países foi uma prova disso. 

Em termos. Essa semana Nova York comemorou a primeiro dia sem uma única morte pela Covid, e o Reino Unido está em situação bem confortável no controle do vírus. Isso demonstrou a capacidade desses dois países de rapidamente corrigir uma rota equivocada, capacidade esta que estamos demonstrando não possuir. 

Em seguida ele passa a defender que o século XX, com seus conflitos entre Esquerda e Direita, entre democracia social e democracia cristã, terminou. Hoje o que se vê claramente é que as coisas não estão bem, e que as promessas de um futuro melhor não são mais críveis, que iremos enfrentar uma involução social em vez de um progresso. Essa involução ele apresenta como um reflexo do que está ocorrendo no que se convencionou chamar de País do Futuro, o nosso Brasil. O seja, o mundo inevitavelmente está se Brasilianizando.

Comecemos por essa alcunha, o País do Futuro. Um judeu alemão refugiado em Petrópolis no fim dos anos 1940, escreveu o livro Brasil, País do Futuro, que segundo Alberto Dines, o biógrafo do autor Stefan Zweig, "foi o único caso de livro convertido em epíteto nacional". Todos os brasileiros acreditaram nesse destino, e passamos a ser observados de perto, inicialmente com surpresa, seguida de incompreensão e desconfiança. A obra foi um sucesso de vendagem, mas a crítica a ele foi enorme, por considerar o livro ufanista e inadequado para um país que se achava sob forte ditadura. 

O termo Brasilianização foi cunhado em em 1991, por Douglas Coupland em seu romance Geração X: contos para uma cultura acelerada. A exemplo dos Contos de Canterbury de Chaucer ou do Decamerão de Bocácio, o livro narra as conversa de três amigos, Craig, Claire e Andy, que vivem juntos em um vale no sul da Califórnia. Brasilianização para eles seria o processo de "aumentar a desigualdade entre os ricos e os pobres com a consequente extinção da classe média". Mais tarde o sociólogo alemão Ulrich Beck usou esse termo para significar a oscilação entre emprego formal e informal, com o trabalho tendendo a se tornar flexível, informal, precário e descentralizado. Seria a Brasillialização do trabalho. 

Por fim esse termo passou a se referir às transformações na geografia urbana das grandes cidades, com o crescimento das favelas, o aburguesamento dos centros das cidades com a pobreza empurrada para a periferia. Para alguns Brasilianização também pode significar um impasse étnico entre a classe trabalhadora miscigenada e a elite branca. 

Tudo isso cola no perfil social do nosso Brasil, então a rigor não há o que reclamar. O mundo  se Brasilianizou, na medida em que a desigualdade cresce nas grandes cidades por toda a Europa e América do Norte. Mas aí surge a pergunta: o que o Brasil tem a ver com isso?. Vejamos então alguns exemplos:


À esquerda uma favela carioca, à direita um prédio na periferia da Cidade Luz


Favela do Boulevard Ney em Paris


Trabalhadores da construção civil em Dubai


Rua do bairro de Tottenham em Londres após manifestação popular


Cracolândia da Nova York pré "tolerância zero"

Vou repetir: o que o Brasil tem a ver com o Boulevard Ney, com os imigrantes de Dubai, com a rua londrina depredada e com a Nova York do crack? Acho que só a fama. Como diz o ditado, "criou a fama e deitou na cama'. Minha opinião é que talvez se Stefan Zweig tivesse optado por ficar na Alemanha e não escrevesse seu livro ufanista o Brasil continuaria sendo aquele lugar exótico que exportava mulheres com bananas no chapéu e deu a Walt Disney o Zé Carioca. Até Orson Welles caiu na onda do exotismo brasileiro. 

Vejam bem, tudo o que o autor disse a respeito do Brasil no seu artigo é a mais pura verdade. O Brasil possui uma das sociedades mais desiguais do planeta, e pelo seu tamanho e importância econômica e política (essa já está sendo posta em dúvida), juntados ao que se espera dele como guardião da maior floresta tropical do mundo (coisa que ele ainda não assimilou), ele se transforma automaticamente em uma vitrine. E surge o termo Brasilialização para tudo de ruim que está ocorrendo a nível global. 

Se eu tivesse que escolher um termo que traduzisse melhor o que está ocorrendo no planeta, o termo mais adequado seria Ajuste de Contas. Vamos supor que, ao fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, em vez de criar o Plano Marshall, o programa de ajuda econômica aos países da Europa Ocidental que tinham dizimado suas economias, tivessem tomado a decisão de desistir de investir num continente que em poucas décadas tinha sacrificado suas populações em duas guerras que mataram cerca de 60 milhões de pessoas. 

