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Sobre a Ucrânia

A Ucrânia não pereceu, nem sua glória e a sua liberdade
O destino voltará a nos sorrir, irmãos ucranianos
Alma e corpo daremos pela nossa liberdade
Nossos inimigos desaparecerão como o orvalho sob o sol
Governaremos nossa terra que só a nós pertence
Lutaremos de corpo e alma pela nossa liberdade
E mostraremos, irmãos, que somos uma estirpe de cossacos

Quem tivesse a curiosidade de ler a letra do Hino Nacional Ucraniano, traduzida acima, pensaria duas vezes antes de planejar uma invasão relâmpago de 4 dias, e mais que isso, entender que seria recebido com flores se assim o fizesse. 

Uma publicação na National Geographic de 21/03, de autoria de Eve Conant, uma escritora baseada em Washington, antiga correspondente da Newsweek, foi a melhor fonte que encontrei para apresentar uma breve resumo da história da Ucrânia nos últimos 30 anos:


Ela diz 30 anos porque o colapso da União Soviética se deu em 1991, e esta data marca início da luta da Ucrânia para se manter livre da pressão russa. São 30 anos de uma independência que, com certeza, é uma das poucas que teve que ser reafirmada todos os dias desses 30 anos que se passaram. Essa pressão culminou em 22 de fevereiro passado, quando este país de 45 milhões de pessoas foi invadido pelas forças russas a partir da Bielorrússia ao norte, da Rússia ao leste e da Criméia ao sul, a qual já tinha sido invadida anteriormente pela Rússia. 

A posição da Ucrânia no mapa político europeu é com certeza a mais estratégica. Trata-se de uma enorme área posicionada entre a Rússia e o resto da Europa, o que inclui nações que já estiveram sob domínio russo quando da União Soviética, e que se juntaram à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Essa expansão da OTAN na direção do leste europeu não poderia ser vista com bons olhos pela Rússia, que a considera como uma grande ameaça.

fonte: National Geographic (o "crecente" é responsabilidade dela)

A decisão dos Estados Unidos de empurrar seus foguetes para mais perto de Moscou, a meu ver, poderia muito bem ter sido substituída por uma política de maior aproximação com uma nação que foi fundamental na vitória sobre as forças nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. A Rússia respondeu com a criação do Pacto de Varsóvia em resposta à criação da OTAN, o que levou à polarização que deu origem à Guerra Fria.

Mas voltemos aos dias atuais. O conflito Russo - Ucraniano se iniciou em 2014, com a anexação da península da Criméia, seguido pela invasão de regiões a leste da Ucrânia, e culminou agora com o ataque a todo o país. As intervenções russas nos países que compunham o bloco soviético incluem outras regiões, não se limitando à Ucrânia.

Em 1991 a Ucrânia declarou sua independência como resultado do colapso da União Soviética, e em 1994 aderiu a um tratado no qual ela abriu mão de seu arsenal nuclear, para proteger sua soberania. Esse tratado foi assinado pela Rússia, os Estados Unidos e o Reino Unido.

Em 2003 e em 2004, a eleições na Geórgia e na Ucrânia deram origem a revoluções, a Rosa na Geórgia e a Laranja na Ucrânia, onde foram gerados protestos contra a corrupção e a influência da Rússia.  Como resultado desses protestos a Rússia em 2008 interveio na Geórgia em apoio às regiões separatistas da Abkházia e da Ossétia do Sul. Isso levou a Ucrânia a tentar uma aproximação com a União Europeia.

fonte: National Geographic


Em 2014 os protestos em Kiev contra a retirada do governo das negociações com a UE resultaram na morte de mais de 100 manifestantes. O presidente pró Moscou teve que que fugir para a Rússia. Em resposta a Rússia tomou o controle da Criméia

fonte: National Geographic


Ainda em 2014 separatistas pró Rússia tomaram o controle da regiões orientais da Ucrânia e Donetsk e Lugansk. Houve um acordo de paz celebrado em Minsk (capital da Bielorússia) em 2015, o que não impediu que a região tivesse mais de 13 mil baixas até o final de 2021.




