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Meu problema com a Medicina

Antes de mais nada quero dizer que devo muito à Medicina. Acho que a vida saudável que tenho aos 69 anos se deve a um grande médico que me curou de um câncer de próstata, Doutor Miguel Srougi, isso há 14 anos. Meu irmão mais novo Abilio Filho, por outro lado, acaba de comemorar um ano de fígado novo, que lhe foi presenteado no Hospital Bandeirantes em São Paulo. Meu Pai, falecido ano passado aos 100 anos e meio, era médico e merece um blog à parte. Meu irmão Claudio é um bom cardiologista em Brasília, e me tem dado grande suporte quando ao controle da minha pressão arterial e de um bloqueio de ramo direito congênito. Minha filha Claudia tem uma doença neurológica, a Esclerose Múltipla, que ela controla com a competência de uma equipe inteira à sua disposição na Unicamp.

Então qual é o seu problema, diria o leitor desse Blog? Vou começar com uma história:

Nos anos 60/70 eu morava em São José dos Campos e fui consultar um cardiologista, para dar sequência ao controle do meu bloqueio, e ouvi dele a seguinte observação: "Você não deve fumar, mas se fumar, evite o Minister". Quis saber porque o Minister e ele me respondeu: "Porque a maioria dos meus Clientes com problema de tabagismo fuma o Minister"

Minha cabeça de engenheiro começou a processar aquela observação quantitativa. Naqueles anos o Minister devia responder por mais da metade do mercado de cigarros, e não seria nenhum absurdo ele ter maior influência nos casos de doença devidos ao uso do tabaco. Faltava portanto qualidade na afirmação. Coisa do tipo: o percentual dos seus doentes por fumo que usam Minister é maior ou menor que a penetração do Minister no mercado? Ainda não haviam chegado os tais cigarros light, e o Minister era um dos menos fortes disponíveis, logo, o conselho devia ser invertido: "Nao fume, mas se fumar, use alguma coisa mais fraca, como o Minister".

Vamos voltar ao presente e ver como nós os idosos somos tratados por aquilo que eu vou chamar de procedimentos não adaptados à nossa idade. O meu sogro, 90 anos, mora conosco e tem ultimamente se tornado mais dependente da sua filha para lidar com as constantes visitas ao cardiologista, ao otorrinolaringologista, ao dermatologista, mesmo ao dentista, etc. Ele anda todo preocupado com um teste de esforço que lhe foi pedido pelo seu cardiologista. Quando chega a minha vez de fazer este teste, eu vou logo avisando: "meu batimento é inferior a 50 e eu não vou chegar a 120 de jeito algum". Não adianta, eu tenho que pular fora da esteira.

Eu entendo que pedir um teste de esforço para uma pessoa da idade do meu sogro é uma temeridade. Ele tem passado horas ensaiando na varanda de casa, e seu controle sobre o pé direito não anda lá muito bom. Ele mais bate o pé no chão do que anda. Argumentei com minha esposa para não aceitar este teste, mas o Coronel Roberto parece que está decidido a faze-lo.

Outra coisa que me incomoda é quererem aplicar a nós, idosos, os valores de IMC, glicemia, pressão arterial, RCQ, etc, sem levar em conta que o nosso organismo já está desgastado pela idade. Seria como aplicar a um carro com 300 mil quilômetros rodados os dados colhidos no teste da Quatro Rodas, feito quando ele foi lançado.

Vou dar alguns exemplos:

1 - IMC

"O Indice de Massa Corpórea classifica-se como normal de 18,5 a 24,9, sobrepeso de 25,0 a 29,9, obeso classe I de 30,0 a 34,9, obeso classe II de 35,5 a 39,9, obeso classe III maior ou igual a 40,0".

