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As Tribos Morais e seus Problemas

Pra saber se vale a pena ler um livro eu tenho adotado um critério meio calhorda, que vou revelar a vocês:
  • Se for ficção eu vou à página Veja Recomenda e verifico se o autor está lá. Se estive em mais de uma posição eu desisto. Por exemplo, eu estou terminando "A Menina que Roubava Livros" de Markus Zusak, que está na segunda posição (decidi que não vou assistir ao filme para evitar "comparaciones"). Em compensação eu certamente não vou ler John Green (1°, 3°, 5° e 7°), nem Verônica Roth (4° e 10°);
  • Autoajuda e Esoterismo eu desisti de ler há décadas;
  • Não ficção eu procuro me informar nas resenhas dos jornais e revistas. 
Por isso eu estou aguardando ansioso a chegada no Brasil de "Moral Tribes". Este livro, lançado nos Estados Unidos em 2013, já recebeu comentários em diversas publicações aqui no Brasil: da Folha de São Paulo (26/01, Tribos Morais, Helio Schwartsman), da Superinteressante, e das Páginas Amarelas da Veja de 19/03. O autor, Joshua Greene, pesquisador da Universidade de Harvard, é um psicólogo que nesse livro tenta abordar os dilemas morais modernos através da filosofia e da neurociência.

Podemos chamar de Dilemas Morais aquelas situações em que nenhuma solução é satisfatória. São os desafios com que de deparam os "dita regras", aqueles que se arvoram no direito de decidir o que é certo e o que é errado. Isso é claro inclui os juristas e os filósofos, mas também aqueles, nos quais eu a contragosto me incluo, que têm na sua concepção de direito uma avaliação exagerada.

Os filósofos têm abordado esse tema deste sempre, do inglês Locke ("a minha liberdade começa onde termina a sua") a Rousseau ("o certo é a decisão da maioria"). A novidade do livro parece ser que este assunto passou para as mãos dos cientistas e, ao que tudo indica, a conclusão é a de que os filósofos perderam tempo durante todos esses séculos, talvez milênios. Para os cientistas as decisões que tomamos são norteadas por dois tipos de pensamento: o rápido e o lento.

O pensamento rápido é formado por intuições e respostas automáticas. Já o lento se baseia na reflexão sobre a situação e a procura de uma regra que seja aplicável à mesma. Exemplo disso é a situação em que nos deparamos por com um produto novo na vitrine, digamos um smartphone. Eu já tenho um, bom, mas o da vitrine é melhor e o pensamento rápido me empurra pra dentro da loja. Já o pensamento lento me propõe avaliar a relação custo benefício de gastar uma quantia considerável para ter um retorno que talvez não compense a despesa. Por isso é sempre bom contar até dez...

Greene foi o divulgador de um Dilema Moral que ficou conhecido como o Dilema do Bonde. Ele consta de dois cenários:
  1. O bonde vai atropelar 5 pessoas que trabalham sobre a linha, mas você tem a chance de evitar que isso aconteça mudando a direção do bonde para outra linha, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria o trajeto, salvando 5 e matando 1? Segundo a revista Time, uma pesquisa com os leitores respondeu que 97% deles salvariam os 5. Agir dessa forma é seguir a doutrina do Utilitarismo de Stuart Mill, na qual a moral está na consequência do ato: a atitude mais correta e a que conforta o maior número de pessoas. A ética do mal menor no entanto tropeça quando tratamos de quantidade. Por exemplo, você mataria um milhão de pessoas para salvar 5 milhões? A história está eivada de exemplos de regimes totalitários que usaram esse argumento, e que certamente não teriam 97% de aprovação numa pesquisa da Time. 
  2. Em uma situação diferente não existe outra linha, mas há um homem na plataforma que carrega uma enorme mochila, que certamente vai parar o trem se você empurra-lo na linha O resultado será o mesmo: salvam-se 5 pessoas ao custo de uma. Você empurraria o homem? No teste do Time 60% das pessoas não empurraria. 
Vê-se claramente um componente emocional nas duas respostas. Estamos dispostos a matar 1 com a máquina, mas não com as mãos. A Teoria da Evolução tenta explicar essa diferença pelo fato de que aqueles que matam friamente tendem a ser mortos pelo grupo a que pertencem, logo, existe o instinto de preservar os nossos genes refreando nossos instintos na hora de matar. Além disso, os homens das cavernas não operavam máquinas; suas ferramentas estavam nas suas mãos, e puxar uma alavanca ou apertar um botão não é a mesma coisa. Para Greene os instintos sociais refletem o ambiente no qual a nossa espécie evoluiu, não o presente em que vivemos. 

Vamos ver outro exemplo: consideramos um absurdo não dar socorro a alguém que sofreu um acidente na estrada, mas damos pouca bola para a fome na África. Isso porque nossos ancestrais não evoluíram num ambiente em que se tinha conhecimento da situação global. Dessa forma o nosso cérebro é construído para ter sua emoção acionada pelas pessoas que estão próximas a nós. As sociedades mais avançadas já chegaram a um estado da evolução diferente, e nelas o social prevalece. O nosso continente ainda prima pelo cordial, e esse comportamento se reflete nos nossos governantes de forma clara, onde a distinção entre o público e o privado não existe. O Senhor Senador não consegue ver problema em usar um bem público para levá-lo a um implante de cabelo. 

Segundo Greene, há uma área do cérebro onde os sinais emocionais são organizados, e as pessoas acidentadas com danos nessa área (córtex pré frontal ventromedial ???), dão a mesma resposta às duas situações citadas acima (1 contra 5). 

