Vamos iniciar este Post tentando ensaiar teatrinhos em dois países diferentes:
País A
O sonho do jovem G era ser membro da Força Aérea de A, mas na sua cabeça havia um impedimento: ele era Gay.
Mesmo assim ele tomou a decisão de apostar na realização do seu sonho. O País A não pratica a conscrição, ou seja, ninguém é convocado para prestar serviço militar. Ele está disponível para homens entre 17 e 45 anos de idade. G tinha 22 e entendeu que o curso superior que estava fazendo seria de utilidade na carreira militar. Detalhe: há décadas o País A tinha tomado a decisão de colocar todos os ramos militares em um único quartel, com a finalidade de aumentar o grau de integração e a logística. Isso significa a Força Aérea de A está plenamente integrada nas Forças de Defesa de A.
Tudo pronto, entrevista marcada, o jovem G comparece à unidade de alistamento e é recebido com a mesma delicadeza que aquele empresário teria ao se interessar por um jovem promissor de 22 anos. Tudo acertado, surgiu na cabeça do jovem G a necessidade de se pronunciar a respeito da sua orientação sexual. Ele é honesto e quer deixar as coisas claras neste assunto. Então ele levanta a questão:
- Há um assunto adicional que eu preciso esclarecer: eu sou Gay e tenho um relacionamento estável com uma pessoa.
A resposta foi algo como:
- Nesse caso nós precisamos saber da aceitação do seu marido pela sua decisão de se tornar militar, dada a disponibilidade reduzida da sua presença no lar em função das obrigações que o serviço militar vai impor com constantes deslocamentos.
O jovem G decidiu não levar adiante o seu sonho.
País B
O jovem H foi convocado para o serviço militar. No país B ele é obrigatório. Sua mãe o leva para a unidade para a qual ele foi designado, para fazer os procedimentos que irão definir o seu destino por pelo menos 1 ano. O lugar é lindo, bem cuidado, e a mãe chega a argumentar que não seria de todo ruim perder 1 ano do curso superior que ele acaba de iniciar para mais rapidamente se tornar um homem. Ele tem apenas 19 anos.
O jovem H se senta em uma cadeira e espera que se iniciem os procedimentos. Cruza as pernas e espera. Imediatamente um gorila fardado se aproxima dele e grita:
- Você não está na sua casa pra ficar aí cruzando essas pernas. Mais respeito, porra.
Essas foram as boas vindas que ele recebeu. Mas tem mais. Dezenas de jovens foram colocados em cadeiras, um de costas pro outro, e foram proibidos de falar e usar o celular. Foram 4 horas assim até se encerrarem as entrevistas. Após uma hora dessa tortura um dos jovens não resistiu e tentou usar o celular e foi descoberto, tendo que passar as 3 horas restantes de pé.
A ironia dessa história veio de um amigo da mãe de H que disse a ela que, como H calça 46, ele tinha mesmo que ser dispensado porque não existe coturno com esse número (não chequei isso). De qualquer forma o jovem H concluiu que a sugestão da sua mãe não fazia sentido e deu graças a Deus por ter sido dispensado
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Estas duas fábulas me transportam para um livro que li recentemente, "O anel de Giges, uma fantasia ética", de Eduardo Gianetti (Companhia das Letras). Entre as várias versões para o personagem Giges existe aquela que o define como um modesto pastor da Lídia, um país da Ásia Menor, que um dia numa tempestade perde quase todo o seu rebanho, mas encontra entre outras coisas um anel, que enfiou no dedo.
Dias depois, numa reunião de pastores, ao girar o anel no dedo, percebeu que se tornava invisível. Giges então se aproveitou desta vantagem e se fez representante da sua região junto à corte, seduziu a rainha e com a ajuda dela assassinou o rei e se tornou o monarca.
O que tem esse conto grego a ver com as duas fábulas acima? Praticamente tudo. Ele ensina que as vantagens que adquirimos, por acaso ou por esforço próprio, não devem servir de ferramenta para ser usada em proveito próprio em detrimento da sociedade.
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Já que nos envolvemos com o mundo grego antigo, vamos continuar nele e no livro de Gianetti tentando entender a inovação que Platão propôs no seu livro REPÙBLICA, que foi o projeto de integrar a politica com a psicologia. Para ele a mente humana seria uma miniatura individual da estrutura social.
A sociedade da sua época se definiria pelas relações entre os governantes, os militares e os ditos produtores, e essas classes teriam as funções de governar com sabedoria, prover a segurança com coragem e produzir riqueza com temperança. O equivalente individual dessas características seria o intelecto racional, a combatividade e os ditos apetites do corpo.
A essas três classes seria outorgado o poder. O resto seria o resto, uma manada alijada da elite, composta em boa proporção por escravos. Mas como se fazer a seleção dessas classes? Como se evitar que os governantes permanecessem a salvo da corrupção, que os militares se ativessem ao seu dever de defender a pátria sem se beneficiar de ter as armas ao seu dispor, como impedir que os produtores não se aproveitassem da riqueza acumulada para corromper os governantes?