fonte: National Geographic

Em 2019 a Ucrânia aprovou uma emenda constitucional que autorizava a adesão à OTAN e à UE. Em 2020 ela se tornou um Parceiro de Oportunidades da OTAN, participando de missões e exercícios militares. Em 2021 a Rússia implantou uma presença militar ao longo da fronteira com a Ucrânia. O presidente Putin enviou tropas às regiões separatistas de Donetsk e Lugansk e reconheceu essas regiões como independentes. Em 24/02-2022 a Rússia inicia um ataque total à Ucrânia por terra, mar e ar.

A verdade é que a Ucrânia, vamos dizer, com a ressurreição do instinto imperial russo para compensar a derrocada da União Soviética, está no lugar errado. Sempre esteve. Na história recente ela foi vítima de crueldades impostas por dois dos maiores tiranos da história: Stalin e Hitler.

Em Post anterior citei Anne Applebaum como grande conhecedora da Ucrânia. É dela o livro "A Fome Vermelha: A Guerra de Stalin na Ucrânia". Também conhecida como o Holodomor, a Fome Vermelha, foi um período de horror total onde o povo teve que se animalizar para poder sobreviver. Tudo começou com a decisão de Stalin de coletivizar a agricultura, a exemplo do que tinha sido tentado na Rússia. Milhões de camponeses foram expulsos de suas terras e levados para fazendas coletivas, o que resultou numa fome assassina, a mais letal de toda a história europeia. Morreram cerca de 5 milhões de pessoas entre 1931 e 1933 na União Soviética, sendo que quase 4 milhões eram ucranianos. Segundo Anne Applebaum o fato da fome ter sido muito maior na Ucrânia se tratou de um esforço deliberado do Estado Soviético para exterminar os ucranianos, para se livrar de um problema político.

Depois de várias rebeliões nas províncias, Stalin tomou a decisão de exterminar os camponeses ucranianos. Foram fechadas a fronteiras e toda a comida disponível foi confiscada. Restou às pessoas comer o que havia à vista, desde grama e casca de árvore a cães e cadáveres. 


Para além da fome no campo, a polícia secreta soviética lançou um ataque contra as elites ucranianas, e a repressão nas cidades caiu sobre intelectuais, artistas, clérigos, funcionários públicos e políticos, o que terminou por destruir a ideia de nacionalidade ucraniana e neutralizar qualquer resistência à sua sovietização. Cerca de 15% da população da Ucrânia pereceu, e junto com ela quase se foi o ideal nacionalista da região. 

Quando a Ucrânia entrou na mira de Hitler, em função dela ser uma região imensamente fértil e o caminho para os campos petrolíferos no leste, boa parte da população ucraniana apoiou os invasores, na esperança de que nada poderia ser pior que Stalin. Ledo engano. 

A Polônia foi o primeiro país invadido pela Alemanha de Hitler, e lá foi construído o campo de extermínio de Auschwitz. Na Ucrânia foi diferente e se decidiu por uma medida mais rápida e radical: o fuzilamento indiscriminado pelos Esquadrões da da Morte da SS na ravina de Babi Yar, que foi considerada o local da maior chacina da Segunda Guerra Mundial.


No espaço de 36 horas, entre 29 e 30 de setembro de 1941, uma enorme quantidade de ucranianos foi levada para a área onde outrora passava um rio, que foi transformada em cova coletiva. Essa decisão foi inesperada, porque o comum era o transporte para os centros de concentração. Os judeus receberam ordem para se reunir em Babi Yar; para eles se tratava de o início de um reassentamento, mas eles receberam ondem de tirar a roupa, entregar seus objetos pessoais, e obrigados a se deitar no fundo do buraco, após o que foram fuzilados e soterrados.

