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Sobre o Carro Elétrico

É uma realidade:

  • Até 2.025 a indústria automobilística planeja investir 330 bilhões de dólares no carro elétrico. 
  • Em 2.021 esse investimento cresceu 41% em relação ao ano anterior. 
  • Apenas nos Estados Unidos a venda de carros elétricos deve crescer de 2,7 milhões de veículos em 2.020 para 25,4 milhões em 2.030. 
  • A nível mundial o numero de modelos à venda deve crescer da seguinte forma:

                2.021      39
                2.022      74
                2.023      91
                2.024    106
                2.205    125
O motivo alegado para essa mudança radical no sonho de consumo de boa parte das pessoas de todos os países, talvez perdendo apenas para a casa própria, é que o carro elétrico será a solução para a poluição causada pela queima dos combustíveis fósseis pelos carros atuais a combustão. Isso de fato é verdade, o carro elétrico não queima petróleo, mas é preciso ver a troco do que essa solução irá se concretizar.

Minha posição a respeito desse assunto é outra, e eu devo creditar isso à paixão que sempre tive pelo automóvel, e me dói ver aquilo que penso ser o meu ideal de carro ser submetido a uma mudança tão grande. Mas talvez eu tenha certa razão e cabe aqui expor meus argumentos.

Segundo tenho acompanhado nas revistas de automóveis, o chamado carro térmico atual possui em média 15 mil peças, o carro elétrico possui cerca de 3 mil, e o carro híbrido algo como 18 mil. Na visão do fabricante não faz sentido levar adiante a via do carro híbrido por motivos puramente logísticos: ele possui tudo o que o carro térmico tem mais uma eletrônica sofisticada e a gerência das duas unidades de força, a térmica e a elétrica; ou seja, 3 mil peças a mais. Melhor então seguir a via do carro elétrico com apenas suas 3 mil peças.

Nesse argumento está escondida a meu ver a real motivação para a produção em massa do carro elétrico, e ela é logística. Gerenciar 3 mil peças é muito mais barato que gerenciar 15 mil, pra não falar na economia na mão de obra. Muito embora os robôs já tenham tomado conta da linha de produção, o carro elétrico vai exigir muito menos deles. Ou seja, o carro elétrico é uma mudança conceitual de implicações muito importantes na sociedade. Vamos tentar mostrar essas implicações no nosso caso brasileiro:
  • O álcool, alternativa nativa ao petróleo e do qual falaremos mais tarde, gera em torno de 2,5 milhões de empregos diretos, que tenderiam a virar pó, com forte impacto social na zona rural.
  • O carro elétrico não possui catalizador, escapamento, câmbio, vela, etc.. Aí o desemprego atinge a indústria de autopeças, praticamente a varrendo do mapa. Segundo o IBGE a indústria de autopeças emprega 331 mil trabalhadores, sem contar o contingente alocado no setor de serviços (atacadistas, varejistas, assistência técnica, etc.). São cerca de 3.100 empresas das quais 1.800 com 5 ou mais empregados. As vendas para as montadoras representam cerca de 70% da sua receita, e uma ruptura nesse fornecimento não a manteria de pé, com sérias implicações para os donos dos carros térmicos. 
  • Os postos de combustível são em número superior a 40 mil, com mais de 180 distribuidoras, gerando emprego para cerca de 500 mil pessoas. Eles seriam reduzidos de forma gradual a um número ínfimo necessário à manutenção dos carros térmicos restantes, já que poucos vão se sujeitar a carregar baterias em postos.
  • O Brasil tem uma matriz energética bastante favorável a receber a nossa frota de 45 milhões de carros substituídos por em elétricos. Enquanto o mundo tem apenas 25% de sua energia elétrica renovável, o Brasil chega a 45%. No entanto, estamos presentemente enfrentando uma forte crise hídrica, e tudo indica que, pela forma como nós brasileiros estamos tratando o nosso clima, ela tende a se perpetuar. Segundo consta a nossa frota de 45 milhões de carros, se fosse elétrica, só iria precisar de 1/4 de Itaipu, mas durante os horários de pico seria necessária uma Itaipu inteira. 
Bom salientar que o horário de pico da carga do carro elétrico é aquele no qual ele não está sendo usado, e pode ser estimulado pela operadora mediante o emprego de tarifas diferenciadas. Por exemplo de madrugada.

