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As eleições americanas

Já falamos desse assunto anteriormente, mas a proximidade da data da provável reeleição do Obama me faz voltar ao mesmo.

Sabe-se que os presidentes americanos não são escolhidos pela maioria absoluta dos votos válidos, mas sim pelo Colégio Eleitoral, uma entidade criada especificamente para definir em que candidato cada um dos 50 estados vai votar, através de delegados nomeados para tal. É tradição que os delegados votem na sua totalidade para o candidato que ganhou a eleição no estado, porém isso não é impositivo.

Ao todo são 538 delegados divididos entre os 50 estados. Tomemos como exemplo o estado mais importante e populoso, a Califórnia. Com 36 milhões de habitantes, ele contribui com 55 delegados ou votos, o que dá uma média de 1 delegado para cada 655 mil habitantes. Já um estado pequeno como Delaware, com 853 mil habitantes, tem 3 delegados, o mínimo previsto em lei, o que dá uma média de 1 delegado para cada 284 mil habitantes. Vê-se então que cada habitante de Delaware vale por 2,3 habitantes da Califórnia. Isso vem a mostrar que o Brasil não detém o monopólio dessa aberração, que consiste em diminuir na divisão política a importância dos estados mais populosos, como São Paulo.

O resultado desse processo é que a eleição sempre é definida em um punhado de estados, os chamados indecisos. Atualmente eles são oito: Iowa (48,3/44,3), Colorado (48,3/46), Wisconsin (51,5/43,7), Ohio (48,7/44,3), Carolina do Norte (47,8/46,8), Flórida ((48,8/46,3), Virginia (49,6/45,1) e New Hampshire ((46/45). Os números representam as últimas pesquisas Obama/Romney, o que mostra Obama vencendo em todos eles. Na Califórnia por exemplo temos 56/36. Em Nova York 60,3/34. Já em Georgia temos 39/52,3, e em Misouri 43/50,3. Vemos portanto uma clara divisão: do lado Obama os estados progressistas, do lado Romney os que podemos chamar de retrógrados.

Esses dados mudam a cada dia, mas os de 27/09 dão a Obama 237 delegados certos contra 191 de Romney, e 110 delegados indecisos. Como Flórida tem 29 delegados e Ohio 18, basta que Obama vença nestes dois estados "indecisos" para ele se reeleger com 284 votos.

Mas aí começa o jogo sujo. Bush só levou a primeira eleição contra Al Gore porque o resultado da Flórida foi decidido na Suprema Corte, a favor dele, mesmo tendo Gore vencido de fato nesse estado. Observe-se que Al Gore ganhou a eleição a nível nacional, pois teve mais votos que Bush. Surgiu na presente eleição uma novidade: a exigência de que o eleitor apresente documento que o identifique. Isso pode parecer óbvio para o brasileiro, tão acostumado às fraudes, mas para o americano é um tremendo aborrecimento: Lá o documento mais usado é a carteira de motorista (driver's licence), e a enxurrada de pedidos desse documento por pessoas que nem sequer dirigem vai deixar cerca de 10 milhões de eleitores de fora. E quem são eles? Na sua grande maioria hispânicos e negros, tradicionais eleitores democratas.

O episódio da série Os Simpsons que irá ao ar dia 30/09 ridiculariza esse fato. Homer Simpson aparece no local de votação sem os documentos e lhe é dito que ele não vai poder votar. Ele responde que é "um eleitor branco de 40 anos e sem curso universitário", o perfil do eleitor de Romney. O mesário, claramente republicano, imediatamente o libera para votar. O humor é perfeito e Romney certamente não vai gostar nem um pouco de ver esse eleitor na tela da TV.

Um detalhe importante nisso tudo é que o voto nos Estados Unidos não é obrigatório. Isso leva os dois partidos a elaborar sofisticadas estratégias de convencimento de suas hostes. Os democratas estão focando nos jovens, nos não brancos e nos que possuem educação superior. Os republicanos por sua vez querem que esses eleitores fiquem em casa, e fomentam o desencanto com as promessas não cumpridas e uma economia ainda lenta. Segundo a revista Veja dessa semana, a polarização entre democratas e republicanos nunca foi tão grande; o Partido Democrata pendeu para a defesa dos direitos civis e o Republicano para a direita religiosa. Só que o mundo evolui no sentido de dar maior importância a essa polarização, a nível mundial; daí haver sentido nas infelizes palavras de Romney, que disse, em um vídeo destampado pelo neto de Jimmy Carter, que não se importava com os 47% dos americanos que vivem às custas do Estado. São palavras ásperas e infelizes, que levam a supor que os Republicanos correm o sério risco de se tornarem uma minoria permanente no processo eleitoral americano.

