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Os Estados Unidos, um modelo Populista imitado por nós....ou vice versa.

 "Nenhum partido, nenhuma nação, consegue defender uma República Constitucional se aceitar um líder que decidiu deflagrar uma guerra contra o império da lei, contra o processo democrático e contra a transição pacífica do poder."

A frase acima poderia ser proveniente de diversas repúblicas do nosso quintal latino americano, mas como ela vem mais de cima, dos Estados Unidos, dita pela Republicana Liz Cheney, poderíamos chegar à conclusão de que os nossos Irmãos do Norte, grandes promotores da Democracia, estão nos dando um péssimo exemplo, que o nosso Presidente tenta imitar por aqui. 

A mídia americana, quando trata do rompimento democrático em curso por lá, procura paralelos na Europa, em particular na Alemanha da República de Weimar e do regime Nazista, e também faz referência ao Fascismo de Mussolini. O historiador Michael Lind, no entanto, entende que existem poucos pontos em comum entre a situação americana e esses regimes. Para ele as semelhanças deveriam estar sendo investigadas na América Latina.

Sua estrutura politica, sua demografia, levam os Estados Unidos a ter mais afinidades com seus vizinhos ao sul que com a Europa Ocidental. As colônias inglesas, espanholas e portuguesa na América têm afinidades importantes, que incluem principalmente a escravidão. Todas possuem o legado do sistema de casta racial, com os descendentes dos europeus no topo da pirâmide social. 

O nosso Brasil em particular é uma versão de cabeça para baixo dos Estados Unidos, com os estados mais ao norte fortemente povoados pelos descendentes dos escravos africanos, e os estados ao sul com uma maioria de descendentes de europeus, e mais industrializados. Isso se deve ao fato do nosso sul ser mais frio e mais europeu que o norte, que possui um clima mais "africano". Em ambos os casos há uma enorme discriminação, que por lá levou a uma guerra civil que ate hoje ainda tenta curar suas feridas, e por aqui é mais dissimulada, mas existe na forma de um separatismo latente.

No que diz respeito à política, a divisão entre esquerda e direita hoje é assunto pra discussões em mesa de bar, lá e aqui. O que vemos na realidade é uma enorme desigualdade, numa sociedade onde as instituições civis se destinam a servir apenas os ricos. Essa situação levou ao surgimento do Populismo, que cresceu tanto à esquerda quanto à direita, e na mesma proporção tanto lá como aqui. Os grandes líderes populistas americanos do início do século passado apareceram no sul, como por exemplo James "Pa" Ferguson no Texas e Huey "The Kingfish" Long na Louisiana, o primeiro elegendo sua mulher e o segundo seu filho para se manterem no poder após seus mandatos. As oligarquias sulistas reagiram contratando falsos populistas que elas podiam controlar, e aí surgiram os populistas de fachada, a exemplo do que ocorre aqui. 

Segundo Lind, se o Texas tivesse se tornado uma república independente, teria uma política idêntica à que temos abaixo do Rio Grande, com o coronéis populistas defendendo políticas de substituição de importações, em oposição às oligarquias que defendem o livre comércio. Para evitar que viesse a ocorrer novamente uma insurgência o Governo Federal Americano promoveu a modernização do Sul, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, com a implantação de uma grande indústria bélica e de unidades militares, com o objetivo de forçar uma queda na segregação racial. Diz a lenda que na época o Governador da Lousiana Earl Long, filho do caudilho Huey Long citado acima, convenceu seus aliados a não resistir a esse movimento de combate à segregação com o argumento de que "desta vez eles têm a bomba atômica e nós não". 

Um exemplo de populista de fachada foi Wilbert Lee "Pappy" O'Daniel, que governou o Texas de 1939 a 1941. Uma estrela da música country, que ao ser eleito debandou para o lado Democrata que combateu a política do New Deal de Roosevelt. Mais recentemente tivemos em 1992 o candidato à presidência Ross Perot, com uma combinação de patriotismo militarista e nacionalismo econômico, um estilo bastante conhecido por aqui. Perot é um populista que fez sucesso na indústria de informática, e enfrentou os Bush, uma família de oligarcas que trazia dinheiro de fora do Texas para explorar seus recursos naturais, uma espécie de imperialismo doméstico, outra vez uma imitação do que temos aqui.

A coisa começou a fugir do controle em 2016, quando Hilary Clinton, esposa de Bill Clinton, um ex presidente, estava se preparando para enfrentar Jeb Bush, irmão de um também ex presidente. Tudo levava a crer que a política americana, a exemplo das nossas "banana republics" iria ficar alternando duas famílias no poder. Para surpresa geral dois populistas resolveram participar do butim, e aí surgiram Donald Trump e Bernie Sanders, que repentinamente assumiram o controle da massa de desvalidos de ambos os lados. Sanders agrediu o lado Democrata de uma forma tal que levou Hilary a perder a eleição para Trump, o qual já tinha varrido Jeb Bush pra debaixo do tapete. 

