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Uma solução interna para o Islã

Não há dúvida de que a insistência dos Estados Unidos e seus aliados em varrer do cenário político os ditadores dos Estados Muçulmanos é uma estratégia frágil. Isso levou o ocidente a virar mero coadjuvante, cedendo lugar à visão muito mais pragmática do russo Vladimir Putin. Não que eu seja um fã de Bashar al-Assad, mas temos que concordar que sem a sua participação vai ser muito difícil derrotar o EI. Pior ainda: a política pouco pragmática de Obama obriga o ocidente a combater em duas frentes na Síria.

É claro que o que está acontecendo no Oriente Médio nos incomoda como defensores da civilização cristã, mas se eles ficassem por lá se matando e não resolvessem migrar para as nossas metrópoles, acho que o interesse pela solução do problema diminuiria bastante. É necessário portanto exportar a crise para o nosso território, e para isso a Internet é de grande valia.

O Ocidente comete dois erros graves. O primeiro é considerar que o pensamento do EI representa a maioria do Islã, a chamada islamofobia. O segundo é fingir que o EI não tem nada a ver com o Islã, como costumam dizer quase todos os muçulmanos. Hoje mesmo vi na GloboNews um Sheik defender essa posição. A verdade é que os líderes jihadistas são grandes estudiosos do Islã, e usam esse conhecimento para fazer do Islã uma arma poderosa para alcançar as suas finalidades.

Basta ler a revista digital mensal em inglês Daqib:

http://jihadology.net/category/dabiq-magazine/

para perceber que ela é a arma mais letal que o EI utiliza para persuadir jovens do mundo todo a aderir à sua doutrina violenta. Mas um artigo publicado no Estadão de 22/12 (Uma Solução Contra o EI, de Mustafa Akyol) me fez concluir que a solução para resolver esse problema tem que partir de dentro do Islã, e não de fora.

Segundo o autor, o EI está preocupado com um fenômeno recente do pensamento islamita, a chamada Irja (adiamento), a ponto de, em um artigo de 18 páginas na Daqib, ter considerado a Irja uma Heresia.

Ao contrário do Cristianismo, que teve nos seus primórdios uma discussão entre pescadores e o fariseu Paulo sobre a real destinação dos ensinamentos de Cristo, com vitória de Paulo, sem que houvesse agressão física conhecida entre os adversários, o mundo muçulmano teve no seu primeiro século uma guerra civil sangrenta, que dura até hoje, com os Sunitas e os Xiitas se matando, e um terceiro grupo, os Khawarij (dissidentes) massacrando os dois lados. Mas nessa ocasião surgiram os seguidores da Irja, que defendiam que essa discussão sobre quem era verdadeiramente muçulmano devia ser adiada para a outra vida (?). Até mesmo os muçulmanos que não seguissem a rigorosa prática religiosa não deviam ser considerados apóstatas. Eles eram chamados de "murija" (os adiadores), e se tivessem prevalecido com certeza a teologia proposta por eles teria como resultado um Islã muito mais tolerante e pluralista.

Aqui dá pra perceber que o Cristianismo tem algo parecido, que é o julgamento pós morte, que a Contrarreforma que encarregou de torná-lo pré morte. Mas infelizmente os murija não foram bem sucedidos, e sua escola de pensamento foi considerada herética pela ortodoxia sunita. Existem resquícios do pensamento murija na região dos Balcãs, na Turquia e na Ásia Central, que pratica um Islamismo mais ameno.

Então o que faz o EI se alarmar com essa velha "heresia"? O fato é que os outros grupos rebeldes que combatem na Síria são adeptos de um Islamismo mais chegado à Irja. O EI os acusa de não matar os "apóstatas", não adotar punições corporais e não forçar as mulheres a se cobrir dos pés à cabeça. Essa diferença conceitual é tão grande que os soldados do EI temem ser mortos por mulheres, o que na sua crença impediria seu acesso ao Paraíso, e levou os rebeldes a engrossar suas fileiras com mulheres.

Em sua condenação à Irja o EI visa diretamente os Muçulmanos tolerantes, que a praticam mesmo sem conhecer o termo. Como a Irja é o antídoto contra a sua intolerância, o EI a acusa de falta de "piedade religiosa" (!!). Não há nada mais piedoso que honrar o Ser Superior, caso ele exista, como o único verdadeiro juiz da humanidade. Isso nos dispensa dos julgamentos terrenos, que pedem chegar a absurdos como aqueles cometidos pelo EI.

É claro que os Cristãos deveriam também considerar que a Irja se aplica perfeitamente ao seu ambiente, às suas práticas hoje tão repletas de agressões contra os descrentes, os homossexuais, os membros das seitas afro, e por aí vai. Vamos adiar esses julgamentos para a entrada na outra vida, viver em paz com os desiguais, e deixar para Deus a solução desses pepinos.

Comentários

  1. Brilhante análise Luís, aprendi coisas que desconhecia e me permito elaborar sobre teu conteudo. Todos tem de revisar suas políticas neste mundo em frangalhos. Donald Trump do alto de seu topete ruivo comenta que não julga se a política de desestabilização das ditaduras no mundo árabe foi certa ou errada, apenas que os EUA gastaram 4 trilhões de USD neste esforço e o que sobrou para o povo americano disto?... muxoxo do histrião mor da política americana.
    Que venha o Irja, mas que a interferência do mundo ocidental no oriente médio seja mais diplomática, mais inteligente e menos violenta. Mais propícia aos "murija". Ao Ocidente não cabe definitivamente o papel de anjo nesta História. No fundo tudo lá, e em outros lugares, se resume a uma luta de resistência contra o Imperialismo dos interesses corporativos econômicos globais associados a uma invasão de cultura, valores e hábitos estranhos a muitos que simplesmente não aceitam e se dispõe a morrer lutando do que beber este cálice venenoso.

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