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Que tal debatermos agora uma proposta política futura e descartar esses sistemas antigos e obsoletos?

Esse pedido foi feito pela minha esposa Climene em um comentário anterior. Como se isso fosse coisa fácil de ser feita. O blogueiro se alimenta de comentários; é o combustível que o faz seguir escrevendo bobagens, e os cinco leitores deste blog que se deram ao trabalho de tecer comentários me troxeram um grande alívio. Sinal de que alguém tem uma visão crítica sobre o que eu venho escrevendo (não pude evitar o duplo gerúndio).

O mundo está passando por uma fase muito delicada. Na sua parte que podemos chamar de velha para os nossos padrões ocidentais, os antigos impérios estão finalmente tendo que enfrentar uma realidade cruel: sua riqueza acabou quando tiveram que abrir mão de suas colônias, e não há como sustentar o seu padrão de vida baseado na exploração da riqueza alheia. Do lado oriental temos um Japão esgotado, sendo atropelado por uma China explosiva, pronta para mostrar aos antigos feitores que o Imperio do Meio sempre acaba por subjugar o dominador, e esse conceito se aplica a todos os países que acharam que aquilo era terra de ninguém.

Já a parte muçulmana está em plena ebulição, que eu ouso atribuir devida em boa parte ao Facebook. Diz-se que essa ferramenta é hoje responsável por 30% pos divórcios nos Estados Unidos, já que a palavra Facebook está presente em 30% dos processos de divórcio em andamento. Ela também é parte importante do que o filósofo Joseph Nye batizou como "soft power". "Soft power, ou poder brando, é um termo usado na teoria de relações internacionais para descrever a habilidade de um corpo político influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos (Wikipédia)".

Tomemos o exemplo do Egito, o país mais importante de todo esse processo. A contestação da ditadura se iniciou com a arregimentação através da Internet. A Irmandade Muçulmana olhou o processo com extrema desconfiança, para depois se aproveitar dele. O que temos hoje é um desfecho com dois canditatos que não agradam a ninguém: Um defensor do status quo anterior, apoiado pelos militares que não querem largar o osso, e um fundamentalista que se eleito vai mergulhar o país nas trevas.

O nosso quintal continua na mesma, dominado por Evitas e tiranetes modelo século XXI. Já dizia o poeta Caetano:

"Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica, que sempre precisará de ridículos tiranos?".

Vamos parar por aqui para concluir que a democracia, a nível global, é na verdade atualmente uma utopia. Que devemos desconfiar seriamente das nações que entendem ser seu dever impingi-la ao resto do mundo como o único remédio para os seus males. Vamos começar com o guardião dessa crença.

A constituição americana é na verdade o resultado de um acordo entre estados, que concluiram que, do ponto de vista estratégico, era melhor que permanecessem unidos. O resultado disso foi um governo central fraco, que dois séculos mais tarde se reflete em um sistema político arcaico, cujo principal responsável é a própria constituição. Foi criada um Câmara Alta para representar os Estados, o Senado, que deu à Califórnia o mesmo poder votante que a West Virginia. O colégio  eleitoral, sistema que define o resultado das eleições presidenciais com base em cotas dos estados, começou a ser contestado nos anos 40, e até hoje nada foi feito para extingui-lo, isso porque a eleição americana é dominada por uns poucos estados onde há verdadeira disputa entre democratas e republicanos, enquanto os três maiores estados são solenemente ignorados. Já se chegou ao absurdo de terem eleito um presidente que perdeu a eleição no voto direto. Traçando um paralelo, seria como se as eleições brasileiras fossem definidas no Piauí, no Acre e em Alagoas.  

Com a exceção dos governos que conseguiram um claro controle das quatro instituições de poder: a Câmara, o Senado, a Casa Branca e a Suprema Corte, o que se vê é um impasse na maioria dos casos, e é raro podermos chamar de "governo" esse sistema baseado na tal "separação de poderes". O governo Obama é um exemplo disso, totalmente emperrado nas suas disputas no Congresso e na Suprema Corte. O resultado dessa situação é que ninguém acredita mais que as eleições possam trazer resultados condizentes com os desafios que os Estados Unidos estão tendo que enfrentar.

Evidentemente, nada disso será assunto nos debates que farão os candidatos Obama e Romney. A quase impossibilidade de se mexer na constituição (a última emenda data de 1951, e limita a dois mantatos a presidência), faz com que ninguém seja tolo o bastante para tocar nesse assunto. E para tornar as coisas ainda piores, cada estado americano tem a sua própria constituição; temos então 50 + 1 constituições.  É bom lembrar que a religião mórmon trata da contituição americana como uma dádiva divina.

