Pular para o conteúdo principal

Um Idoso Frente as Novidades Tecnológicas.

É difícil. E vejam que eu vivi a totalidade da minha vida profissional envolvido com isso. Cheguei a projetar circuitos integrados, fui professor do ITA durante 10 anos, me envolvi fortemente no projeto se sistemas de transmissão digital, vendi infraestrutura de telefonia celular, e de repente me deparo com meus netos me ensinando as nuances no Android, do Gmail, do Facebook, do Instagram, e por aí vai.

A maior resistência vem com a mudança do livro Gutemberg para o Digital. Acabo de comprar um Tablet Samsung para efetivar essa mudança, imbuído do nobre propósito de economizar árvores. Faz um mês que o Tablet se esconde numa gaveta e eu ainda não criei coragem de alterar a minha assinatura do Estadão, pra não falar em comprar um livro digital.

Eu acabo chegando lá. Vai ser uma batalha, mas espero vencer esse trauma. Para isso andei lendo a respeito do impacto da evolução tecnológica na vida das pessoas, e me surpreendi bastante com um item que revolucionou de forma total as nossas vidas: o gelo.

Li na minha juventude um livro que falava de uma corrente de escravos que se estendia dos Alpes até Roma apenas para fazer chegar o gelo à mesa dos patrícios. Achei a história tão incrível que resolvi investigar melhor o gelo, e me surpreendi ao analisar sua chegada ao nosso país. Me deparei com um artigo do professor Mark Herold, da Universidade de New Hampshire em Durham: "Gelo nos Trópicos: a exportação de "blocos de cristais da frieza ianque" para Índia e Brasil".

Fiquei sabendo que um americano, Frederic Tudor, ficou milionário com a ideia de combinar dois produtos inúteis, o gelo natural do inverno das lagoas da Nova Inglaterra e a serragem das madeireiras do Maine. Foi assim criado um intenso comércio de exportação de gelo, que cobria desde a Índia até o Brasil, como também o sul dos Estados Unidos.
 Cais dos Tudor em Charlestown, Ma., 

Seu uso era variado: servia para esfriar vinhos, a própria água, para acalmar febres, preservar alimentos, e assim por diante. Entre 1830 e 1870, esse comércio prosperou até a chegada da nova tecnologia para a produção de gelo artificial como parte da Revolução Industrial. No início do século XX já existiam no Brasil fábricas de gelo em 6 cidades portuárias, que tomaram para si o comércio dos Tudor, e conta-se que a última carga importada veio em um veleiro cheio gelo e maçãs da Nova Inglaterra para celebrar o Natal.

O autor deve ter tido contato com a contabilidade desse negócio para chegar à conclusão de que, em 1856, os valores exportados para o Brasil foram os seguintes:
  • Salvador: 875 toneladas
  • Recife: 257 toneladas
  • Rio de Janeiro: 1.762 toneladas
O comércio com o Brasil foi inaugurado em 1834, e Frederic Tudor construiu um barco de 3 mastros, o Madagascar, especialmente para esse transporte. Boston e Oslo dominavam esse mercado, sendo que a Noruega abastecia os portos europeus. Um relatório de 1863 apontava um investimento anual de cerca de US$ 2 milhões no comércio de gelo de Boston, com o uso de 550 navios e dando emprego a 4.000 pessoas.

O primeiro carregamento de gelo se deu em 1816, quando 130 toneladas foram enviadas para a Martinica. Atingiu seu pico em 1867 com 142.463 toneladas, e a partir daí decaiu até fechar em 1900 com 13.720 toneladas. Os melhores anos foram aqueles das décadas 1840 - 1870. Em 1868 foi iniciada a produção artificial do gelo em Nova Orleans, com máquinas importadas da França, e deu-se o início da decadência do comércio de gelo de Boston. O gelo artificial feito em Savannah passou a ser vendido a 1/2 centavo a libra, enquanto o gelo natural importado custava 2-3 centavo a libra!