A tentativa de Trump de reverter o resultado da eleição de 2020, onde perdeu pra Joe Biden, foi um ardil que nós "down the Equator" conhecemos de longa data, aqui no Brasil com Getúlio Vargas, e mais recentemente no Perú com Alberto Fugimori, dois caudilhos que se valeram da corrupção e do autoritarismo para se manter no poder. 

O cientista político Juan Linz, um alemão com ascendência espanhola, defende a tese de que os regimes presidencialistas, baseados na separação de poderes, são mais vulneráveis à instabilidade política e à violência que os regimes parlamentaristas, pelo simples fato de que vez por outra o Presidente e o Congresso podem partir para a briga quanto a quem é o verdadeiro representante da sociedade. A história recente da nossa América Católica parece suportar essa tese. A  América Latina responde por 40% dos regimes presidencialistas do mundo, e nos últimos 30 anos 9 dos seus presidentes sofreram impeachment ou foram obrigados a renunciar, Nesse mesmo período Bill Clinton e Donald Trump tiveram que sobreviver cada um a dois processos de impeachment


    Donald Trump em El Alto, Bolivia. Fonte: Gaston Brito/Getty Images

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Então a solução seria mudarmos o nosso regime de Presidencialista para Parlamentarista? Fala-se até em Semipresidencialismo. Minha posição é a de que enquanto não houver uma iniciativa séria para se diminuir o número de partidos no Brasil, nenhum regime tem a possibilidade de ser bem sucedido. Temos hoje em total de 32 partidos e perdemos apenas para a Índia, com 36. Na América Latina a Argentina tem 19 partidos e o Chile 16. Entre os países desenvolvidos a Itália tem 15, a Suíça 11, o Reino Unido 11, Portugal 10, França 9, Japão 6, Estados Unidos 2 (aqui temos outros poucos partidos menores insignificantes).

No caso do nosso Presidencialismo, dito de coalisão, o Presidente tem que angariar no Congresso um volume de partidos que tornem o país governável, e o resultado disso por aqui é o surgimento do chamado Centrão, um conjunto de oportunistas que "dançam conforme a música", e estão sempre à disposição do Presidente da ocasião para conseguir favores, na maioria das vezes pouco republicanos. 

Mas com essa quantidade de partidos a formação de um governo Parlamentarista sério também seria muito difícil. Vejam por exemplo o caso de Israel, com 11 partidos, ou da Itália com 15, que vivem em dificuldades para montar um governo duradouro. Com 32 partidos, mais dezenas esperando ser aprovados, esse esforço seria impossível. 

Para terminar vamos dar uma breve descrição dos regimes democráticos existentes. O nosso regime, o Presidencialista, foi criado nos Estados Unidos e replicado em praticamente toda a América. Entendo que George Washington, ao recusar o título de Rei da nova nação, abriu caminho para a invenção desse regime, onde o Presidente é quase um Rei. As condições eram boas para tanto: um herói da independência forte e uma elite europeia sedenta de se manter no topo. À exceção do Canadá, que se manteve na Commonwealth, a América é toda Presidencialista, o que justifica a tese de Michael Lind. O Brasil tentou sem sucesso (e ainda há quem tente até hoje) o modelo monárquico, que foi derrotado pelos admiradores do Grande Irmão do Norte. 

No Presidencialismo o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, eleito pelo voto direto. O Parlamento funciona como um contrapeso aos atos do executivo, exercendo a função de fiscal. Um Presidencialismo maduro adota a estratégia de, em geral, atribuir esses dois poderes a correntes políticas diferentes. para evitar conchavos entre os dois. Esse mecanismo tem que levar em conta o bem estar da sociedade, sem o que acontece uma polarização cujo resultado é uma enorme perda de energia.

Já no Parlamentarismo o chefe do Executivo é eleito pelos deputados mais votados de uma sigla, ou um conjunto de siglas. É elaborada um lista de candidatos (a exemplo do que está ocorrendo no reino Unido), e o mais votado será eleito Primeiro Ministro. Como já disse antes, entendo que o Parlamentarismo exige a existência de partidos políticos muito mais sólidos e com uma ideologia mais definida, o que não ocorre por aqui. A origem do Parlamentarismo ocorreu nas Monarquias absolutas, com o intuito de colocar um freio do poder do Rei. Uma boa parte desse poder passou para as mãos de representantes do povo, que votava no candidato mais identificado com a sua linha de pensamento. O Rei hoje em dia opera mais como um símbolo nacional, como a bandeira e o hino, e é o representante da nação nas solenidades, e nos momentos de maior conflito político opera como poder moderador.