Esse modelo foi copiado pelos nossos fundadores, e o regime militar se encarregou de tornar as coisas ainda piores, diminuindo a participação dos grandes estados na Câmara dos Representantes. Só que aqui o processo se deu de forma diferente, com uma progressiva centralização do poder no executivo. Cada estado brasileiro tem uma constituição, mas a constituição nacional é muito mais abrangente que a americada, e obviamente não pode ser contestada nos estados. Por exemplo, não podemos ter estados com ou sem pena de morte, como acontece por lá.

Várias propostas têm sido aventadas nos últimos anos para resolver o impasse em que está mergulhada a política americana. Uma delas seria facultar ao presidente o poder de nomear 50 membros da Câmara e 10 de Senado, para se resolver o impasse do Congresso, com mantatos coincidentes com o do presidente. Com isso, para que o poder do executivo não ficasse grande demais, se instituiria a proibição do presidente vetar legislação. Os impasses entre as duas casas seria resolvido com o Congresso votando como um todo. Em vez de levar os casos graves, como a reforma do sistema de saúde proposto por Obama, para julgamento de sua constitucionalidade pela suprema corte, onde uns poucos cidadãos que não podem ser chamados à responsabilidade irão decidir um assunto de tamanha gravidade, porque não levar esse assunto a um referendo nacional? A sociedade americana possui uma divisão clara: há os que entendem que o bem estar do vizinho é problema dele, e que ajudá-lo só vai aumentar as despesas do governo, e os que entendem que o estado tem uma responsabilidade social e deve enfrentar as desigualdades. Que um referendo resolva isso e que a sociedade arque com o resultado dessa consulta.

E assim vai a democracia mais ilustre do mundo, fingindo que funciona e deixando o mercado e os lobies tomarem conta do processo social, varrendo pra baixo do tapete os assuntos realmente importantes. Vejamos dois exemplos:
  • A espécie humana é pequena a nível global. Um cubo de 1 km de aresta é capaz de acomodar todos os humanos, já que ele tem 1 bilhão de metros cúbicos, e cada metro cúbico pode comportar uma tonelada de pessoas, ou mias que 10 adultos. A espécie humana passa fome não por falta de alimentos, mas pelo problema político que é a distribuiçao desses alimentos. Onde então reside o problema? No lixo. Podemos dizer que produzimos algo como 100 cubos de 1 km de aresta de lixo por ano, e é isso que vai saturar o nosso planeta, não a sua super população, que por sinal está se estabilizando, sem grande esforço por parte dos governos.
  • A distribuição etária mundial, em função principalmente do progresso científico, está se modificando a passos largos. Estamos nos transformando num planeta de idosos. Entretanto,   o que se vê a nível mundial é que as pessoas estão se aposentando cada vez mais cedo. É inadiável uma reforma no modo como os governos tratam desse assunto, caso contrário eles vão inevitavelmente quebrar.
Em ambos os casos, os governos tratam do assunto da forma menos democrática possível. Aqui entendemos como democrática uma decisão baseada na sabedoria de entender que ela tem prioridades, e que as prioridades maiores são a preservação da espécie, seguida do esforço de se evitar uma catástrofe econômica decorrente da quebra a médio prazo das economias mundiais, que por sinal já estão quebrando. As forças que agem no sentido contrário a estas decisões são respectivamente o mercado e os lobies.

Como fazer então para tornar a democracia um regime eficaz para a solução desses e tantos outros problemas? Quando jovem eu vi o filme e li o romance Desirée, de Annemarie Selinko. É um romancezinho de garotas, que trata da história de uma jovem francesa que se tornou rainha da Suécia. Resolvi investigar o assunto. A dinastia Vasa dominou os tronos da Suécia e da Polônia durante séculos. Ela foi seguida na Suécia por uma série de nobres que paulatinamente mergulharam o país em uma enorme crise. O parlamento sueco, para agradar a Napoleão, resolveu convidar um dos seus marechais para assumir o trono sueco. Escolheu então Jean Baptiste Bernadotte, marido de Desirée, como regente do trono sueco. Bernadotte se saiu tão bem que a dinastia Bernadotte permanece até hoje. Ele inclusive participou da coalizão que acabou por derrubar Napoleão, reinserindo a Suécia no ambiente político da época.