Mas que tem isso a ver com o impacto da tecnologia frente aos idosos? Me imaginei morando no Rio de Janeiro na época da mudança do gelo natural para o artificial, isso por volta de 1880. Uma tonelada de gelo era vendida por pouco mais de um dólar, valor elevado na época, que limitava o seu consumo aos ricos, e mesmo assim o Rio era o segundo maior importador mundial desse bem. Com a chegada da cerveja brasileira, através da inauguração da Manufaturera de Cerveja Brahma, Villiger & Cia. em 1888, deu-se a necessidade de se produzir gelo artificial em grande escala, de forma a torná-lo acessível a toda a sociedade, caso contrário a cervejaria iria à falência. Foi então importada uma grande máquina de gelo da Alemanha pelo alemão Georg Machke, um patrocinador de bares, restaurantes, clubes e artistas, focado em expandir o consumo da cerveja.
Fábrica da Brahma no bairro do Catumbi, Rio de Janeiro

Pois bem, minha primeira reação seria de descrédito. Como comparar a pureza da água de uma lagoa da Nova Inglaterra com a água fétida dos trópicos? E os processos de fabricação de gelo artificial, baseados na produção de frio intenso pela evaporação rápida de gelo e sal, ou nitrato de amônia e água, ou ácido sulfúrico? Como confiar nisso?

Ainda bem que eu não nasci nessa época, porque hoje eu sou fã incondicional de cerveja, e teria lutado contra o gelo artificial naqueles tempos. O Brasil é um grande consumidor dessa bebida, e pode-se dizer que ela se tornou a belida nacional por excelência, muito acima da nativa cachaça. É servida estupidamente gelada, vestida de noiva, cu de sapo, acatarrada por fora, como dizem os entendidos, para horror dos alemães que não conhecem o nosso clima.

Acho bom eu me entender logo com o meu tablet...
Fábrica de gelo moderna, localizada ao lado do Palácio Monroe, concluída para a Terceira Conferência dos Estados Americanos em 1906


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Europa Islâmica

É irreversível. A Europa, o berço da Civilização Ocidental, como a conhecemos, está com seus dias contados. Os netos dos nossos netos irão viver em um mundo, se ele ainda existir, no qual toda a Europa será dominada pelo Islamismo. Toda essa mudança se dará em função da diminuição da população nativa. Haverá revoltas localizadas, mas o agente maior dessa mudança responde por um nome que os sociólogos têm usado para alertar para esse desfecho: a Demografia. Vamos iniciar este Post com um exercício simples. Suponhamos uma comunidade de 10.000 pessoas, 5.000 homens e 5.000 mulheres, vivendo de forma isolada. Desse total metade (2.500 homens e 2.500 mulheres) já cumpriu sua função procriadora, e a outra metade a está cumprindo ou vai cumprir. Aqui vamos definir dois grupos, o velho não procriador e o novo procriador. Se os 2.500 casais procriadores atingirem uma meta de cada um ter e criar 2 filhos, teremos como resultado que, quando esta geração envelhecer (se tornar não procriadora), a c

Sobre os Políticos

Há tempos estou à procura de uma fonte que me desse conteúdo a respeito desse personagem tão importante para as nossas vidas, mas que tudo indica estar cada vez mais distanciado de nós. Finalmente encontrei um local que me forneceu as opiniões que abasteceram a minha limitada profundidade no assunto: Uma entrevista no site Persuation, de Yascha Mounk, com o escritor, diplomata e político Rory Stewart.  Ex-secretário de Estado para o Desenvolvimento Internacional no Reino Unido, Rory Stewart é hoje presidente de uma instituição de caridade global de alívio à pobreza, a GiveDirectly (DêDiretamente em tradução Livre) e autor do recente livro How not to be a Politician, a Memoir (algo como "Como não ser um Político, um livro de Memórias"). A entrevista é longa e eu me impressionei com ela a ponto de me atrever a fazer um resumo. Pelo que entendi, com o livro Stewart faz uma descrição de suas experiências na política do Reino Unido. Ele inicia a entrevista falando da brutalidade

Civilidade e Grosseria

  Vamos iniciar este Post tentando ensaiar teatrinhos em dois países diferentes: País A O sonho do jovem G era ser membro da Força Aérea de A, mas na sua cabeça havia um impedimento: ele era Gay. Mesmo assim ele tomou a decisão de apostar na realização do seu sonho. O País A  não pratica a conscrição, ou seja, ninguém é convocado para prestar serviço militar. Ele está disponível para homens entre 17 e 45 anos de idade. G tinha 22 e entendeu que o curso superior que estava fazendo seria de utilidade na carreira militar. Detalhe: há décadas o País A tinha tomado a decisão de colocar todos os ramos militares em um único quartel, com a finalidade de aumentar o grau de integração e a logística. Isso significa a Força Aérea de A está plenamente integrada nas Forças de Defesa de A. Tudo pronto, entrevista marcada, o jovem G comparece à unidade de alistamento e é recebido com a mesma delicadeza que aquele empresário teria ao se interessar por um jovem promissor de 22 anos. Tudo acertado, surgi