Achei na Internet um trabalho interessante, "Perfil Sociodemográfico e Clínico de Idosos atendidos em Unidade Básica de Saúde da Família", de Janaina Victor e outros. Foram investigados 214 idosos de ambos os sexos, com idades variando entre 60 e 90 anos, na cidade de Fortaleza, Ce., para o IMC os resultados foram:
  • Normal                65     (30,4%)
  • Sobrepeso           80     (37,4%)
  • Obeso classe I    58     (27,1%)
  • Obeso classe II   11     (  5,1%)                           
Segundo o manual, a população idosa de Fortaleza está com sobrepeso. Ora, se uma pessoa chega à idade média de 75 anos, algum mérito ela deve ter, e o artigo ressalta isso: "o envelhecimento traz tranformações que particularizam o uso da antopometria na análise da obesidade entre idosos; as transformações incluem perda progressiva de massa magra, com aumento da proporção de gordura corpórea, diminuição da estatura, além do relaxamento da musculatura abdominal e cifose (corcundez)". Resumindo, o IMC tem que ser revisto para levar em conta o envelhecimento.

2 - RCQ

"A Relação Cintura - Quadril indica a contribuição relativa de gordura em adultos e o risco de doença. Segundo a OMS, para mulheres com idade superior a 60 anos, esse risco é baixo para valores menores que 0,76, moderado de 0,77 a 0,83, alto para 0,84 a 0,90, e muito alto acima de 0,90. Para os homens os valores são risco baixo abaixo de 0,91, moderado de 0,91 a 0,98, alto de 0,99 a 1,03, e muito alto acima de 1,03". Essa diferença se explica porque a mulher "cresce" mais no quadril na medida em que envelhece, diminuindo a RCQ.

O mesmo trabalho concluiu que a RCQ em mulheres acusou uma média de 1,06, com desvio padrão (DP) de 0,34, e em homens de 0,97, com DP de 0,11.  Com base nesses valores podemos concluir então que todas as idosas de Fortaleza estão em risco altíssimo de saude, e que nenhum idoso de Fortaleza está com baixo risco de saude. Ou que esses padrões de medida estão errados. Eu fico com a segunda hipótese. Não é razoável fazer um corte acima de 60 anos e colocar um idoso de 90 anos em igualdade com um de 60. Isso não faz sentido.

3 - Glicemia

O Ministério da Saude classifica os níveis glicêmicos com normal abaixo de 140 mg/dl, duvidoso entre 141 e 199 mg/dl, provável entre 200 e 269 mg/dl, e muito provável para acima de 270 mg/dl. Isso para o ratreamento da Diabetes Mellitus (DM), com medida sem a obrigatoriedade de jejum. A média encontrada foi boa: 114 com desvio padrão elevado de 52. traduzindo: 69% das medidas se situaram entre 166 e 62.

Aqui a minha observação vai para o fato de que um índice glicêmico abaixo de 140 não deve ser motivo de preocupação para um idoso, e não é isso que ouvimos nos consultórios.

4 - Pressão Sistólica / Diastólica

Essa a meu ver é a mais controversa das avaliações. A cada ano que passa mais aumenta a pressão por uma pressão menor, e eu tenho lido críticas sérias a respeito disso. O trabalho detetou nos idosos de Fortaleza valores de 134 mmHG com DP de 20 para a pressão sistólica, e 78 mmHG com DP de 11 para a diastólica. Se eu chegar com esses valores médios no meu cardiologista, vou ouvir que a minha pressão sistólica está alta. Será que está, com os meus 69 anos? Tomo dois remédios para pressão porque ela se situa em torno de 140 se eu não tomar. Qual a relação custo - benefício disso, ou melhor, o que o meu fígado acha disso? Com a palavra os especialistas.

Conclusão

Quando garoto eu tinha muitas dúvidas. Por exemplo, eu aprendi que Caim matou Abel, Esper matou Zoide, Phi matou Zan, Orno matou Péia, mas até hoje não sei quem matou Zalém. Entendam esses rascunhos como a exposição das minhas dúvidas atuais de idoso, nunca como um convite à transgressão.


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