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Sobre mim mesmo

Um sambinha na Praia das Toninhas neste fim de semana me rejuvenesceu. Ficou de lembrança palpável apenas um filme feito pelo celular de um rapaz de Bauru que o nosso grupo conheceu na praia:

http://www.youtube.com/watch?v=wDRewl19x0U&sns=em

É bom chegar no limiar dos 70 anos e ver que não existe nada na minha vida que eu não tivesse almejado e conquistado. Tudo aquilo que eu quis ter eu tive. Tudo aquilo que eu quis evitar eu evitei. Foi caminhando na praia que me veio à lembrança uma poesia do meu Pai Abílio, que ele me enviou às vésperas de completar 92 anos:

CAMINHADA      (03/04/03)

Venho de longe, muito longe e paro
subitamente à beira do caminho,
à sombra  amena de frondosa árvore
onde, alegre, canta um passarinho.

O sol envia  à terra os derradeiros raios,
já bem perto da linha do horizonte.
E o poente  vai  em fogo se tornando,
como se as nuvens  fossem todas se inflamando.

Estou só. E a solidão que me penetra a alma,
a solidão que tanto me castiga
vai consumindo aos poucos, lentamente,
o que me resta da alegria antiga.

Volto para trás os olhos  fatigados
e contemplo enternecido a  estrada percorrida;
e revejo os espinhos, mas também as flores
que tantas vezes me enfeitaram a vida
e a envolveram de sonhos e de amores.

Os rastros que vou deixando sobre a areia
vão se tornando cada vez mais vivos
e mais parecem sulcos, numa linha,
denunciando que o viandante arrasta
as pernas lassas mais do que caminha.

Reconheço, enfim, que estou cansado.
Mas me custa muito admitir
que o vigor que outrora desfrutava
ficou, com a mocidade, tão distante;
e a sua falta agora dificulta e entrava
o movimento lesto dos meus passos,
no seu intento de seguir adiante.

Olhando à frente vejo a estrada branca
que, na tarde quente, iluminada e bela,
se estende  ao longe até perder de vista.
Como eu quisera prosseguir por ela
e ao teu lado, assim, por muito tempo,
poder continuar a caminhada.

Há tanta coisa interessante e linda,
tanta coisa em sonho acalentada
Que eu gostaria de fazer ainda!...

 Meu Pai veio a falecer apenas em 2011, com cem anos e meio de vida, e tenho como certo que essa sede de fazer mais e mais coisas foi o que prolongou tanto a sua permanência entre nós. A genética também ajudou, já que em julho fui ao Maranhão comemorar os cem anos de sua irmã Eunice. Já comigo a coisa se apresenta de forma menos intensa.


Casei com a mulher dos meus sonhos, e há 43 anos eu acordo todo dia agradecendo à entidade que fez com que os nossos caminhos se cruzassem. Nunca consigo deixar passar um dia sem confessar o meu amor por ela, mas sou sempre derrotado porque ela faz isso comigo quase todas as horas que me vê. Essa receita simples, uma confissão de amor diária, talvez até horária, parece ser vista hoje em dia como algo piegas por pessoas da minha idade. Isso não é bom e leva necessariamente a uma visão do companheiro focada muito mais nos defeitos do que nas qualidades. É triste ver pessoas da minha idade chegando à conclusão de que o melhor talvez seja a separação.

Uma vez comentei com minha finada Mãe que o meu Pai estava cada vez mais rabugento, e que ela devia tomar uma posição com relação a esse comportamento ranzinza. Sua resposta me impressionou e eu a guardei para usar na minha velhice: "Meu filho, eu comi a carne, agora é a vez de roer os ossos". Me considero uma pessoa de trato bem complicado, e acho que tenho pra quem puxar, mas a convivência de tantos anos com o meu amor aplainou as arestas, a ponto de apenas as minha filhas ainda as perceberem. Acho que isso é um assunto para Freud.

Outro acontecimento que me empurrou para a estrada da felicidade foi o nascimento de minhas duas filhas e meus quatro netos. Minha filha Renata se mudou para a Austrália em 2001, mas graças ao Skype nós continuamos a ter uma convivência bem satisfatória. Meu neto Gabriel acaba de entrar para a faculdade de Economia e o outro neto australiano, o Álvaro, quer ser médico. Minha filha Cláudia se mudou para a represa de Furnas, onde meus netos Enzo e Enrico vão para a escola de bicicleta, a exemplo do que seu avô fazia 65 anos atrás em Abaetetuba, Pará. Todos são felizes a seu modo, e eu tenho como certo que a minha genética é imortal, e mais que isso, feliz.

Eu sou também um felizardo que pode dizer que, aos 70 anos, tem uma turma. Estamos prestes a comemorar 35 anos de convivência, em que faremos uma grande festa que, a exemplo da dos 30 anos, contará com a presença de mais de 100 pessoas. Nos reunimos todas as quartas à noite e todos os sábados à tarde / noite. Nossas esposas dizem que, se elas quiserem contar com a presença de seus maridos no velório, devem evitar morrer nessas datas. O Cachasamba, visto no vídeo mambembe acima, é um produto dessa convivência, mas tem também o futebol, praticado quartas e sábados, do qual tive que me aposentar em 1991 devido a uma fratura, da qual ainda carrego 6 parafusos. Mas nunca deixei de comparecer ao terceiro tempo, onde nos entupimos de churrasco e cerveja, quando não um jantar especial para comemorar o aniversário de algum membro do grupo. A festa de fim de ano, a ser comemorada dia 08/12 neste ano, é um acontecimento dos mais importantes, onde, como diria o Zeca Pagodinho, vai rolar "cerveja gelada e cachaça de litro".

Para finalizar, resolvi mudar há três anos para uma chácara no Guará, bairro de Barão Geraldo - Campinas. Minha vida profissional, terminada em 2006, me forçou a uma mobilidade muito grande. Durante 15 anos eu tive que trabalhar longe de onde morava, e conclui que a minha velhice tinha que se passar em um lugar que tivesse para mim uma visão bem próxima da minha concepção do Paraíso. Acredito que eu o encontrei. É lá que eu recebo meus amigos, que muitas vezes têm que se submeter a um defeito grave que eu acho que não vou conseguir sanar antes de me despedir dessa vida: a minha pretenção de ser bom cozinheiro.

Acho que, em poucas linhas, consegui traçar um perfil de um cara que, relendo agora o que escrevi, talvez nem seja eu.

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