Nicholas Kristoff, importante jornalista do NYTimes, observou com muita lucidez que os ícones recentes do Partido Republicano talvez não fossem aceitos no Partido nos dias de hoje. Ronald Reagan, o presidente Richard Nixon, que criou a Agência de Proteção Ambiental (EPA) seriam considerados de esquerda, já que só 47% dos republicanos apoiam hoje medidas de proteção ao meio ambiente, contra 86% em 1992. Quase todos os remanescentes centristas do Partido foram expurgados, entre eles Richard Lugar, importante senador que teve muita influência na política externa, Mark Hartfield, que firmemente se opôs à guerra do Vietnã, Bob Packwood, que defendeu o direito ao aborto, o governador do Oregon Tom McCall, firme defensor do meio ambiente. Disse Packwood que os republicanos têm sido muito eficientes em jogar fora suas vantagens: eles perderam o apoio dos sindicatos, dos negros, da população urbana em ambos os lados do país (o este e o oeste são bem diferentes a nível cultural), e segundo pesquisas apenas 5% dos republicanos manifestam confiança no governo central. Os republicanos, nas proporção de 3:1, ainda acreditam que o Iraque tinha armas de destruição em massa, e na mesma proporção que o presidente Obama nasceu em outro país.

Os brasileiros se intrigaram quando perceberam a grande afinidade entre Lula e George W. Bush. Eles na verdade são farinha do mesmo saco, já que por aqui nenhum petista aceita o fato de que o Mensalão existe, que ele não é uma invenção das elites para afastar do poder um partido "do povo"

Comentários

  1. Precisamos discutir um novo sistema de governo . Voce mostrou como a democracia pode falhar até no berço da moderna democracia .

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  2. Um video interessante para mostrar o quao progressistas sao os democratas e o quanto eles defendem os direitos civis:
    http://reason.com/reasontv/2012/09/05/how-pro-choice-are-democrats

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  3. The Romney video:
    http://www.youtube.com/watch?v=XnB0NZzl5HA&feature=player_embedded

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    Respostas
    1. Na verdade, caro André, quando Romney reclama dos aproveitadores, ele está incluindo trabalhadores que recebem um salário modesto ou aposentados, os quais contribuiram muito mais significativamente para o país que aqueles que podem pagar 50 mil dólares para participar de um jantar. Se incluirmos o imposto total pago pelos cidadãos, e isso vale para o Brasil e para a Austrália, as famílias americanas pagam mais que 25% de sua renda em taxas. No Brasil é bem mais. Duvido que Romney, que declarou que paga 15% de imposto de renda, chegue a esses valores.

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    2. Eu so adicionei o video para ilustrar o seu post. Eu nao concordo com a mensagem, nao na totalidade. Acho que Obama pois os USA na "Age of Entitlements". A Grecia ja esta lá, junto com a Espanha, Italia, Portugal, Irlanda... a Franca definitivamente juntou-se ao grupo. A inglaterra esta quase lá e a Australia eh forte candidata.
      Lembre-se que governos nao geram nenhuma riqueza, eles so destroem, atravez de impostos. Cada dolar que o governo da de graca eh um dolar a menos que a classe media tem para gastar. E nao se engane, quem tem 50k dolares para gastar em um jantar paga zero de impostos e nunca vai pagar.
      Logo quanto mais beneficios o governo da, mais achatada fica a classe media e menos impostos o governo tera a receber. Eh um ciclo que tem um limite que a muito tempo foi ultrapassado na Europa e que agora eh ultrapassado nos USA e na Australia.

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    3. Existem duas maneiras do rico não pagar impostos: uma é sonegando, como acontece muito por aqui; outra é protegido pela lei, como no caso americano. Para mim seria constragedor, como é para o Warren Buffet, chegar para a minha secretária e dizer que ela paga mais imposto que eu, proporcionalmente aos nossos ganhos. A Margareth Tatcher instituiu o imposto linear, onde a alíquota é a mesma para todos. Nada contra, mas não aceito o imposto inverso, em que o que ganha menos paga mais. Por outro lado, o governo, infelizmente, tem que existir, para construir nossas escolas, nossas estradas, nossos hospitais. Já que decidimos morar em aglomerados urbamos, tem que haver governo, senão os nossos instintos prevalecem. A justiça é uma invenção do homem, ela não existe na natureza. Por sinal, o país que você escolheu para morar, a Austrália, é um bom exemplo de governo a nível mundial.
      A meu ver a decadência da Europa e dos Estados Unidos tem mais a ver com a extinção dos ímpérios que com a justiça social. Como a Austrália não é um inpério, não vejo risco em ela promover justiça entre os seus cidadãos.

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