Segundo Platão isso se daria através da fusão entre o poder político e a sabedoria, na figura de um rei-filósofo, o chamado guardião, e uma grande reforma no sistema educacional. O poder político e a filosofia de dariam as mãos, e os dirigentes seriam selecionados por sua aptidão natural e seu mérito, em vez do berço ou da riqueza. Por outro lado TODAS as crianças seriam compulsoriamente separadas dos pais biológicos para serem educadas por professores segundo princípios racionais, evitando-se assim as crenças das gerações mais velhas. Só assim, com essa infância penosa, seriam forjados os cidadãos capazes de dirigir, defender e produzir sem se contaminar pelos interesses escusos.
Toda essa proposta utópica encontra o seu maior obstáculo na figura de Giges. Agora mesmo temos o nosso planeta como um todo contaminado de um lado pelo poder militar que faz uso da posse das armas para se impor sobre as sociedades, como também pelo poder econômico que torna as sociedades cada vez mais desiguais. A essas figuras foram concedidos anéis que lhes deram poderes tais que os fizeram desprezar o por que dessas outorgas, e o que vemos disseminadas são as ditaduras por um lado, e as imensas desigualdades por outro.
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Voltando às nossas duas fábulas, a conclusão a que chegamos é que o país A é mais evoluído. Prover segurança para ele é uma opção pessoal voluntária, Para isso existe uma estratégia de tornar atrativa essa opção, com a mesma ênfase com que uma empresa se esforça para cooptar as pessoas que considera interessantes para as suas atividades. Ser militar neste país não é diferente de ser civil, o que torna o relacionamento entre um civil e um militar muito mais ameno. Não existe aquela ideia de que o civil está no limite inferior da hierarquia militar.
Já o país B leva aos que de forma obrigatória foram se apresentar a ideia de que lá eles como cidadãos estarão abaixo do "solo pátrio". Devem obediência total a todos os que chegaram lá antes deles.
Estamos numa fase da nossa sociedade em que esses conceitos não se sustentam mais. A farda tem que ser vista pela sociedade como uma garantia respeito e de segurança, tanto externa como interna, e nunca de temor. Devem existir leis que nos deem essa garantia em todas nações desse planeta, e aquelas leis que trazem dúvidas quanto a essa garantia devem ser mudadas. A obrigatoriedade do serviço militar só faz sentido em países em grande perigo de um conflito.
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Está em análise na Câmara um projeto de lei que altera a Lei do Alistamento Militar, a qual prevê a apresentação de todos os brasileiros no ano em que completam 18 anos de idade. Pela proposta será facultada a apresentação para o serviço militar dos 18 aos 45 anos de idade, quando serão alistados nas Forças Armadas, ressalvada a possibilidade de convocação geral expedida pelo Poder Executivo devidamente fundamentada.
Para o autor da Proposta, o Deputado Weliton Costa, "o objetivo é desburocratizar a vida dos jovens brasileiros, mantendo o serviço militar para aqueles que desejam se alistar". Para mim parece claro que com essa mudança as Forças Armadas poderão se concentrar em selecionar somente aqueles que realmente têm interesse no serviço militar. "Será mais um passo em direção à profissionalização completa das Forças Armadas".
Mais uma vez Vc nos põe a pensar.
ResponderExcluirQuanto à questão do alistamento voluntário, o citado PL me parece um passo na direção certa.
Quanto às forças armadas no papel da segurança interna vejo uma complexidade que requer considerações mais aprofundadas.
Numa República organizada com três poderes, sendo um Legislativo Bicameral, o funcionamento depende de respeito à Lei Maior.
Se um dos Poderes se mostra inepto, cria-se um vácuo de poder que necessariamente é preenchido por um dos outros poderes e a República não mais funciona como concebida?
A quem cabe corrigir tal distorção?
Eu leio o Art 142 CF como Yves Gandra da Siva Martins.
As FFAA devem ser chamadas para garantir a Lei e a Ordem.
Não para assumir as responsabilidades de qualquer dos poderes, mas para assegurar que funcionem como estabelecido no instrumento constitucional.
Infelizmente o Art 142 CF nunca foi regulamentado e o Poder Executivo não soube se impor como responsável por acionar o mecanismo corretivo.
Haverá uma saída para o regime fascista que se apropriou da Nação?
Fora da Lei não há salvação.
Rui Barbosa
Uma análise e crítica sempre bem embasada, quando parte do amigo e Mestre Fontenelle. Infelizmente, continuo incrédulo na classe política. Só enxergo corrupção e interesses pessoais. O tema mereceria uma avaliação dessa classe, mas onde estão as lideranças genuínas para conduzir essas modificações em prol da Sociedade? sem emendas parlamentares adicionais, não se aprova nada na Câmara e Senado. E a polarização extrema continua a atrasar a evolução do País.
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