Os dados acima sugerem que a conversão da nossa frota de veículos de térmicos para elétricos vai somar ao contingente de desempregados algo em torno de 5 milhões de pessoas. Eu não tenho ilusões de que o emprego como o conhecemos está com os seus dias contados, mas também não tenho ilusões de que nossas autoridades vão acordar muito tarde para esse problema, e que o lobby dos fabricantes vai acabar prevalecendo. 

Segundo Celso Ming em sua coluna no jornal O Estado de São Paulo, é senso comum que a opção pelo carro a bateria não é uma unanimidade e não será implementada de forma homogênea. Em particular no Brasil sua produção não terá o crescimento que se imagina. Também se acredita que ele não terá a duração que teve ao longo do tempo o carro a combustão, por dois motivos: 
  • Nem todos os países poderão produzir energia elétrica a partir de fonte limpa, condição necessária para não se trocar seis por meia dúzia. Trocar o carro térmico por um elétrico cuja fonte é obtida da queima do carvão ou do petróleo só faz sentido para os fabricantes do carro,
  • As baterias ainda não foram devidamente avaliadas quanto aos vários problemas que elas acarretam. Seu componente principal, o lítio, não é abundante e sua extração causa enormes danos ambientais. E há também o grande problema do descarte. Se uma bateria de celular pesando em torno de 100 gramas já é uma enorme dor de cabeça, imaginem a de uma carro elétrico que chega a pesar 800 Kg (a do Tesla Model S vendido aqui pesa 540 kg).
Ainda em relação às baterias teremos que enfrentar enormes desafios com relação à reciclagem, à logística, e mais que isso, à segurança. Se juntadas em grande quantidade elas explodem, o que exige o descarte unitário. E a explosão de uma bateria de lítio de centenas de quilos não causa o estragozinho da de uma bateria de celular:

A foto acima não é de um carro térmico; trata-se de um modelo Tesla S Plaid, tido como carro mais rápido do mundo. Ele está à venda no Brasil pelo preço de R$ 1 milhão. Ele pegou fogo com o motorista dentro na Pensilvânia, Estados Unidos (o motorista conseguiu sair apesar das portas terem travado com o incêndio). 

Duas equipes de bombeiros tiveram que trabalhar por três horas para apagar o incêndio. Segundo consta um carro térmico exige uma quantidade de 300 galões de água para se debelar um incêndio nele, enquanto o carro elétrico requer 25 mil galões. Na minha cabeça isso significa que a água não é o material ideal para se combater um incêndio num carro elétrico. Imaginem esse incêndio num depósito dessas baterias, ou o nosso grau de confiança ao nos encontrarmos sentados em cima delas. Elon Musk, o presidente da Tesla, ao lançar o carro com 4 meses de atraso, creditou ao aprimoramento da bateria "para garantir a segurança" como a causa principal do atraso.

O Brasil já produz o carro ecológico que atende muito bem às nossas necessidades e a meu ver não trata dele com a devida consideração. Basta você chegar a um posto de abastecimento para perceber isso: o álcool está sendo negociado a um valor que conduz o cliente a comprar gasolina. O motivo desse absurdo, dizem, é que o álcool sofre a influência direta da cotação do dólar da mesma forma que o petróleo. Também influem o preço do açúcar no mercado internacional, a atual procura do álcool em gel, os impactos ambientais na safra da cana, e por aí vai. Meu diagnóstico: o Governo não dá ao álcool combustível a sua devida importância. 