Oficialmente foram 33.771 judeus mortos em Babi Yar, mas até o fim da ocupação nazista se estima que 100 mil pessoas foram executadas apenas em Kiev, a capital. Babi Yar teve apenas 29 sobreviventes, que se fingiram de mortos e, mesmo soterrados, conseguiram sobreviver e fugir.

No Pogron ocorrido na cidade de Lviv, em 1941, os judeus foram forçados a limpar as ruas com escova de dente e encher seus chapéus enormes com esterco, e temos que concordar com o fato de que as violências nesse caso não foram praticadas apenas pelos alemães. Boa parte do ucranianos colaboravam com os invasores por considerá-los libertadores que os ajudaram a se livrar do jugo soviético, e não é segredo que o antissemitismo na Ucrânia, mas também na Rússia e em toda a Europa Oriental, era grande. 

Essa é a deixa que os russos usam hoje para taxar os ucranianos de nazistas, e além disso, terminada a Segunda Guerra Mundial a área territorial que foi destinada à Ucrânia foi ampliada, isso resultou numa área de conflito em todo o leste do país, e o resultado é aquilo que vemos agora.
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Na madrugada de 24 de fevereiro passado o Vladimir Putin justificou sua ação de invadir a Ucrânia com o seguinte argumento:

"Tomei a decisão de realizar uma operação militar especial. Seu objetivo será defender as pessoas que há oito anos sofrem perseguição e genocídio pelo regime de Kiev. Para isso, visaremos a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia".

Este é um argumento forte para a sociedade russa, que foi a que numericamente mais sofreu com os horrores no Nazismo, mas o verdadeiro argumento é político e consiste na preocupação com a segurança nacional em função da expansão da OTAN no leste europeu. Mas acusar o governo ucraniano atual de ser nazista vai muito além da preocupação com a segurança, e expõe a verdadeira face imperial de Putin, que se espelha no seu ídolo, o Imperador Pedro, o Grande.

A verdade é que a Rússia é grande demais e rica demais, e toda a Europa depende dela para se aquecer no inverno e abastecer seus automóveis. A presença de um tirano no comando dessa imensa nação, sentado sobre mais de 5.000 ogivas nucleares, é uma ameaça planetária. Por outro lado temos os Estados Unidos, o Império atual do Ocidente, defendendo a Democracia enquanto seu presidente derrotado promove a invasão do Capitólio, sua Suprema Corte volta atrás nos costumes quanto á questão do aborto e da política ambiental, dando uma demonstração de que há algo de podre no Planeta Terra. 

Comentários

  1. Uma fantástica aula de História Moderna. Concordo que a Ucrânia está geograficamente posicionada em área de grande interesse, um elo com toda a Europa. Ainda não está claro que o povo ucraniano é vitima de movimentos nazistas internos, levando a Rússia a justificar a invasão, alegando libertação do povo vizinho. Parabéns pelo trabalho de pesquisa.

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  2. Fontenelle, belíssimo resumo de anos de história deste povo. A Ucrânia antecede à existência da União Soviética. Tentar aniquilar um povo, qualquer que seja, é muito triste. A única verdade nestas situações são as mortes. Parabéns

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  3. 1. Há o filme Mr Jones no Netflix que se passa nos anos 30 na Ucrânia. Mostra que fake news já existiam no auge do stalinismo e também a fome por que passaram os ucranianos para que a URSS mantivesse a exportação de trigo no nível "programado".
    2. Quanto à geopolítica atual, o Presidente Zelensky errou por pensar que poderia fazer uma aliança militar com os EUA sem que a Rússia tomasse a drástica ação que ameaçava tomar. E também acho que erraram os EUA por desviaram sua atenção da China e mais ainda, por transformar em "forte amizade", a relação China - Russia até recentemente bem conflituosa.
    3. Por outro lado, há um lado positivo, se é que se pode falar de algo positivo com essa guerra.na Ucrania: China e EUA têm agora mais dados para melhor decidir como se posicionar na evolução da questão Taiwan..

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