O que levou os nobres suecos a entregar seu trono, e consequentemente seu governo na época, a um francês? A Suécia foi uma potência importante até o fím do século XVII, respeitada militarmente, mas sua situação começou a se desmoronar a partir da perda da Finlândia para a Rússia. A nação sueca estava em risco de desaparecer, o que levou a sua elite a buscar uma solução externa. Casamentos consanguíneos havia transformado a nobreza sueca em bando de abúlicos.

O mundo se encontra em uma situação que requer, a nível muito maior, decisões ousadas como esta. Os chamados representantes do povo não o estão nos representando coisa nenhuma. No entanto a democracia, muito embora seja praticada de fato apenas em uma percentagem pequena do planeta, ainda é tida como o melhor dos piores regimes. A solução para esse estado de coisas, a meu ver, seria dar um tempo à democracia: a criação, com o apoio irrestrito de todos os governos importantes, de uma Constituinte Mundial composta de profissionais de reconhecido valor nas suas áreas de atuação, para tratar desses assuntos e dar a eles uma solução realmente eficaz. As atribuições dessa Constituinte iriam incluir um reestudo da democracia, com deliberações sobre a composição de governos que não viessem a pôr a perder as decisões decorrentes de sua criação.

Não tenho dúvias de que acabaremos por nos aproximar de uma situação em que algo desse tipo vai ter que ser adotado, caso contrário o planeta vai seguir sua trajetória ladeira abaixo. Rezemos para que isso seja feito a tempo de salvá-lo.

Comentários

  1. Grandes idéias políticas surgiram da cabeça de pessoas alheias ao ambiente político e ate mesmo estrangeiras . Max era alemão professor e inspirou a revolução russa, Benjamin Franklin americano levou o ideal francês para Estados Unidos ou será que foram os ameigamos que inspiraram os franceses?Donde se conclui que de um blog como esse pode surgir algo novo que revolucionara o sistema político do mundo .Vamos pensar juntos . Apresentem sugestões !

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  2. É, Fontenelle, encontrar a solução para o problema para o qual você nos estimula a pensar é simplesmente a busca permanente de uma resposta desde que os humanos começaram a se organizar em comunidades. As teorias e propostas, considerando somente as mais relevantes, são já em número bastante elevado. Primeira etapa: por que os humanos precisaram de algum tipo de organização social, que evoluiu para o Estado Moderno? As análises são variadas. O antropólogo Pierre Clastres (1974) viu a impossibilidade das sociedades primitivas permanecerem como tal, isto é, organizadas comunitariamente sem estruturas hierárquicas, a partir do crescimento demográfico. O filósofo Thomas Hobbes (séc. XVII) viu na necessidade de proteção e sobrevivência contra agressões de outros grupos a razão para que se firmassem pactos sociais que redundaram na formação do Estado opressor. Rousseau (séc. XVIII) estatuiu que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe; para ele toda a desgraça social começou quando alguém cercou um terreno e disse “isto é meu”; quer dizer, Rousseau atribui a origem de todos os males à propriedade privada. Esses são alguns que, digamos, pensaram ter identificado o problema. Etapa seguinte: como resolver a questão da organização social com menos injustiças e desigualdades? Muitos apontaram soluções, desde Platão, na sua “República”, até Marx com sua proposta comunista. Nenhuma funcionou. A sociedade se reconfigura sem seguir nenhum modelo preconcebido. Veja a China de hoje com seu Capitalismo de Estado e partido único. Quem imaginaria tal formatação econômica social? E vai durar até quando? As únicas características que, na minha opinião, permanecem constantes no ser humano são o egoísmo e a necessidade de reconhecimento, isto é, a luta incessante para ter mais por saber fazer melhor. A humanidade nunca escapou – a menos de sociedades primitivas – de se dividir entre dominadores e dominados, opressores e oprimidos, senhores e servos, etc., e isso vale quer para os Estados mais totalitários quer para os mais abertos, democráticos. Passando pela sua sugestão de redesenhar o Senado americano, por exemplo: toda mudança implica em perdas e ganhos e, seguramente, uma mudança como a que você imagina teria que alterar o conjunto de forças dominantes lá, o que é muito complicado. Mas o tema que você propõe é desafiador e instigante.

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    1. Grato pelo comentário. Ele entra muito bem num campo que eu sei que você estudou com profundidade. Da minha parte eu vejo que o mundo vai muito em breve chegar a um ponto de inflexão, e espero que nesse instante tenhamos líderes mais preparados que o Barak, a Angela e, no nosso caso, a nossa raivosa Dilma indicador duro.

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