Discuti esse Post com meu amigo Ari antes de terminá-lo. Ele, como bom engenheiro que é, sugeriu que o motor a célula a combustível com o uso do etanol, como a solução para o carro elétrico, vai dispensar a necessidade das bateria e resolver os problemas causados por ela. Já tinha lido sobre a célula a combustível como solução e resolvi voltar a ela para fechar o Post. 

As células a combustível são na verdade muito parecidas com as pilhas, com a diferença que as pilhas possuem seus reagentes armazenados em seu interior, que sofrem reações transformando a energia química em elétrica. Já as células a combustível, em vez de armazenar os tais reagentes, os injetam de forma contínua.

A maioria das células a combustível fazem uso dos reagentes Hidrogênio e Oxigênio, que reagem gerando água e liberando nessa reação eletricidade. Seria então necessário um tanque de Hidrogênio nesse processo. O que o meu amigo me indicou foi um processo que faz uso do etanol (o nosso velho conhecido) que, em vez de ser queimado gerando uma explosão que irá mover o motor térmico, é queimado e bombeado para o interior do reator em forma de gás com elevado teor de hidrogênio. 

Para que o Brasil se torne o grande pioneiro desse processo de substituir o tanque de hidrogênio pelo tanque de etanol, o Brasil, nas palavras do CEO da Volkswagem América Latina Pablo de Si, "precisa pensar grande, precisa se mostrar para o mundo como um importante desenvolvedor de biocombustíveis, exportando tecnologia, não só etanol."

Essa dica me leva a enfatizar que o Brasil deve permanecer com o carro térmico, promovendo uma política de incentivo ao álcool, e ao mesmo tempo investir fortemente no uso do etanol como gerador do Hidrogênio da célula a combustível. Mantemos assim pelo menos viva a imensa força de trabalho no campo. 

P.S. - Mostrei este Post, como sempre faço, à minha Esposa, a qual argumentou que eu me esqueci de dizer que não vamos mais poder viajar para Goiânia (830 km) sem ter que dormir no meio do caminho. 









Comentários

  1. Excelente texto, comecei lendo e discordando totalmente dos números, achando-os exagerados.
    Depois, como sempre, seu raciocínio nos leva a pensar que não vai ser tão fácil essa troca.
    E se depender dos estrategistas hoje de plantão em Brasília….
    Quanto aos empregos, estou de pleno acordo, aquele emprego que a nossa geração (digamos de 1940 até 2010 + ou -) conhecemos, todo regrado vai sumir. Vamos ver quando os nossos legisladores vão perceber.

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  2. Muito bem, Fontenelle, excelente discussão sobre o carro elétrico, do qual sou fã. Para mim, a principal vantagem está no conforto do silêncio que ele proporciona, além naturalmente de todas as outras que você mencionou. Espero que os problemas pendentes sejam resolvidos.

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  3. Seria muito bom se se conseguisse que textos como esse circulassem em grande escala. Ele traz

    (1) questões de como o chamado “progresso técnico” é sempre situado, problematizando a maneira universalizante de ver o mundo, o que há séculos nos atrela (atrela o Brasil) à colonialidade. Isto é, os efeitos da adoção do carro elétrico variam e são necessariamente locais, pois a vida acontece dá localmente. (mas que carro elétrico viria a se situar no Brasil ou mesmo com que variações e consequências nas diversas regiões tão diferentes do Brasil?)

    (2) a discussão da possibilidade, mesmo que só a possibilidade de discussão da pergunta: por que se tem a tendência a pensar que a lógica estreitada no e pelo individualismo vai sempre prevalecer, mesmo que muitos sofram e até morram para que alguns satisfaçam seus caprichos, até ridículos caprichos?

    O tema do carro elétrico é um bom tema para a discussão e a ação de “engenheiros a favor da democracia”.

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  4. Mestre, como sempre, uma aula de conhecimento. Vamos publicar esse conteúdo nas renomadas revistas e blogs de automobilismo.

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