O mapa acima mostra como foram distribuídos proporcionalmente os 14 bilhões de dólares (algo como 110 bilhões ajustados para hoje) do plano Marshall. Como vemos incluídas a Alemanha, a Áustria, a Itália, a Noruega, fica claro que não se tratava de recompensar aliados. O motivo era impedir o avanço do comunismo numa Europa devastada. O critério da divisão do bolo foi priorizar a recuperação industrial, como leve favorecimento aos aliados.

O resultado dessa ajuda foi um verdadeiro milagre onde um continente totalmente arruinado teve em quatro anos o maior crescimento de sua história. A produção industrial cresceu 35% de 1948 a 1952 e a produção agrícola superou os níveis dos anos pré guerra.

Pois bem, e o que aconteceu com o resto do mundo? Devemos lembrar que em seguida à Segunda Grande Guerra aconteceu o conflito Este / Oeste da Guerra Fria, e como bem cita o autor, a nova linha divisória global passou a se chamar Norte / Sul, com o Norte Rico e o Sul pobre. O Norte, em vez de voltar os olhos para o Sul e criar um Plano para a promoção do seu desenvolvimento, permaneceu na velha postura imperialista que juntou a exploração a uma linha defensiva de prevenção contra as sociedades que, mesmo não tendo se envolvido tanto nas guerras entre os Impérios que sempre as dominaram, também tiveram sua boa dose de sofrimento.

O resultado foi inevitável. E o Brasil pouco tem a ver com isso. O processo de degradação das metrópoles do Ocidente são um mero Ajuste de Contas. Guardadas as devidas proporções, está ocorrendo no continente Eurasiano o mesmo que ocorreu com o "continente" Brasileiro, com as hordas de desvalidos das antigas colônias dos impérios Europeus tomando de assalto as ricas cidades, fugindo da terra arrasada deixada pelos europeus. A toda hora um mandatário europeu tem sido obrigado a pedir perdão pelas atitudes perpetradas pelos seus antepassados.

Na América do Norte ocorreu o mesmo, só que em dose dupla. Lá a imigração do sul pobre se junta à revolta daqueles que foram "convidados" a migrar da África para "ajudar" os ricos brancos em suas fazendas. Assistam a "The Underground Railroad" na Amazon Prime para ter uma ideia melhor do que estou tentando dizer.


Para finalizar, o nosso Brasil por si só é grande demais e desigual demais para ficar se preocupando com os relativamente poucos bolivianos, haitianos, etc., que nos procuram na esperança de uma vida melhor. Os Estados imperialistas industriais se encarregam de delimitar a tal Linha Norte / Sul, da forma mais cruel possível. O recolhimento do Imposto Sobre o Consumo na origem é uma maneira de exercer um domínio econômico totalmente injustificável, e um grande criador de desigualdades, talvez o maior a nível demográfico. A nível social temos a nossa elite retrógrada que se ofende quando um imbecil se ufana em dizer que sua sociedade desembarcou em seu país para colonizá-lo vinda da Europa enquanto a nossa surgiu da selva. 

Comentários

  1. Fonte, creio que os argumentos deveriam estar mais sincronizados e robustos, para se chegar à conclusao/título; não consigo deduzir o mesmo que você. O problema é que conheço superficialmente as particularidades de algumas regiões do mundo (em particular na América) e nada de outras muitas. Por ex não acredito que a brasilidade chegue aos paises asiáticos (Japão, China Coréia etc...)

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  2. Bravo, Fonte. Fala aqui o amigo que lhe enviou o artigo. Gostei muito dos seus comentários. Concordo que o artigo não é nada lisonjeiro em relação ao Brasil. Pelo contrário, defende a tese de que os países invejáveis do Ocidente estão caindo na mesma areia movediça em que estamos. Mas, como você mesmo reconhece, o artigo mostra bem que temos uma terrivel distribuição de renda e uma elite sempre defendendo seus interesses e incapaz de se entregar a um projeto de efetiva integração.
    O termo "Brasílianização" é um forte chamativo que deve ser relativizado. Talvez os EUA não estejam realmente involuindo ao que o Brasil é hoje. Mas talvez o Brasil e os EUA estejam evoluindo para um ponto comum que será mais próximo ao que o Brasil do que ao que os EUA são hoje.

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  3. Sim, é desigual. Legado da escravatura entre outros. Imoral tambem. O diagnóstico está feito. Como resolver ? Tem que ter metas e planejamento. Desde que a desigualdade seja uma pauta do sistema político econômico nacional. Não parece ser. Mas estou seguro que, tal como o meio ambiente, vai ser o principal crit´ério para entrar no clube dos países civilizados e para captação de investimentos. Em 2022 teremos de discutir isto a sério.

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