Um ponto importante do sistema Parlamentarista é o voto de censura, que dá ao Parlamento o poder de remover de seu posto o Primeiro Ministro, caso ele não esteja desempenhando suas funções dentro nas normas instituídas. Existe uma diferença entre o voto de censura e o impeachment, onde o Presidente é substituído pelo Vice Presidente ou alguém definido numa ordem descrita na Constituição. Aqui haverá uma nova eleição convocada pelo Chefe de Estado (o Rei ou o Presidente nesse caso uma figura de poder não executivo, como o Rei um representante da nação sem controle da máquina do poder).

Uma coisa deve ser enfatizada aqui: ambos os sistemas possuem enormes defeitos localizados que dificilmente, por pressão das elites, serão mudados. Vamos citar dois exemplos:

1 - Nos Estados Unidos é comum um Presidente ser eleito com menos votos que o seu adversário. Isso ocorreu recentemente com a eleição de Donald Trump. Hilary Clinton ganhou no voto direto, mas a eleição é definida não pelo número de votos diretos, mas sim por uma invenção criada para evitar uma ruptura entre os estados. O candidato, ao vencer num estado X, leva todos os votos dos representantes desse estado numa eleição que irá sagrar o Presidente. Uma absurdo que dificilmente será sanado.

2 - A eleição dos representantes do Parlamento também tem diferentes receitas. Podemos dizer que o Brasil (se optar pelo Parlamentarismo), possui a pior delas: o voto proporcional. A definição dos representantes do povo no Parlamento por aqui nada tem a ver com a nossa vontade. Um partido para ser bem sucedido sai avidamente à procura dos chamados campeões de voto, os Tiriricas da vida, porque as vagas que o partido conseguir serão proporcionais ao numero de votos da legenda. Com isso por exemplo, dos 513 deputados do Congresso nacional, apenas 27 foram eleitos diretamente, os outros 486 não tiveram voto suficiente para ser eleitos diretamente e se aproveitaram dos votos dos campeões. A solução para esse absurdo seria a instituição do voto distrital, onde um estado como São Paulo, nosso maior colégio eleitoral, seria dividido em distritos que iriam eleger um único representante por distrito. Eu, eleitor com um título em Campinas, teria que votar apenas nos candidatos do distrito de Campinas. Tem também a aberração criada pela ditadura, que faz com que o voto de um eleitor de Roraima tenha um valor 11,3 vezes maior que o de um eleitor de São Paulo, porque a representação desses estados pequenos é muito maior em termos demográficos. Juntando tudo isso, um deputado do Acre foi eleito para o Congresso Nacional com não mais que 7.489 votos.

Quase me esqueci do Semipresidencialisno., que está sendo cogitado pelo Centrão. O Semipresidencialismo sério não é nada do que está sendo praticado aqui, com orçamentos secretos impostos a um presidente fraco. Ele mescla as características dos regimes acima. O Presidente é o chefe de Estado e tem sob seu controle a politica externa e as Forças Armadas, e o Primeiro Ministro trata das questões internas do país. O Presidente tem ainda o poder de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, quando ocorrer um conflito político duradouro por exemplo. Existem diferentes formas de Semipresidencialismo e a salada de regimes se completa com o mapa abaixo tirado da Wikipedia:



Formas de governo republicanas:
  Repúblicas presidenciais com um presidencialismo total
  Repúblicas presidenciais semipresidencialistas
  Repúblicas parlamentaristas com um(a) presidente cerimonial/não executivo(a), em que um(a) chefe de governo separado(a) lidera o executivo

Formas de governo monárquicas:
  Monarquias constitucionais com um(a) monarca cerimonial/não executivo(a), em que um(a) chefe de governo separado(a) lidera o executivo
  Monarquias constitucionais que têm um(a) chefe de governo separado(a), mas em que a realeza ainda detém poderes executivos e/ou legislativos consideráveis

  Países em que as disposições constitucionais para o governo foram suspensas (ex.: ditadura militar)
  Países que não se encaixam em nenhum dos sistemas acima. (ex.: governos de transição, situações políticas pouco claras ou sem governo)


Esta salada me lembra uma piada que vi na tira do Frank & Ernest no Estadão. Algo como:
Frank - O jornal diz que os alienígenas acabam de assumir o controle da Terra
Ernest - Essa notícia me deixa mais aliviado.

Isso porque um interventor externo, em primeiro lugar, se espantaria com a quantidade regimes independentes, o que tornou impossível um controle efetivo dos recursos do planeta. Também não iria entender o que faz com que o animal dominante pratique todo tipo de discriminação possível, desde a cor da pele do animal até as tais crenças em entidades que ele nunca viu, e as suas  preferências afetivas. Pra não falar no desrespeito pelos outros animais.

Sua primeira atitude a meu ver seria decretar o fim das fronteiras e um regime único. 

Mas esse assunto não cabe neste Post.





Comentários

  1. Há necessidade da reforma política – muito além da insatisfação particular com o resultado eleitoral ou mesmo de uma indignação coletiva com a política – repousa no fato de não sabermos claramente o que reformar.
    O blog mostrou alguns caminhos. Reduzir o grande número de Partidos pode ser um deles.

    ResponderExcluir

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