A emoção, por consequência, é quem dita o nosso comportamento nos Dilemas Morais, e ela até que resolve bem esses dilemas dentro da nossa própria tribo. A coisa complica pelo fato de existirem muitas tribos, e as nossas emoções podem não ser as mesmas da tribo do lado. A intuição não vai resolver problemas que afetam tribos diferentes, já que elas podem ter soluções distintas das nossas para um determinado problema. Podemos citar por exemplo o aquecimento global, ou a distribuição de renda, ou o aborto. Há os que defendem que toda decisão é individual, e no caso do aborto a decisão cabe à mulher que carrega o feto. Já na outra tribo há os que defendem que o direito á vida se iniciou quando o feto foi gerado. Como os dois lados defendem direitos que consideram legítimos e no entanto são totalmente antagônicos, não existe a possibilidade de consenso.

É aí que Greene se torna mais polêmico e instigante. Para ele, nos progressos morais já conquistados, faz sentido se falar em direitos. Ele dá como exemplo o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Não existem mais argumentos sustentáveis para se contestar as conquistas alcançadas nessa área. O mesmo se dá, por extensão com a discussão Gay atual: basta trocarmos a cor da pele pela preferência sexual e vemos que o direito dos Gays é o mesmo dos negros nos anos 60; quem se dispõe a contestar esse fato não é mais que um pária social que o tempo vai se encarregar de eliminar. 

Já com o aborto falar em direito é prematuro. Não podemos usar essa palavra para defender nossos sentimentos, que ainda não passaram por aquilo que eu chamaria de consenso universal. Um bom teste para saber se uma discussão faz sentido é verificar a reação de uma pessoa que se depara com fatos que contrariam o seu modo de ver a coisa. Ela vai levar a conversa a sério ou vai tentar desacreditá-los? Quando os fatos são descartados restam apenas os argumentos, e argumentos não são suficientes para se levar uma discussão a bom termo.

Os progressistas argumentam que cabe à mulher decidir o destino do seu corpo, mas se perguntados se ela pode abortar no início do nono mês eles muito provavelmente vão dizer que não. Isso torna insatisfatório o argumento inicial, pois coloca o fator tempo na discussão, o que leva a mesma para o campo da biologia e pode levar o argumento do direito à escolha ao descrédito. Como eu considero os progressistas uma tribo diferenciada, já que seus valores são mais pensados da forma individual, sem a muleta das leis, das religiões, das tradições, eu tendo a defender suas posições, mas tenho que concordar que o progressista, ao abandonar as tribos mais primitivas, tende a um individualismos que o afasta da realidade, e a realidade está aí, com um mundo cada vez mais difícil de ser administrado. 

Minha fase de ateu convicto continua, mas ela está ultimamente bem mais tolerante com aqueles do outro lado, a maioria esmagadora que acredita num Criador. Minha oposição à religião já foi maior, pois hoje eu reconheço que de fato ela tem uma influência benéfica em muitas pessoas, dando às suas vidas um significado que eu, muito embora com ele não concorde, hoje tendo a respeitar. Até porque não tomando essa atitude eu iria acabar por me igualar àqueles que entendem que um ateu é um ser totalmente desprovido de moral.

Para mim o grande problema de todas as religiões é a sua proximidade com o tribal. Felizmente há hoje um sinal de que uma das mais tribais, a Igreja Católica, está dando indicações de que as coisas tendem a mudar. Isso graças ao seu novo Pontífice Francisco, o qual tem feito declarações claramente pós tribais. Enquanto o Papa anterior afirmou categoricamente que a homossexualidade era uma desordem intrínseca, Francisco se saiu com uma mensagem de conciliação ao dizer que a Igreja não pode interferir espiritualmente nas vidas dessas pessoas.

Isso, é claro, congrega os católicos pós tribais em torno de Francisco, e os tribais contra ele. O embate será inevitável, mas os sinais são bons e o que se espera que que eles sejam encampados por outros credos. O que Francisco está fazendo não é mais que colocar a mensagem de misericórdia, justiça de humildade de volta ao centro da missão da Igreja, expulsando com isso a intolerância. Francisco, na visão de um vaticanista americano, é muito mais um contador de histórias, como Cristo, do que um filósofo que vê o mundo dividido em categorias imutáveis. Francisco não vê como problema uma pessoa se salvar praticando outra crença, o que para mim é a chancela maior do pensamento pós tribal. Ponto para ele e para a sua cruzada. 

Comentários

  1. Seguramente esse livro vai entrar na minha fila de leituras. Pelo resumo que você apresentou parece que você já o leu, certo? Seu comentário ao final sobre religião é muito lúcido e eu tenho a pretensão de já praticar a tolerância com os que creem (a recíproca não é verdadeira). O valor da fé para quem a tem MESMO, é muito relevante. Agora mesmo minha irmã está enfrentando um problema de câncer na mama e é indiscutível que ela está se portando como uma guerreira baseada na sua inabalável fé. Ratificando o que você disse, o respeito à fé alheia em si em nada altera minhas convicções ateístas ou ateias (interessante, procurei uma dessas duas palavras no dicionário e não encontrei nenhuma das duas).

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    1. Caro De Assis. Estou esperando a tradução. Não tenho mais paciência para ler em inglês. Estou velho, e é por isso que me tornei mais tolerante.

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  2. Texto muito bom, Luiz. De onde você tirou esses comentários sobre o autor e suas pesquisas? Há outros livros do Greene?

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    1. Caro MC
      É bom ver que 25 meses depois alguém ainda se dá ao trabalho de ler os meus garranchos. Escrevi esse Post com base em minhas convicções e nas fontes mencionadas nele, mas V pode encontrar mais informação sobre Joshua Greene no link abaixo:
      http://www.joshua-greene.net/articles/book-chapters/the-secret-joke-of-kants-soul-pdf
      Um abraço

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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